quarta-feira, 16 de junho de 2010

Fantasia e miséria na Copa

Mais um artigo, da série "eu não aguento mais tanta baboseira, tanta alienação, preciso escrever se não vou ficar louco...", em que nossa realidade é exposta para poucos, claro. Este artigo, de Fernando Barros e Silva, na Folha de São Paulo de hoje (16/06) demonstra tão bem porque a campanha "Cala boca, Galvão" faz tanto sucesso na internet.


O momento mais emocionante do jogo entre Brasil e Coreia do Norte, ontem, aconteceu antes que a bola rolasse. Foi durante a execução do hino do país adversário, quando as câmeras flagraram o atacante Jong Tae-se se debulhando em lágrimas. A expressão de choro permaneceu em seu rosto durante a partida. Se ele jogasse como chora, estaríamos fritos.

Medíocre, sem brilho, apático, previsível. O Brasil fez uma estreia sofrível na Copa do Mundo. Tostão e Paulo Vinícius Coelho saberão explicar mais e melhor as deficiências dessa seleção de gladiadores. Mas mesmo aí, nessa identidade de "guerreiros da pátria" que foi forjada, com a mão de Dunga, para fins de mercado, há um abismo entre o que a propaganda vende e a mercadoria que foi entregue em campo.

A culpa, claro, não é dos atletas que lá estão. Vários deles, meninos assustados, visivelmente no limite das suas capacidades. A seleção de Dunga é inimiga da fantasia. Isso torna mais flagrante, como ficou claro mais uma vez, o divórcio entre o que acontece dentro de campo e a parafernália de expectativas e entretenimento que se cria em torno dele. O business da Copa pede algo que o jogo não dá. Mas que é preciso arrancar dele ainda assim, nem que seja no gogó. E ninguém exprime melhor essa necessidade do que Galvão Bueno, dublê de locutor esportivo e animador do país. Mal termina o jogo e a Globo nos oferece uma sequência de imagens tediosamente iguais da massa espremida em praça pública e se acabando ao som de alguma música ruim país afora.

Os clichês da brasilidade então inundam a tela: é o bundalelê do cantor Latino em São Paulo, é "essa coisa gostosa nas areias de Copacabana que contagia o país inteiro", é "a chuva que não esfria o coração pernambucano". Tudo somado, é muita fantasia na TV para um espetáculo tão miserável. Ou muita miséria na TV para tão pouca fantasia em campo. Confundir tudo é a alma do negócio.

domingo, 13 de junho de 2010

Abaixo o patriotismo estulto

Neste artigo, publicado hoje (13/06/2010) na Folha de São Paulo, Clóvis Rossi expressa claramente o sentimento de quem dá-se ao direito de torcer pela Seleção Brasileira na Copa do Mundo sem abrir mão da capacidade de refletir e que rejeita esse tal patriotismo estulto a la Galvão Bueno.


Começou a Copa, começaram as nefandas cenas explícitas de "patrioteirismo". Nada contra quem gosta de exibir seu fervor a cada quatro anos. Tudo contra a obrigatoriedade de fazê-lo, induzido por um tipo de jornalismo que troca a caneta e, principalmente, o microfone pela vuvuzela. E pela propaganda que diz que só sou brasileiro se for "brahmeiro" e guerreiro.

Que faço eu aqui, que não bebo e ainda por cima sou da paz? Tão da paz que não concebo o futebol como uma guerra de afirmação de uma tribo. É muito mais que isso. É um espetáculo. E, no espetáculo (qualquer um), o fundamental é a beleza, não a cor da camisa que vestem os participantes.

Não faz sentido, para mim pelo menos, torcer para que um filme brasileiro ruim leve a Palma de Ouro em Cannes, se na competição estiver também um filme argentino dos bons (ou iraquiano, ou palestino, ou afegão, para citar apenas tribos que, estas sim, estão necessitando da dose de autoestima positiça que ganhar uma taça traz).

O Brasil, no futebol, não tem mais nada a provar a quem quer que seja. É o único território em que somos, inequivocamente, os melhores do mundo. Tão melhores que nossos jogadores melhoraram os campeonatos espanhol, inglês, francês, italiano, até turco, meu Deus, ao passo que a ausência deles vampirizou o Campeonato Brasileiro, transformado em cemitério dos elefantes e em território dos que ainda não seduziram os "gringos".

Não, não sou contra o "patrioteirismo" por achar que só vale quando e se o Brasil algum dia ganhar o mundial de saúde, educação ou equidade. Ou um Nobel. Não é uma comparação válida. O que realmente me incomoda é que, se o patriotismo é o último refúgio dos canalhas (Samuel Johnson, 1709/1784), ser obrigado a tornar-se canalha a cada quatro anos é uma canalhice.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Sete argumentos para ver a Copa do Mundo cercado por mulheres.

Certo, é machismo, chauvinismo e oportunismo. Mas, raciocinemos, pois Dunga, seus anões e Branca (Kaká) de Neve não vão nos encantar com o futebol arte de antanho - podem até serem campeões, mas com um futebol, literalmente, para europeu ver. Jogar respeitando a história do futebol que temos e para nos dar prazer? Impossível, a burocracia dunguista não permite. Hoje, a moda é esse futebolzinho medíocre de resultados. Aliás, para quem viu (eu vi) a seleção de 82 jogar, pedir futebol arte a esse pessoal é inútil.


E não falo das pedaladas de Robinho, do jogo insípido de Kaká e nem dos gols óbvios de Luiz Fabiano – o resto não merece comentários, aliás, o que esperar de um time cujo melhor jogador é o goleiro? Falo, de um meio-campo que tinha Cerezo, Falcão, Zico e Sócrates (meu Deus!), apoiado por Leandro e Júnior, laterais ofensivos, diria letais. E aquela defesa que, com Oscar e Luisinho, saía tocando a bola e só dava chutão prá frente em último caso. Certo, Valdir Peres era um goleiro mediano, mas existe perfeição? E, de quebra, tinha Serginho Chulapa, centroavante eficiente, e Éder, com aquele canhão no pé lembrando a patada atômica de Rivelino. Dasayev, goleiro da URSS, siquer viu aquela bola que Falcão deixou passar e Éder mandou ver.


Já que “se não tem tú, vai tú mesmo”, como se dizia, pois é fato que não temos mais artistas da bola. Se tiver, eu vos imploro, me digam qual ou quais. E não vale “artista” fabricado em campo de grama artificial, pré-aposentado, guerreiro e/ou “brahmeiro”, obeso, alcoólatra, envolvido com traficantes e que freqüenta baile funk, que gosta de fazer “programinha diferenciado”, garoto propaganda de qualquer coisa, jogador-pagodeiro-evangelizado, enfim, não vale....


Então, o que mais nos resta? Como diria aquela petista aloprada, relaxar e gozar. Daí, que vem a calhar os argumentos de porque é bem melhor assistir aos jogos da Copa do Mundo cercado de mulheres. Eu, pelo menos, estarei cercado de três das mais belas: minhas duas filhas e minha esposa, que entende de futebol mais do que muito marmanjo por aí. Lembro, apenas, que não fui eu quem os criou, peguei-os em um site e fiz alguns retoques.


Elas curtem Copa do mundo - Por mais que odeiem o futebol, tudo muda de quatro em quatro anos. Muitas não torcem por time algum, mas na Copa torcem pelo Brasil e passam a entender dos meandros do futebol como se assistissem todas as mesas redondas, inclusive a de Milton Neves, sobre futebol que passam na TV no domingo a noite.


Elas entram no clima do jogo - Decoram o ambiente com bandeirinhas, bolas, faixas e qualquer outro adereço verde e amarelo. Querem camisas, pintura de rosto e de unhas e tudo mais que mostre um jeito de torcer com estilo. Claro, quando acaba a Copa vai tudo pro lixo e não queira guardar aquela bandeirinha de lembrança só porque o Brasil foi campeão. Ao contrário, de nós homens, as mulheres não se emocionam com o futebol, são de uma objetividade odiosa, daí que eu acho que Dunga tem a alma feminina – vai ser objetivo assim lá na Alemanha.


Na Copa, elas aceitam quase tudo – No dia-a-dia, quando nosso time joga, elas reclamam dos palavrões, passando pela cerveja, até o fato de “não passar nada que preste na TV, só futebol”. Mas, na Copa, podemos gritar e tomar todas; xingar o juiz e sua genitora; proferir os palavrões mais escabrosos (de corar Wanderley Luxemburgo e Felipão); fazer macumba contra a Argentina, preferencialmente. Isso tudo faz parte do clima da copa. Então, porque perder a chance? Aproveite, é só de quatro em quatro anos. Lembre que já fomos a todas as copas, já os coitados dos eslovenos, que vão pela segunda vez, não fazem nada disso.


Você vai poder dar aquela aula de futebol – Elas não querem saber da escalação do Flamengo naquele jogo, em 1979, contra o Vasco, em que Roberto Dinamite saiu machucado no 1° tempo e Zico fez um gol de falta aos 43 do 2º tempo. A escalação de seu time quando ele foi tri-campeão estadual é desdenhada por sua amada. Agora, você vai deixar sua garota impressionada por saber que Ryan Nelsen é o único jogador da Nova Zelândia a atuar na Europa; que o meio-campo da Eslovênia tem Strba, Kopunek, Hamsik e Weiss; que Gana é a única seleção que joga com um esquema 4-5-1. Imagine a admiração de sua digníssima ao ouvir você citar a escalação da Coréia do Norte, nosso primeiro adversário na Copa. E a alegria dela em te acompanhar para ver Costa do Marfim X Portugal, compreendendo que você precisa analisar nossos adversários da 1ª fase! Aproveite para dizer tudo aquilo que você sempre quis, mas ela nunca lhe deu ouvidos, mas seja rápido, pois a Copa dura apenas um mísero mês.


Elas fazem os preparativos para os jogos – Cervejas compradas no mercadinho da esquina? Nem pensar! Pacotinhos de oleosas batatas fritas? Deixe que o time de Dunga é quem vai fazer seu colesterol subir. Só na Copa elas fazem festa por causa do futebol. São sandubas, cervejas, caipirinha de saquê, vinho, acepipes em cumbuquinhas verdes e amarelas, pode até rolar um churrasco antes e depois do jogo, nunca durante. Na Copa do Mundo de 2002 teve jogo passando na TV bem cedo, por causa do fuso horário – foram os melhores cafés da manhã que tive em minha vida. Você não vai perder uma dessas, vai?


Elas não bancam o torcedor-técnico – Se sua cara-metade passa o jogo mexendo na escalação e no esquema tático, além de narrá-lo, tenho pena de ti, pois as mulheres não querem saber o como e o porquê, querem ver gol para gritar e te abraçar. Dane-se se Pato, Ganso e Neymar ficaram de fora. Apenas, recomenda-se desligar os celulares, vai que uma amiga, daquelas que não sabe que existe Copa do Mundo, liga na hora do jogo para colocar a conversa em dia!


E se todos os argumentos acima não te convenceram, tenho um demolidor, a não ser que você ..., enfim... a não ser que você tenha outros gostos.


Você estará cercado do que mais gosta: mulher, cerveja e futebol. Certo, caí no estereótipo. Mas, porque desprezar este trio? Se o item número 1 está, temporariamente, aprovando os itens 2 e 3, vamos lá, aproveite, é só de quatro em quatro anos, mesmo que tenhamos que torcer por Dunga e seus anões. Apesar de que poderia ser pior, já pensou ter que torcer por Dom Diego Armando Maradona e seus chiquititos?

Junho/2010.

domingo, 6 de junho de 2010

Gargalos da lulocracia – Parte II

Depois de Cuba, Lula foi ao Oriente Médio se oferecer mediador da secular crise entre judeus e palestinos. Megalomanias a parte, o Brasil ainda não ocupa tão importante espaço no cenário geopolítico mundial para interferir em situação tão complexa. Coincidência ou não, os históricos inimigos recusaram a ajuda. O 1º ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, não se deu ao trabalho de agradecer e avisou que “não queremos mediação nenhuma, o conflito tem que ser resolvido entre israelenses e palestinos”. Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Palestina, disse que “não há necessidade de mais intermediários, já há bastante”.


A comunidade internacional deve desconfiar de alguém que, ao tempo em que se coloca como negociador da paz defende ditadores que prendem e matam. É estranho que Lula tenha chamado os iranianos, manifestantes contra a fraude que reconduziu Ahmadinejad a seu cargo, de (SIC) “torcida de time perdedor”, sabendo que podem ser presos e até executados sumariamente.


Não basta que Lula desfile pelos fóruns internacionais opinando sobre partidos e correntes políticas de outros países, sobre conflitos localizados entre nações, sobre o que dizem outros presidentes ou qualquer outra coisa que lhe venha à mente, inclusive suas costumeiras bravatas. Se está decidido a ser um líder internacional que se posicione sobre questões relevantes para a humanidade, como os direitos humanos. O que se espera de alguém que pleiteia o cargo de Secretário Geral da ONU são ações e declarações concretas, como a tácita rejeição ao uso da energia nuclear para fins não-pacíficos.


É preciso condenar países que desrespeitam os direitos humanos. Não se pode silenciar diante de denúncias para não contrariar aliados em uma condução a um cargo internacional. Cortejar chefes de Estados autoritários que querem produzir armas nucleares letais ou que provocam genocídios em seus países, como o sudanês Omar Al Bashir (sobre quem pesa um pedido de prisão internacional pelo envolvimento no conflito de Darfur - oeste do Sudão, onde a ONU conta 300.000 mortos desde 2003), desfigura Lula em sua cruzada internacional e reforça a imagem que muitos têm do Brasil, cultivada não sem razão, de uma republiqueta de bananas.


Mesmo o Brasil não tendo estatura moral para falar em desrespeito aos direitos humanos, seu presidente não pode ficar por aí afagando ditadores. O fato é que direitos humanos deve ser tema prioritário na agenda de qualquer país. Por que o Brasil não usa seu status de potência emergente, que se dirige ao FMI não mais para pedir dinheiro emprestado e sim para ser seu credor, para forçar o avanço da pauta dos direitos humanos nos foros internacionais que tem assento? Brevemente, teremos oportunidade ímpar. Acontecerá em Uganda a primeira reunião de revisão do estatuto do Tribunal Penal Internacional. É o momento de se promover o Sistema de Justiça Internacional e persuadir China e Estados Unidos a participarem deste tribunal.


A divisão dos poderes é um dos sustentáculos das democracias contemporâneas. O sistema de freios e contrapesos prevê que os poderes limitem-se uns aos outros por normas e práticas. Prova da debilidade de nossa democracia é este sistema presidencialista acima de todos (os outros poderes) e de tudo. Um super-presidente, que com seus tentáculos institucionais ou não, se coloca acima do bem e do mal e que pensa poder fazer e dizer o que bem quiser é algo ruim para a democracia, não a fortalece, pois essa forma de agir exclui a participação política da nação, algo que é o próprio oxigênio da democracia. Tristemente, não temos um sistema dotado de mecanismo que tolham, de forma eficiente, ações voluntariosas, arbitrárias e imprevistas dos governantes


A legalidade de uma escolha eleitoral, não legitima o governante a fazer o que bem quiser. Ser eleito, e reeleito, e dispor de vultosa popularidade não dão ao presidente Lula estofo para fazer o que aqui foi descrito. Presidentes e líderes são queridos pelo seu povo quando ativos, em perspectiva histórica isso pode mudar. Inebriado com o personagem - Presidente Lula - que criou, Luis Inácio tem confundido o papel do presidente com o de um super-herói que tudo pode menos errar. Ao julgar o que é certo e errado unilateralmente, Lula perde a percepção do justo e do injusto, do ético e do antiético, do que pode e do que não pode ser dito. Infelizmente, o que Lula parece mesmo ter perdido foi seus princípios.


Postscriptum

Acabo este artigo e vejo o Brasil colidindo com o Conselho de Segurança da ONU por causa do acordo que mediou com Irã e Turquia. Dos 15 países com assentos permanentes ou rotativos no Conselho, só 3 discordam das sanções propostas contra o Irã: Brasil, Turquia e Líbano.


Como se sabe, foi acordado que o Irã enriquecerá (a 20%) parte do seu urânio e o enviará para a Turquia que devolverá para uso civil. Qual a garantia que, com ou sem sanções, o Irã não acabará fabricando a bomba atômica? Se Ahmadinejad enriquecer o urânio, que não enviou aos turcos, para fazer bombas atômicas, qual será a responsabilidade do Brasil? Tendo sido signatário do acordo, não poderá, para o bem e para o mal, ficar neutro. Terá suas responsabilidades a assumir, mesmo não tendo sido lhe dado o papel de fiador, i.e., o Brasil não se colocou como indenizador, a um possível lesado, caso uma das partes descumpra o acordo ou parte dele.


Seria melhor ficar a favor das sanções (que prevêem o controle de financiamentos e transações bancárias e a venda e trânsito de armas) articuladas no Conselho de Segurança, considerando que Ahmadinejad não é confiável perante a opinião pública internacional já que, por exemplo, nega o holocausto. Na pior das hipóteses, a neutralidade seria uma postura mais interessante na medida em que não reforçaria a postura, questionável, dos EUA e nem as atitudes desse ditador tresloucado. Concordo com Maristela Basso, professora de Direito Internacional da USP, que afirmou que “se não somos otomanos nem enriquecemos o urânio persa, não passamos de pato nessa história”.


É bom lembrar que sanções existem para se ganhar tempo e não para invadir um país, mas podem ser o motivo que o governo iraniano precisa para aprofundar as pesquisas nucleares.O que busca o governo brasileiro nestas negociações? Protagonismo internacional, claro, e uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Como afirmei, Lula está em campanha para conseguir aquilo que FHC tentou e não logrou êxito – o cargo de secretário geral da ONU.


Não é ilegítimo o Brasil reivindicar esse reposicionamento em nível internacional, mas tinha que ser ao custo de uma cartada tão alta? Enquanto quase todo mundo quer um definitivo controle do uso da energia nuclear e banir de vez sua utilização atômica, o Irã faz ouvidos de mercador e o Brasil tem duas alternativas: uma, capitalizar para sim os holofotes e a outra, isolar-se. Espero, torço, pela primeira. Mas, acho inverossímil que o Brasil conquiste uma posição de destaque internacionalmente fazendo proselitismo político.

Maio-Junho/2010.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Gargalos da lulocracia – Parte I.

Após ungir Dilma Rousseff candidata e compará-la a Nelson Mandela; depois das metáforas futebolísticas e de louvar o modo como Delfim Neto conduzia a economia na ditadura militar, além de elogiar o governo Geisel; após aliar-se com Sarney, Collor e et caterva, de afirmar que desconhecia o mensalão e que nunca foi de esquerda, o que mais falta a Lula dizer e fazer?


Ele tem uma popularidade sempre em alta, nunca em queda. Sua administração é muito bem avaliada; veja-se que na pesquisa CNT/SENSUS de 17/05 passado, 76,1% dos entrevistados aprovaram seu governo. E não desconsideremos que estamos no último ano do segundo mandato, onde certa exaustão de governantes e governados é natural. E persiste a aclamação da opinião pública internacional em torno da pessoa do presidente. Para muitos, ele ainda “é o cara”. Pessoalmente, desconfio que Obama nunca pensou isso, ironizava quando fez a graciosa afirmação.


No entanto, Lula segue ignorando as regras da boa convivência, agindo por ter plena convicção de que “nunca na história desse país, um presidente ...”. Como ele extrapola o bom senso com suas peripécias mundo afora, temo que chegue a negar a existência do Holocausto, para agradar o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, e abjurar crimes históricos, cometidos em nome do socialismo, para acariciar os irmãos Castro, Hugo Chávez e sua camarilha bolivariana.


Lula não entende que, quando fala, expressa, além de sua opinião, a de um Chefe de Estado representante de princípios, opiniões e interesses de uma nação. Como afirmou Eliane Cantanhêde, na Folha de São Paulo, “(...) coloca sua popularidade a favor de más ideias e de péssimos atos”.


Sobre a problemática dos presos políticos de Cuba, nosso presidente teve uma postura oportunista. Alegando que é preciso “respeitar a determinação da Justiça e do governo cubanos de deter as pessoas em função da legislação de Cuba”, ele recorreu a um tipo de formalismo útil apenas a quem se pretende neutro. Pior, foi desdenhar dos que faziam greve de fome, comparando-os a criminosos comuns do Brasil. Mais, ter-se deixado filmar e fotografar, entre sorrisos e abraços, ao lado de Fidel e Raúl Castro no dia do falecimento do dissidente Orlando Zapata (que fazia greve de fome) denotou glacial insensibilidade.


E para aumentar nossa vergonha e irritação, ainda teve a estulta “justificativa” de Marco Aurélio Garcia, assessor de política externa da presidência da República, que disse: “violações dos direitos do homem existem por todo lado no mundo“. Idêntica racionalização faz o corrupto que diz roubar porque todos assim o fazem. Se todos são iguais na violação dos direitos humanos, então ninguém critica ninguém. Certo? Absolutamente errado, pois assim sólidas democracias vão ser niveladas ao nível de anacrônicas ditaduras.


Tudo isso revela um posicionamento. Do contrário, Lula teria recebido um grupo de dissidentes que pretendiam entregar-lhe um documento e obter uma manifestação de simpatia às mudanças democráticas no regime cubano. Foi como se Lula quisesse revelar ao mundo, e a nós brasileiros, seus pendores pretorianos – parecia querer avisar ou lembrar algo. Não creio que ele faria tamanha asneira se não tivesse um propósito bem estabelecido. Não combina com seu astuto perfil de político e ex-sindicalista.


Para se ter uma idéia do ultraje, a Anistia Internacional acusou o silêncio brasileiro em relação à forma contumaz como o governo cubano desrespeita os direitos de seus dissidentes. O comunicado dizia que “(...) direitos humanos são universais e indivisíveis. Se o Brasil quer ter um papel maior no cenário internacional, deveria mostrar um nível maior de integridade em relação aos direitos humanos”. Já Kerrie Howard, vice-diretora da Anistia para as Américas, vaticinou que “não se pode criticar a questão dos direitos humanos apenas quando é conveniente”. Referia-se ao fato de que a diplomacia brasileira tem-se calado, em fóruns internacionais, sobre violações aos direitos humanos promovidas pelos governos do Irã, Coréia do Norte, Sudão e, claro, Cuba.


E não esqueçamos que o Brasil ainda sentará no banco dos réus da Corte Interamericana de Direitos Humanos por teimar em descumprir as recomendações, de 2008, de punir os responsáveis pelos casos de prisão indevida, tortura e desaparecimento durante a ditadura militar e por se recusar a rever a Lei da Anistia. O Brasil pode ser condenado, internacionalmente, a não mais usar a Lei da Anistia como argumento para não punir acusados de crimes contra a humanidade. Os governos do Chile e Peru abandonaram suas leis de anistia depois de serem condenados na Corte de Costa Rica.


Aliás, é de se perguntar em que o Brasil se fia para não rever (ou passar a limpo) seu passado autoritário, pois países com situações democráticas tão frágeis quanto a nossa deram passos importantes neste sentido. Veja-se que o Peru condenou seu ex-presidente, Alberto Fujimori, por crimes contra a humanidade e que a Argentina sentenciou seu último presidente militar, Reynaldo Bignone, por sequestro e tortura. Já no Camboja, o camarada Duch, líder do sanguinário Khmer Vermelho, teve que responder por crimes contra a humanidade, cometidos há mais de 30 anos.


Como demonstra o último relatório da Anistia Internacional, divulgado dias atrás em Londres, quando o tema é direitos humanos o Brasil é reconhecido pela pertinácia como não os respeita. O relatório, que tem 2009 como ano-base, traz um rol sem fim de vítimas de tortura e de execuções por policiais, de chacinas e linchamentos, superlotação de presídios, populações faveladas à mercê do tráfico e/ou de milícias, assassinatos nas cidades e trabalho escravo no campo. São ocorrências degradantes, desumanas, cruéis e que devem envergonhar os que valorizam os direitos humanos. A Anistia citou, ainda, dois casos acontecidos já em 2010 como emblemáticos. Um, os casos dos motoboys espancados até a morte por PMs paulistas. Outro, o julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por 7 a 2 que não cabe alterar a Lei da Anistia para julgar os torturadores da ditadura.


O ministro Carlos Ayres Britto (um dos dois votos vencidos) disse que: “diante do monstro que é o torturador, não se pode ter condescendência”. O que a Anistia pondera é que o Brasil é sim complacente para com o torturador; que transige para com aqueles que cometeram crimes contra a humanidade, pior, anui que eles continuem livremente a atuar em órgãos públicos. O mais grave foi que o STF referendou a vigência da Lei da Anistia desconsiderando o fato de que ela é incompatível com a Constituição Federal. Ao conciliar Estado democrático de direito e tortura, conseguiu uma proeza digna de ser registrada nos anais do direito internacional.


Demonstrativo, ainda, desse estado de coisas é a forma como o governo tratou o 3º Plano Nacional dos Direitos Humanos ao lançá-lo com temas complexos e defendendo a aprovação de 27 leis. Lula mandou recolhe-lo para que fosse alterado. O estorvo foi que o Plano previa a criação da Comissão Nacional da Verdade (existente em países da América Latina que, como o Brasil, enfrentaram ditaduras) para investigar atos cometidos durante o regime militar. A caserna estrilou, os comandantes das Forças Armadas ameaçaram demissão coletiva e o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, bastante solícito aos seus subordinados, pediu mudanças - no que foi prontamente atendido. Interessa assinalar a presteza com que os governos atendem solicitações do alto comando das Forças Armadas, prova que o fim da ditadura não acabou com as prerrogativas que os militares foram adquirindo ao longo do tempo.


O alarido dos quartéis girava em torno da frase que justificava a criação da tal Comissão. A versão original diz que ela deve apurar violações de direitos humanos “praticadas no contexto da repressão política”. Uma nova versão traz que investigará atos “praticadas no contexto de conflitos políticos”. Por quê? Para que a Comissão possa investigar além de militares, militantes da esquerda que lutaram contra a ditadura. Puro revanchismo, pois o ataque ainda parece ser a melhor defesa.


Lula pediu publicamente a Paulo Vannuchi, secretário de Direitos Humanos, para não centrar-se nas questões da ditadura. Também interessa pontuar como o governo destrata os problemas advindos de nosso passado autoritário. E pediu uma solução negociada entre as partes, de um lado Nelson Jobim que defende o esquecimento, via manutenção da Lei da Anistia, e de outro Vannuchi, querendo lembrar, justamente através da revisão da Lei da Anistia. Lula deveria escolher um lado, enquadrá-lo, e dar plenos poderes para o outro agir, no entanto, prefere contemporizar – quer ficar bem com todos, termina por desagradar a ambos com sua ambivalência contumaz.


Continua em Breve...