sábado, 29 de dezembro de 2007

DESEJO A VOCÊS ...

Ainda bem que existem os poetas para dizerem tudo aquilo que queremos e não sabemos como....




DESEJO A VOCÊS ...



“Fruto do mato.


Cheiro de jardim.


Namoro no portão.


Domingo sem chuva.


Segunda sem mau humor e sábado com seu amor.


Filme de Carlitos.


Chope com amigos.


Crônica de Rubem Braga.


Viver sem inimigos.


Filme antigo na TV.


Ter uma pessoa especial e que ela goste de você.


Música de Tom com letra de Chico.


Frango caipira em pensão do interior.


Ouvir uma palavra amável.


Ter uma surpresa agradável.


Ver a Banda passar.


Noite de lua cheia.


Rever uma velha amizade.


Ter fé em Deus.


Não ter que ouvir a palavra não, nem nunca, nem jamais e adeus.


Rir como criança.


Cantar como passarinho.


Sarar do resfriado.


Escrever uma poesia que nunca será rasgada.


Formar um par ideal.


Tomar banho de cachoeira.


Pegar um bronze legal.


Aprender uma nova canção.


Esperar alguém na estação.


Queijo com goiabada.


Pôr-do-sol na roça.


Uma festa.


Um violão.


Uma seresta.


Recordar um amor antigo.


Ter um ombro sempre amigo.


Bater palmas de alegria.


Uma tarde amena.


Calçar um velho chinelo e sentar numa velha poltrona.


Tocar violão para alguém.


Ouvir chuva no telhado.


Vinho branco.


Bolero de Ravel.


E muito carinho meu.”

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Vem aí a Sessão Saudade de 1968

Com a qualidade e argúcia de sempre, Elio Gaspari publico na Folha de São Paulo de hoje (26/12) este artigo sobre os “40 anos de 1968”. Merece que reflitamos sobre os nossos anti-democráticos saudosismos revolucionários.


FALTAM cinco dias para o início da efeméride dos 40 anos de 1968. Os sessentões revisitarão aquele grande ano da aurora de suas vidas, que o tempo não traz mais. Virão as doces lembranças das passeatas e dos festivais de música, até o amargo desfecho da noite de 13 de dezembro, quando a ditadura militar escancarou-se.Há uma aura mágica em torno de 1968, como se tivesse sido um ano que mudou o mundo. Ele teve muitos acontecimentos inesquecíveis, mas poucos resultados. No Brasil, começou na rua e terminou na sala de jantar do Palácio das Laranjeiras, onde se baixou o AI-5. Na França, teve a revolta dos estudantes em maio e a vitória eleitoral do presidente imperial Charles de Gaulle em junho. Nos Estados Unidos, destroçado pela impopularidade da Guerra do Vietnã, o presidente Lyndon Johnson anunciou em março que não disputaria um novo mandato e, em novembro, foi eleito o republicano Richard Nixon. Em agosto a União Soviética invadiu a Tchecoslováquia, acabando com o que se denominara de Primavera de Praga.O historiador inglês Tony Judt matou a charada: "Os anos 60 foram a grande era da teoria". Os fatos perderam importância, substituídos pelo que se supunha ser a grande compreensão dos fenômenos. Havia até a expressão "racionar em bloco".A sacralização de 1968 omite o culto dos jovens rebeldes à violência das massas. Exemplo disso foi o apoio recebido pela Revolução Cultural de Mao Zedong. Da mesma forma, fazia-se de conta que os valentes vietcongs seriam incapazes de instalar uma ditadura que levaria centenas de milhares de pessoas a fugir do país em jangadas de junco.Até a utopia rural de Pol Pot no Camboja tinha seu charme.O grande ano da segunda metade do século passado não foi 1968, mas 1989. O colapso do império soviético e a destruição do regimes socialistas europeus, bem como a inviabilização dos projetos bicentenários de revolução política e social redesenharam o mundo. Foi 1989 que permitiu aos revolucionários de 1968 a acomodação de suas idéias e biografias ao século 21. (Numa perfídia dos algarismos, 89 é 68 invertido e de cabeça para baixo.)A brutalidade da ditadura militar cobriu com um manto sagrado a natureza autoritária dos projetos de quase toda a esquerda brasileira.Passado o tempo, essas militâncias são explicadas a partir da idéia de que aquela foi uma geração que correu atrás de um sonho. Tudo bem, pois ninguém pode discutir com uma pessoa que teve um sonho há 40 anos.A sacralização do 1968 brasileiro tem seu melhor momento na gloriosa passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro, na tarde de 26 de junho de 1968. É pena, mas por mais que ela tenha assustado os generais, foi outro fato quem levou todas as águas do São Francisco para a moenda da ditadura escancarada. Naquela madrugada, um comando da VPR jogara um veículo com explosivos contra o portão do QG do 2º Exército, em São Paulo, matando o sentinela Mário Kozel Filho.No Brasil, 1968 foi o ano de um terrível desencontro provocado pela radicalização política. Talvez não pudesse ser evitado mas, ao contrário de 1989, teria sido melhor que não tivesse existido.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Nota de Esclarecimento da Reitoria da UEPB

A Administração da Universidade Estadual da Paraíba distribuiu Nota de esclarecimento ao povo paraibano, em virtude dos insistentes e desrespeitosos ataques de alguns dirigentes da ADUEPB-Seção Sindical aos planos de Cargos, Carreiras e Remuneração dos professores e servidores técnicos administrativos da Instituição.
Leia a nota na íntegra:


NOTA DE ESCLARECIMENTO AO POVO PARAIBANO

NOSSA MAIOR CONQUISTA PÓS-ESTADUALIZAÇÃO NÃO PODE SER MACULADA

A administração da Universidade Estadual da Paraíba, ante os insistentes e desrespeitosos ataques de alguns dirigentes da ADUEPB-Seção Sindical, vem esclarecer o que segue:

1. O Plano de Cargos, Carreira e Remuneração dos Docentes da UEPB e o PCCR dos técnico-administrativos, são a maior conquista da comunidade de servidores desta instituição desde sua estadualização em 1987. Depois de um processo de fortalecimento institucional, investimento na infra-estrutura e valorização da atividade docente e discente, estes Novos Planos servirão para consolidar o que vem acontecendo nos últimos três anos;

2. Os PCCR's são resultado de um debate ocorrido no interior da Universidade e nas instâncias governamentais durante mais de 04 meses, desde o dia 24 de julho de 2007. Nunca houve matéria tão discutida e democraticamente votada desta forma na Universidade Estadual da Paraíba. Dezenas de reuniões aconteceram, inclusive com a participação de representantes dos sindicatos; propostas foram discutidas abertamente; professores individualmente, Departamentos e Centros enviaram propostas exaustivamente estudadas e debatidas entre seus pares... e só não viu ou não participou quem não quis!

3. O PCCR docente, que vem sendo alvo de ataques da diretoria da ADUEPB recebeu dezenas de alterações num texto de pouco mais de 40 artigos; os diretores da ADUEPB, instados à participação no debate institucional, negaram-se formalmente a discutir e, na véspera da votação no CONSUNI - Conselho Universitário da UEPB, propuseram a sua retirada de pauta para iniciarem novo debate. Perguntamos: por que somente no último dia dos debates? Para impedir que o PCCR - Docente fosse aprovado, vigorasse a partir de 1º de janeiro de 2008 e todos fossem beneficiados? Por que não apresentaram formalmente suas divergências e propostas de alteração ao texto-guia quando este estava em processo de construção e modificação no debate democrático com a comunidade, pela Comissão criada no CONSUNI e o Relator da matéria? Por quê?

4. A Administração Superior da UEPB esclarece que:

a) Não há eliminação de classes com o novo PCCR. Ao contrário da atual carreira que tem 04 classes, no Novo Plano a Carreira Docente é composta de 05 classes, sendo a última classe, assim como deveria ser na atual, de acesso exclusivo por concurso público, prática corrente nas Universidades Públicas brasileiras;

b) a Nova Carreira não é cópia de nenhuma outra, mas é inspirada no Projeto de Carreira Única para o Magistério Superior, publicado no Caderno 02 do ANDES - Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, com as devidas adequações de conteúdo e nomenclatura à realidade de UEPB e sua Autonomia; o documento é parte de uma publicação histórica do ANDES e é considerada uma das mais importantes formulações políticas do nosso Sindicato Nacional sobre a Universidade e a Carreira Docente no país e está disponível no seguinte endereço eletrônico: http://www.andes.org.br/caderno2_andes.pdf

c) A Dedicação Exclusiva é valorizada no Novo Plano, pois há uma exigência para que a Universidade tenha 70% dos seus professores neste Regime de Trabalho. Esta meta está estabelecida para 10 anos. O percentual da gratificação de Dedicação Exclusiva - RETIDE que hoje é de 80% sobre um piso salarial (vencimento básico) de R$ 800,00, passa a ser 40% de um piso salarial (vencimento básico) de R$ 2.400,00. Na prática, há um reajuste nos valores praticados hoje com a atual estrutura de carreira;

d) a isonomia salarial está plenamente assegurada entre os aposentados e os professores da ativa. A paridade salarial está assegurada no texto do Projeto de Lei e é um direito constitucional dos aposentados. Estes ainda terão a vantagem de serem todos enquadrados, para efeito de remuneração, no último nível da classe a que fizerem jus pela sua titulação à época da aposentadoria. Portanto, os aposentados não estão excluídos de nenhuma forma e a PB-PREV já assumiu que todos os seus direitos estarão assegurados;

e) Não é obrigatória a migração para a Nova Carreira. Entretanto, não há nenhum prejuízo para os docentes que não optarem pela mudança. Todos farão jus à remuneração isonômica, de acordo com a titulação e tempo de serviço, independentemente das vantagens individuais. Os que permanecerem na carreira atual terão sua remuneração equiparada aos docentes que migrarem para o Novo Plano;

f) Não há nenhum desrespeito a normas estatutárias. O Conselho Universitário da UEPB aprovou, por unanimidade, em sua última reunião, a mudança no Estatuto, com a estruturação da Nova Carreira, permitindo que a atual entre em processo de extinção. Tudo está plenamente protegido pela legalidade, moralidade, transparência, impessoalidade, publicidade e eficiência. São estes os princípios que nos regem;

g) Não há inconstitucionalidade! É lamentável que uma entidade sindical preste tamanho desserviço à população e aos seus associados, disseminando inverdades e atacando pessoas, inclusive do seu quadro de sócios, que têm compromisso e lealdade para com os interesses coletivos da comunidade e não para interesses escusos e mesquinhos de meia dúzia, que não tiveram seus desejos atendidos para práticas danosas e desrespeitosas à legalidade.

A verdade precisa ser urgentemente restabelecida!

O governador do Estado encaminhou Projeto de Lei para a Assembléia Legislativa, depois de ouvir a comunidade universitária e suas representações, sim. Vários secretários de Estado tiveram audiências com os diretores da ADUEPB, inclusive juntamente com a Reitora. O Projeto que será votado na AL já sofreu sensíveis alterações e ajustes no sentido de assegurar sua plena legalidade e implantação já a partir de 1º de janeiro de 2008.
Esta é a maior conquista da UEPB nos últimos anos.

Um professor aposentado, por exemplo, que tenha encerrado suas atividades na UEPB com título de MESTRE e em Regime de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva, tendo pelos menos 03 qüinqüênios, a exemplo de alguns que acusam nos rádios e jornais, o governo e a reitora de golpe, receberá um reajuste geral de 48% (quarenta e oito por cento) em sua remuneração. Ou seja, receberá em Janeiro R$ 7.225,00. Fato!
A verdade!

O orçamento da UEPB passou de 3% para 3,5% da Receita Ordinária em 2007. O governador do Estado autorizou o aumento no Orçamento para 2008 na ordem de 37,5% sobre o de 2007, o que representará um percentual de 4,5% da Receita Ordinária do Estado. São fatos! Os 36 milhões de reais a mais no orçamento de 2008 serão para garantir a execução dos PCCR's dos docentes e dos técnico-administrativos.

O egrégio Conselho Universitário da UEPB merece o respeito de todos os membros da comunidade, externa e interna à universidade. É o órgão máximo em matéria de deliberação da política Geral da universidade, definido em seu Estatuto. Seus membros, todos indistintamente, trazem consigo o selo da dignidade e da honradez por fazerem parte de um Conselho Superior Universitário em representação a seus pares ou da comunidade externa. Foram eleitos para cumprirem estes desígnios.

Ao acusarem a administração da UEPB e o governador do Estado de golpe, esta minoria, que não consultou as bases em seu fórum legítimo para deliberação sobre tais posicionamentos políticos, isto sim, infringe um princípio basilar da democracia. São diretores de um Sindicato, que é de todos.

A verdade urge!

Mais de 70% dos docentes em atividade nos diversos campi da UEPB já assinaram, mesmo antes de sua aprovação final, uma adesão prévia ao Novo Plano. Isto, per si, revela a profundidade do compromisso da maioria e das vantagens advindas com esta proposta, bem como o abismo que os separa de sua representação sindical.

A atual administração da UEPB mantém-se fiel aos seus compromissos históricos, sempre demonstrados na prática e publicamente expostos em sua carta-programa, quando de sua eleição em Outubro de 2004.

A tentativa inconfessável de antecipação do debate eleitoral sucessório na UEPB, não passa de manobra diversionista, verdadeiro manto, que tenta encobrir uma realidade de autonomia, democracia, crescimento, desenvolvimento, capacitação, qualificação, investimento em estrutura e, principalmente, em pessoas.

A verdade, por favor!

Campina Grande, 20 de dezembro de 2007.

Marlene Alves - Reitora

Aldo Maciel - Vice-Reitor

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

É imprescindível ter inimigos

Durante a Guerra Fria, EUA e URSS justificavam suas atitudes beligerantes pela existência de um inimigo pronto a destruí-los. Era imperativo se prevenir e quanto maior a área de influência que cada um deles possuísse melhor seria a sua força; daí as intervenções na América Latina e Caribenha, no Leste Europeu e no Vietnã, Afeganistão, Coréia, etc. Era, também, necessário investir em armamentos – que, como se sabe, produzem um alto lucro para quem os fabrica e para quem os utiliza. Porém, com o fim da Guerra Fria e a derrocada do socialismo real a geopolítica mundial mudou e os EUA tiveram que encontrar novos adversários, senão como justificar aos seus contribuintes os constantes aumentos de impostos para aplicar nos crescentes gastos militares?
O Oriente Médio ganhou o status de fornecedor por excelência de adversários, devido as suas conturbadas relações políticas, a grande quantidade de petróleo lá existente, ao fundamentalismo religioso, ao terrorismo, etc. Um grande inimigo foi Saddam Hussein que, tendo os americanos como aliados na guerra contra o Irã, resolveu depois desafiá-los. Isto não significa que ele estivesse certo – Saddam foi um ditador genocida. Mas, ele foi um inimigo útil e que bem se encaixou as necessidades americanas. Era preciso, então, satanizar Saddam e transformá-lo em o anticristo que queria acabar com a civilização ocidental. Fouad Ajami, especialista em Oriente Médio na Universidade de Jonhs Hopkins (Washigton) disse certa vez que um dos problemas foi “reconstruir Saddam, deixando-o maior do que de fato ele era e depois ter que lidar com o monstro criado através da retórica”.
É preciso filtrar os discursos. Um presidente dos EUA (democrata ou republicano, não importa) jamais justificará uma invasão pela necessidade de petróleo ou porque as indústrias bélicas norte-americanas - que financiam campanhas políticas - assim exigem. É preciso legitimar as ações perante a opinião pública. O discurso de salvar a humanidade da sanha assassina de um ditador é socialmente aceito. De fato, é preciso combater os ditadores! No entanto, na lógica das relações internacionais sempre se pondera sobre interesses e custos, antes mesmo de se considerar questões humanitárias.
Mas, Saddam morreu, e urge ter novos inimigos. Ditadores, de preferência. Temos opções: o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, ou o da Coréia do Norte, Kim Jong II; Hugo Chávez (em marcha batida para transformar a Venezuela em uma ditadura com verniz socialista). Enfim, os chamados chefes do “eixo do mal”, como prefere alcunhar Bush Jr.
Existem vários tipos de ditadores e uns servem e outros não a determinados propósitos nas relações políticas transnacionais. Vejamos o caso de Ahmadinejad. Ele reencarna muito bem o papel que Saddam encenava e é anti-semita, autoritário, histriônico, fundamentalista, homofóbico, apóia (para dizer o mínimo) atentados terroristas, defende o uso da energia nuclear, duvida da existência do holocausto – para ele, “nada mais do que uma invenção de Israel” que, inclusive, “deveria ser riscado do mapa” (SIC). Sem contar, que preside o quinto maior produtor de petróleo do mundo. Enfim, ele é a soma de todos os medos do Ocidente. O Jornal Daily News assim se dirigiu a ele: “Nossa mensagem para o louco iraniano: vá para inferno!”. Ou seja, este é um ditador que serve aos propósitos já enumerados.
E tanto serve que Wesley Clark, ex-comandante militar dos EUA, em um artigo intitulado “A próxima guerra” apontou o Irã como a intervenção seguinte a que por ora ocorre no Iraque. O terreno vem sendo engenhosamente preparado. Bush Jr. já previu um “holocausto nuclear” promovido por Teerã e o ministro das relações exteriores francês, Bernard Kouchner, afirmou que “temos que nos preparar para o pior, e o pior é a guerra”. Os países sunitas, opostos aos xiitas, tratam o Irã como uma ameaça para um (im) provável processo de paz no Oriente Médio. Alegam, com a conivência dos EUA, que Ahmadinejad arma a Al-Qaeda e a resistência iraquiana.
Os americanos insuflam a opinião pública internacional contra os aliados do Irã, alçados a condição de inimigos da nova ordem mundial globalizada: a Síria, o Hezbollah (Líbano) e o Hamas (Faixa de Gaza) acusando-os, não sem razão, de promoverem o terrorismo se não com atos, pelo menos com palavras. Não será surpresa se em breve for “descoberto” na Venezuela de Chávez, por exemplo, algum “conluio terrorista” entre Caracas, Teerã e alguma milícia de jovens dispostos a dar a vida para “destruir o grande satã” – leia-se EUA.
Justificativas para o próximo e lucrativo conflito vão sendo dadas e a melhor, quase imbatível, é a da ameaça nuclear. Se o Irã detém tecnologia suficiente para produzir armas nucleares, tanto melhor para os EUA que terão seu caminho facilitado. Caso contrário, os estrategistas militares terão de encontrar outra justificativa. Poderão, inclusive, mentir desbragadamente como já o fizeram. Hoje se sabe que o Iraque não detinha armas químicas que justificassem uma intervenção armada.
Além de Ahmadinejad, temos o presidente do Turcomenistão - Gurbanguly Berdymukhammedov. Conhecido pela repressão sistemática aos seus adversários, sua presença em solo norte-americano não foi sentida, sequer noticiado pelos jornais. Este é um ditador que não serve a nenhum propósito. Temos mundo afora ditadores em graus diferenciados de importância.
As tentativas de Ahmadinejad em se aproximar de outros países são sempre vistas com muita cautela. À exceção de Hugo Chávez, e seu fiel escudeiro Evo Morales, que cultivam relações que vai da diplomacia a criação de um fundo de US$ 1 bilhão para cooperação industrial, passando pela assinatura de acordos nas áreas energética, comercial e agrícola e até pela compra de armas e tecnologia militar. O governo brasileiro, por exemplo, reagiu de um modo glacial a proposta de Ahmadinejad de visitar o Brasil – seria temerário receber o mais novo anticristo do mundo.
Mas, nem o Itamaraty e nem o presidente Lula viram dificuldades em convidar o presidente do Cazaquistão, Nursultan Nazarbayev, para fazer uma visita oficial ao Brasil. Nazarbayev é conhecido pelas violações aos direitos humanos que seu governo pratica. Está no poder desde 1991, com uma oposição diminuta, e reformou a constituição para poder se reeleger indefinidamente. Mas, como o Cazaquistão é um país rico em petróleo, cultiva boas relações com os EUA e a Rússia e seu ditador não desafia países, o Brasil acaba de elegê-lo o seu mais novo parceiro. As favas com os pruridos democráticos! Acima de tudo estão as tais razões de Estado.
Existem até os ditadores aposentados que gozam da proteção de países poderosos. Foi, até pouco tempo atrás, o caso do ex-presidente do Peru Fugimore, que viveu por muitos anos protegido no Japão graças a uma dupla nacionalidade. E é a circunstância de Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier, um sanguinário ex-ditador do Haiti entre 1971 e 1986, que vive exilado na França. Pelas suas mãos, milhares de haitianos foram assassinados, mas a França nada fez ou faz e finge ignorar que Baby Doc articula-se para voltar ao Haiti. A zelosa comunidade internacional tomará alguma atitude? Temo que não, posto que Baby Doc não cria maiores embaraços a ONU, por exemplo.
Temos o exemplo de Mianmá que é governado por um regime militar ditatorial desde 1962. A última eleição parlamentar lá realizada foi em 1990. Foi preciso que monges budistas saíssem às ruas, e as imagens ganhassem o mundo, para que os países ricos resolvessem se pronunciar. Os EUA exigiram que o governo interrompesse a repressão das forças de segurança contra os manifestantes. Mas, a junta militar de Mianmá respondeu com o anuncio de um toque de recolher, colocando mais tropas nas ruas, aumentando a repressão. Essa é outra ditadura desimportante.
O mundo das relações políticas internacionais não é exatamente a ambiência de uma diplomacia de moral ilibada. Determinados fatos são sintomáticos pela carga de incoerência que demonstram. Enquanto os EUA demonizam o Irã e seu presidente, empresas norte-americanas abrem subsidiárias no Golfo Pérsico para poder realizarem seus negócios. Bush Jr. e Chávez atacam-se mutuamente, mas os EUA continuam sendo o maior comprado do petróleo venezuelano tendo, até, um desconto camarada de dois dólares por barril. É devido a este estado de coisas que Frank-Walter Steinmeier, ministro das Relações Exteriores da Alemanha, afirmou que “os insistentes pedidos americanos e franceses por mais sanções contra o Irã carregam um bocado de hipocrisia”.

O segredo do milagre chinês

Em seu Blog, Marcos Guterman, reproduz idéia do filósofo esloveno Slavoj Zizek e apresenta uma tese que é, no mínimo polêmica, e que merece nossa reflexão. Para ele
a China, cada vez mais capitalista, nunca se tornará uma democracia liberal.

Para Zizek, a China atual não é uma "distorção oriental despótica" do capitalismo, mas a repetição do desenvolvimento capitalista europeu na Idade Moderna. Naquela época, "as condições para o capitalismo foram criadas e sustentadas por ditaduras estatais brutais, a exemplo do que acontece hoje na China", escreve ele no site In These Times. "Assim, não há nada exótico na China. É meramente a repetição de nosso passado esquecido." Zizek afirma que aquilo que conhecemos como "democracia liberal" e "liberdade" não foram frutos do capitalismo, mas sim de lutas populares travadas ao longo do século 19.

Ele questiona também a presunção liberal segundo a qual o desenvolvimento chinês seria mais rápido se houvesse abertura política. "A China seguiu o caminho do Chile e da Coréia do Sul em sua passagem para o capitalismo, usando o poder estatal autoritário para controlar os custos sociais e assim evitar o caos", diz Zizek. "A estranha combinação de capitalismo com poder comunista provou-se uma bênção para a China. O país não se desenvolveu rapidamente a despeito da ditadura, mas por causa dela."

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Não tenho mais dúvidas. O Haiti é mesmo aqui!


Hoje o Site TERRA publicou uma foto mostrando que Soldados do Exército ocuparam o Morro da Providência, no centro do Rio de Janeiro, para fazer obras de revitalização nas moradias. Informou, também, que em março do ano passado, quando o Exército entrou pela primeira vez no morro, houve troca de tiros e um estudante morreu.


Em Maio passado publiquei um artigo em minha coluna do Paraíba Online motivado por uma foto que fora estampada no Jornal Folha de São Paulo que retratava uma cena surrealista: enquanto um grupo de moradores joga carteado tranquilamente, soldados patrulham a área em um tanque de guerra. O primeiro pensamento que tive quando vi a manchete foi: “o que poderia representar a normalidade nesta foto?” e fiquei imaginando se seria possível retirar dela um padrão de regularidade para a atual conjuntura em que vivemos?


Já o Jornal O Estado de São Paulo publicou, também hoje, a seguinte matéria:

Exército ocupa morro do centro Rio e promete ficar por um ano - General que atuou no Haiti chefia operação, que tem 'caráter social', segundo Comando Militar. Por Pedro Dantas.

Pelo menos 200 homens do Exército, incluindo muitos ex-integrantes da Missão de Paz no Haiti, ocuparam ontem o Morro da Providência, no Centro do Rio. E para ficar. O plano dos militares é permanecer um ano na favela. Comandados pelo general Williams Soares, da 9ª Brigada de Infantaria Motorizada, que também esteve no Haiti, os militares estão oficialmente encarregados de recuperar fachadas de 780 casas - umas das metas do projeto Cimento Social, do senador Marcelo Crivella (PRB), com verba do Ministério das Cidades. 'Não é uma operação para garantia da lei e da ordem', disse o chefe de Comunicação Social do Comando Militar do Leste (CML), coronel Carlos Barcelos. 'É de caráter social. Nossa tropa está aqui para dar segurança ao canteiro de obras, ao material, às instalações e ao maquinário empregados na obra.' Ontem, antes dos militares, entraram no morro 40 homens dos batalhões de Operações Especiais (Bope) e de Choque da Polícia Militar. Ao ser questionado sobre o tráfico no morro, o coronel disse que 'não há como conviver com esse tipo de ilícito', mas ressaltou que, para combater o crime, 'contamos com os órgãos responsáveis pela segurança pública'. Militares, engenheiros e moradores devem se reunir hoje para debater o projeto. Ontem, enquanto os pesados veículos do Exército eram manobrados, moradores reclamavam da ocupação da única quadra esportiva da comunidade e perguntavam se o Exército permitirá bailes funk e contratará moradores nas obras. Militares esclareceram que contratações devem ocorrer apenas no ano que vem, mas haverá uma série de ações sociais na favela. O diretor do Núcleo de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, Ronaldo Leão, avalia que a ocupação da Providência é idêntica ao trabalho do Exército na Missão de Paz da ONU. 'Como no Haiti, o Morro da Providência precisa de tudo. Bem-intencionado, o Exército acha que consertar casas pode melhorar a situação, mas o que resolverá é a absorção da comunidade pelo Estado, com a chegada do poder público com médicos, engenheiros e professores.' Leão ressalta que, assim como nas favelas do Haiti, o Exército entrou na Providência com armas pesadas e promessas de ações sociais, mas ressaltou que a topografia das favelas cariocas é diferente das do Haiti. Em maio, o coronel Cláudio Barroso Magno Filho, comandante das tropas brasileiras na Missão do Haiti, admitiu ao Estado que 'conceitos estratégicos usados naquele país são semelhantes às propostas visualizadas para o Rio, particularmente a integração das ações e dos órgãos envolvidos em todos os níveis'. 'Tudo o que fizemos aqui foi planejado para lá.' Após expulsar gangues de Cité Soleil - bairro violento de Porto Príncipe -, o Exército brasileiro investiu em ações sociais. Como distribuição de água, comida e kits escolares, perfuração de poços, asfaltamento de ruas e atendimento médico e odontológico gratuito. Na sede das tropas, 34 crianças estudam línguas e informática e têm atividades esportivas.



Quando publiquei o tal artigo, desenha um cenário sobre o estado de coisas em que vivemos. Discutia que a nossa democracia não está consolidada, pois aqueles que deveriam submeter-se ao controle civil (os militares)utilizavam-se de prerrogativas vindas do períoda da ditadura para atuar na segurança pública do Brasil. Os fatos que vemos nos jornais de hoje só demonstram isto. Infelizmente, eu estava certo!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Chávez e as duas Venezuelas

Considero que o renomado jornalista Marcos Guterman exagera (na análise abaixo) quando, figurativamente, considera que existem duas Venezuelas – uma pró e outra contra Chávez -, pois muitos dos que votaram NÂO no referendo à Constituição chavizta não deixam de serem simpáticos a muitas das ações do governo. No entanto, não posso desconsiderar o fato de que Chávez comprou recentemente 30 mil fuzis à Rússia e não os entregou ao Exército regular da Venezuela, e sim a Milícia Bolivariana, criada por ele próprio, e que tem como função "... defender a implantação do socialismo do século XXI contra ameaças". O que pretende Chávez ao armar aqueles que ele mesmo deu tantas prerrogativas?
Vejam a análise e reflitam.



Chávez e as duas Venezuelas
por Marcos Guterman, Seção: América Latina s 11:48:27.
http://blog.estadao.com.br/blog/guterman/?blog=33&page=1&disp=posts&paged=2



O presidente Hugo Chávez sofreu a primeira derrota eleitoral de sua trajetória, encerrando, ao menos por ora, seus planos de transformar-se em Duce da Venezuela. Chávez esbarrou no que restou de democracia no país, um lugar irremediavelmente dividido e envenenado pela ideologia chavista. Pode-se dizer que Chávez inebriou-se com suas próprias palavras e ações, entendendo que o referendo de ontem apenas confirmaria suas profecias acerca do futuro da Venezuela. Como todo ser que se acredita ungido, Chávez ignorou os sinais, internos e externos, que apontavam insistentemente que ele estava indo longe demais. Ele criou enorme desgaste para a imagem do país, prejudicou relações diplomáticas com vários governos e criou desconfiança nos investidores; em casa, estrangulou a economia com uma política suicida de controle de mercado em nome do "socialismo", marginalizou a oposição e abriu caminho para um clima crescente de guerra civil. Ao fim e ao cabo, o resultado das urnas confirma que há duas Venezuelas, e que elas não se reconciliarão enquanto Chávez estiver no poder.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Pretorianismo na Venezuela

Em resposta ao artigo de Bresser-Pereira o cientista político Jorge Zaverucha publicou, também na Folha de S. Paulo (5 de dezembro de 2007), este artigo defendendo que mesmo não sendo uma ditadura, a Venezuela não tem um regime democrático.

"O EX-MINISTRO Bresser-Pereira publicou na Folha (Dinheiro, pág. B2, 3/12) o artigo "Democracia na Venezuela". Defende que o "regime político existente na Venezuela é democrático". Fundamenta-se no que julga serem os requisitos essenciais de uma democracia: Estado de Direito, liberdade de pensamento e de imprensa e eleições livres.
Existem várias definições de democracia. Para todos os gostos. Escolher uma delas não é problemático. Inclusive há a tentação de achar que democracia consiste na confluência de todas as coisas boas, tal como se fez, analogamente, com o conceito de socialismo nos anos 60.
A grande divisão conceitual, como a Venezuela evidencia, gira em torno da democracia de procedimentos ("burguesa") e a democracia substantiva ("popular"). Os requisitos elencados por Bresser-Pereira em seu artigo são de caráter procedimental.
Infelizmente, ele não incluiu o controle civil sobre os militares como um desses requisitos. Tampouco explicitou a diferença entre regime e governo democrático. Regime é conceito mais amplo que governo. Envolve não apenas o aspecto eleitoral mas também a institucionalização de regras (in)formais que governam os relevantes atores políticos em todo o sistema político. Portanto, é possível existir democracia eleitoral sem que o regime seja, necessariamente, democrático.
Ao contrário de Bresser-Pereira, afirmo que a Venezuela não possui um regime democrático. Isso não significa dizer que haja uma ditadura. A própria ligação de Chávez com a democracia é instrumental. Costuma celebrar com parada o aniversário do fracassado golpe de Estado de 1992.
Vestido com uniforme militar. Difícil aceitar que haja um Estado de Direito na Venezuela. Não há segurança jurídica, dentre outros motivos, pelo fato de o vago projeto socialista bolivariano pôr em xeque a propriedade privada. Além do mais, Chávez conseguiu aumentar o número de juízes do Tribunal Supremo de Justiça de 20 para 32, garantindo sua supremacia nessa corte. Uma manobra a la Carlos Menem, ex-presidente da nossa vizinha Argentina. Chávez ganhou de um Congresso subordinado a Lei Habilitante. Por ela, o presidente pode, durante 18 meses, governar por meio de decretos emitidos com valor e força de lei.
A liberdade de pensamento, por sua vez, é matéria controversa entre os estudantes, jornalistas e intelectuais venezuelanos.
Um ponto ignorado pelo ex-ministro Bresser-Pereira foram as iniciativas de Chávez em relação aos militares. Seguindo o modelo brasileiro, o presidente venezuelano patrocinou na Constituição de 1999 a cessão às Forças Armadas do papel de manutenção da ordem interna.
Ele também retirou do Congresso o direito de decidir sobre as promoções ao generalato. Na prática, Chávez interfere nas promoções de oficiais de todas as patentes, e não apenas a partir de coronéis.
Em troca de lealdade, Chávez patrocinou uma onda de promoções, criando excedentes. Para resolver o problema, nomeou oficiais para cargos na burocracia civil ou em postos diplomáticos no exterior. Nas eleições regionais de outubro de 2004, cerca de 14 dos 22 candidatos das fileiras governistas foram militares designados por Chávez.
O presidente venezuelano criou um novo corpo de reservistas denominado Comando Nacional de Reserva e Mobilização Nacional ("milícias bolivarianas"). Embora seja um corpo civil, nasceu comandado por um general que está diretamente subordinado a Chávez.
O lema "Pátria, socialismo ou morte!" adotado pelo presidente em seus discursos foi incorporado à saudação militar. Ou seja, um subalterno, ao dirigir-se a um superior, deve proferir essa saudação, seja para solicitar permissão para falar, seja para se retirar.
Achando poucas tais medidas pretorianas, Chávez ainda quer que a nova Constituição confira poder de polícia às Forças Armadas. Algo que nossas Forças Armadas já conseguiram, por meio do decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001. E que está, segundo o governo, sendo aperfeiçoado."
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JORGE ZAVERUCHA, 51, doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). É autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: Entre o Autoritarismo e a Democracia", entre outras obras.

Democracia na Venezuela

Em 03 de Dezembro o ex-ministro LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA publicou este artigo onde sustenta que, em que pese a personalidade autoritária de Hugo Chávez, o regime político existente na Venezuela é democrático.

"NÃO ESTOU seguro se Hugo Chávez será afinal um bom ou um mau presidente da Venezuela. Político de esquerda e nacionalista dotado de personalidade forte, foi fortalecido pelo alto preço do petróleo e por várias eleições.
Indignado com a participação do governo dos Estados Unidos na tentativa de golpe que sofreu em 2002, vem fazendo críticas duras e desabridas ao presidente George W. Bush. Seus excessos de fala e seus grandes gastos em armamentos são boas razões para que muitos brasileiros discordem dele, como também seu nacionalismo, os grandes gastos que vem realizando na área social e sua coragem são razões para outros brasileiros o apoiarem.
Respeito as duas posições, mas considero absurdo o que vem fazendo a direita brasileira em relação à Venezuela e à sua candidatura ao Mercosul. Ao procurar rejeitá-la no Congresso porque a Venezuela não seria uma democracia, está confundindo personalidade autoritária com instituições autoritárias. Chávez tem uma personalidade autoritária, mas, segundo a definição que hoje existe em qualquer bom livro de teoria política, o regime político existente na Venezuela é democrático. Ali há o Estado de Direito, a liberdade de pensamento e de imprensa e eleições livres -os três requisitos essenciais de uma democracia.
Se a permissão constitucional para disputar eleições sucessivas fosse incompatível com a democracia, os Estados Unidos teriam sido uma ditadura até a Segunda Guerra Mundial. Estou escrevendo este artigo sem saber se Chávez venceu ou perdeu o referendo de ontem sobre a mudança da Constituição, mas o respectivo noticiário foi mais uma indicação de que a Venezuela é um país democrático ao mostrar a forte oposição da imprensa venezuelana conservadora.
Depois da transição democrática, a qualidade da democracia de cada país corresponde aproximadamente a seu grau de desenvolvimento econômico e social. A democracia existente na Venezuela está longe de ser a democracia ideal, como é possível ver pelas contínuas tentativas de golpe de uma oposição corrupta e aliada aos Estados Unidos que não promoveu o desenvolvimento do país e só se interessou pelas rendas do petróleo. Não é certamente uma democracia consolidada como é a brasileira, porque aqui já realizamos nossa Revolução Capitalista e contamos com uma grande classe média para garanti-la, enquanto a Venezuela, apesar de sua retórica bolivariana, talvez esteja agora realizando a sua: será bem-sucedida se neutralizar sua grave doença holandesa, industrializar o país e promover o surgimento de uma classe média.
A tese de que a Venezuela não é uma democracia porque lhe falta qualidade para tal é uma tese autoritária de direita muito semelhante à tese autoritária que a esquerda latino-americana usava nos anos 1950 e 1960 para desclassificar as democracias então existentes no continente.
Essas democracias seriam, segundo essa tese autoritária, democracias "formais", não substantivas. Argumentar contra essa tese foi fundamental na luta pela redemocratização depois de 1964. Agora, é a direita latino-americana que adota tese semelhante sob inspiração da grande imprensa do Norte -desse Norte rico que Chávez está incomodando. Ao Brasil não interessa hostilizar esse Norte, mas não interessa também a ele se subordinar."

Os esqueletos se remexem no armário - última parte

É preciso entender que esse estado de coisas e o próprio regime militar são obstáculos à melhoria das relações entre civis e militares no Brasil.
Celso Castro, pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), conduziu uma pesquisa instigante. Ele consultou vários estudiosos sobre relações civil-militar no Brasil e 88% dos entrevistados concordaram com a seguinte assertiva: "Os militares devem explicações e desculpas públicas por atos praticados durante o regime militar".
Castro levantou no CNPq 46 doutores que estudam as Forças Armadas (desses, 39 responderam a seu questionário). Isso aponta a relevância desse tipo estudo, ao contrário do que se quer crer no meio acadêmico brasileiro – 61% dos entrevistados disseram que essa temática é vista com desconfiança nas universidades. Em que pese 74% dos entrevistados terem dito que as relações civil-militar melhoraram nos últimos dez anos, 72% garantem que os militares se consideram superiores aos civis o que só dificulta o trato das questões relativas à ditadura militar.
Maria Celina D'Araújo, também pesquisadora do CPDOC/FGV, ao discutir os "modelos institucionais" das Forças Armadas, demonstra que existem "três grandes matrizes" norteadoras do comportamento dos militares: o positivismo (a idéia das Forças Armadas como um "lugar de saber"); o corporativismo e o projeto de poder da era Vargas; e o papel da caserna como um espaço de discussão política. Após a ditadura militar, e em que pese à chamada profissionalização dos militares, sobreviveu fortemente o corporativismo. O que explica a insistência da Aeronáutica em manter o controle sobre o tráfego aéreo; o fato de a Justiça Militar continuar intacta, com as mesmas funções e prerrogativas da época da ditadura; a forte intervenção do Exército nas questões de segurança pública; etc.

Voltando a tratar da solenidade de lançamento do livro, devo pontuar as presenças e as ausências. Ela foi marcada pela emoção dos parentes das vítimas e pela presença de ministros que foram perseguidos na ditadura, como Dilma Roussef e Tarso Genro. Um momento que demonstrou que as feridas não cicatrizaram foi quando Elzita Santa Cruz (uma senhora de 94 anos) pediu, chorando, a Lula que lhe permita antes de morrer enterrar seu filho desaparecido desde 1974.
Mas, as ausências foram bem mais significativas do que as presenças. Sintomaticamente, os comandantes do Exército (General Enzo M. Peri), da Marinha (Almirante Júlio Soares de M. Neto) e da Aeronáutica (Brigadeiro Juniti Saito) não compareceram. Eles foram convidados pela própria presidência da República, ou seja, deixaram de atender a um convite de seu Comandante-em-Chefe. Óbvio, a ausência foi uma das maneiras que o alto comando castrense encontrou para demonstrar o quanto os meios militares ficaram irritados não só com o livro, mas com o fato do governo ter assumido oficialmente os atos ilícitos por eles cometidos e jamais avocados.
Sugestivo foi o discurso de Nelson Jobim que, fitando o Presidente, afirmou como se estivesse enviando aos notórios ausentes uma mensagem: "Afirmo que estamos em um processo efetivo de conciliação e que as Forças Armadas brasileiras recebem este ato como absolutamente natural. Não haverá indivíduo que possa a isto reagir e, se houver, terá resposta". (Grifos meus).
Foi vexaminoso ver Jobim tentando enquadrar as Forças Armadas. Não tanto pelo discurso em si, mas pelas previsíveis conseqüências. Primeiro, os comandantes militares não se pronunciariam. Em seguida, consideraram o discurso uma "ameaça e uma afronta desnecessária" e que não havia necessidade do tom agressivo, pois a solenidade em si já era um ataque. Por fim, o Comando do Exército declarou que "todo fato histórico tem diferentes interpretações" e que a "eventual revisão da Lei da Anistia representaria um retrocesso no atual momento". E, no costumeiro tom ameaçador, arrematou: "Não há Exércitos distintos. Ao longo da história, temos sido sempre o mesmo Exército de Caxias". (Grifos meus).
Ou seja, apelando para o espírito corporativo, o que se quis demonstrar é que o mesmo Exército que lastreava a ditadura é o que assegura a democracia e, portanto, não faz sentido punir este pelos crimes cometidos por aquele. E, o que é grave, se referiu ao calcanhar de Aquiles do processo de transição: a Lei da Anistia, que atingiu a todos indistintamente.
Se isto vai ou não criar constrangimentos nas relações de Jobim com os oficiais não é a questão. Resta saber o nível da gravidade desses constrangimentos e se eles podem vir a contribuir para que o ministro da defesa seja "convidado" a sair do cargo pelas imposições castrenses, como foi possível ver nos casos dos ex-ministros José Viegas e Valdir Pires.
Em um movimento pendular, que ora cobra responsabilidades, ora afaga, e tentando não ferir as suscetibilidades castrenses, Lula afirmou que os comandantes militares não são responsáveis por atos praticados na ditadura e diplomaticamente pediu (não seria o caso de ordenar?) que caso ainda houvesse arquivos em dependências militares que estes sejam entregues ao governo.
A CEMDP afirma que, em 1993, o Ministério da Justiça recebeu relatórios das Forças Armadas tratando de mortos e desaparecidos e defende que os autores desses relatórios devem prestar depoimentos. Em março deste ano, um relatório da CI registrou que as Forças Armadas informaram "ter destruído, com base na legislação, todos os documentos das operações militares" (SIC). Mas, que legislação seria essa que autoriza a destruição de documentos se existe a lei do sigilo eterno? É temerária a demora para se abrir os arquivos, pois além dos efeitos destrutivos que só o tempo pode provocar, existem os efeitos causados pelo fogo criminoso, como foi possível ver no episódio dos documentos, encontrados nas dependências de uma base aérea da Bahia em 2004, semi-destruídos pelo fogo comprovadamente intencional.
Ainda dentro da lógica de cobranças seguidas de afagos o Secretário Nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, afirmou que não aceitaria a informação de que arquivos foram queimados. Mas, no lançamento do livro, declarou que as Forças Armadas contribuem hoje significativamente na defesa dos direitos humanos – como se não fosse ele próprio que estivesse à frente das cobranças feitas no livro.
As reclamações do Alto Comando das Forças Armadas são tamanhas. Afirmam que o livro é extemporâneo e que não traz nenhum dado novo. Consideram um acinte o seu lançamento e o fato de ser assumido como documento oficial. Apontam como falha central o fato de só considerar a versão de uma das partes envolvidas. Acusam que a única intenção dos seus autores é fomentar a "indústria da indenização de criminosos políticos".
Tentando minimizar as conseqüências de todo esse imbróglio, o governo enviou recentemente ao Congresso Nacional uma proposta para o orçamento de 2008 que aumenta de R$ 6,5 bilhões para R$ 10 bilhões os gastos com defesa. Quer agradar os militares naquilo que lhes é mais caro, além das questões salariais, óbvio.
Mas, pelo visto o gesto não serviu para acalmar os militares que retaliaram numa outra questão sensível. O Clube Militar do Rio de Janeiro entrou com um pedido de liminar no TRF/RJ para caçar a promoção do ex-guerrilheiro Carlos Lamarca e a pensão para a sua viúva. O TRF/RJ acatou o pedido e suspendeu a decisão da CEMDP que promoveu Lamarca de capitão a coronel do Exército, concedendo à sua viúva pagamento de vencimentos no valor de R$ 12.152,61 (o mesmo que recebe um general-de-brigada) e uma indenização de quase cem mil reais. Para os militares, Lamarca não passa de um desertor criminoso e não mereceria nenhuma honra militar. E a juíza responsável pelo parecer final afirmou que Lamarca não tem direito aos benefícios porque desertou da unidade do Exército onde servia e que "não foi atingido por atos de exceção consubstanciados em atos institucionais ou complementares".
Note-se que o mesmo TRF-RJ que acatou a liminar é o que, em 2004, julgou o recurso da AGU como foi demonstrado na segunda parte desse artigo.
A que se cuidar, ainda, de mais uma questão espinhosa. O problema da Lei de Anistia .
No lançamento do livro, membros do governo negavam de forma veemente que haveria algum tipo de revanchismo na iniciativa. Mas, a pretensão exata do governo não ficou clara.
Lançar um livro que aponta sem evasivas e subterfúgios as culpas dos militares, afirmando que "crimes contra a humanidade foram cometidos", significa exatamente o quê? Que militares responsáveis por torturas e desaparecimentos de presos políticos devem ir a julgamento?
Se este raciocínio é correto, poderá, em oposição, a caserna reivindicar que as ações da guerrilha (assaltos a bancos, assassinatos, seqüestros, roubos, etc) sejam igualmente tipificadas como crime e seus patrocinadores tenham que ir para o banco dos réus?A Lei da Anistia de 1979 foi uma garantia que os militares tiveram para aceitar deixar o governo ordeiramente. O processo de liberalização que nos levou de uma ditadura militar até a Nova República dependeu disso. A questão não é se se deve ou não remexer nos segredos do período militar, deixando que os esqueletos sem identificação saiam dos armários, mas se o governo e a sociedade civil estão dispostos a enfrentar o ônus de entrar em rota de colisão com aqueles que têm seus bons motivos para querer que segredos e sigilos continuem bem guardados ad indifinitu.