quarta-feira, 21 de junho de 2017

Devolvam o meu São João


Em “Homenagem ao Malandro” Chico Buarque diz: “Eu fui fazer um samba em homenagem/ À nata da malandragem/ Que conheço de outros carnavais/ Eu fui à Lapa e perdi a viagem/ Que aquela tal malandragem/ Não existe mais”. Chico fala de como o capitalismo mudou o Rio de Janeiro.

Fui ao Parque do Povo, que conheço de outros São Joões, e perdi a viagem, pois aquele tal forró não existe mais. Eu fui ao Parque do Povo e sai de lá triste, pois não temos mais o “São João” e nem o “Forródromo”! O parque não mais pertence ao povo. A Prefeitura Municipal de Campina Grande vendeu, alugou, terceirizou ou seja lá qual foi a transação que permitiu que uma empresa montasse uma casa de shows fechada no lugar do arraial que tínhamos. Isso é muito grave! O São João é patrimônio imaterial do povo brasileiro. Ninguém pode adulterá-lo dessa forma arrogante visando unicamente atender interesses particulares.

Um amigo me enviou este cartaz com os eventos juninos da antiga casa de shows “Forrock” que havia em Campina Grande. No “Forrock” assisti shows memoráveis de Elba Ramalha, Zé Ramalho, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Fagner, Gal Costa. Teve um show inesquecível de Ray Conniff e The Platters e teve dois shows de Chico Buarque – um deles foi em 1989 quando votamos para presidente pela primeira vez depois da Ditadura Militar.

Quando vejo este cartaz com shows que já tivemos o que é tristeza se torna raiva, indignação. Revolto-me em saber que já tivemos Alceu Valença, Genival Lacerda, Assisão, Sivuca, Alcimar Monteiro, Flavio José, Luiz Gonzaga e Gonzaguinha, Nando Cordel, Zé Calixto, Abdias e que hoje nos resta o lixo expelido pelo mercado da música. Sempre se poderá dizer que muitos desses já morreram. Mas, aqui falo bem mais da tradição e da cultura do que de nomes específicos.

Alcymar Monteiro, um herói da resistência forrozeira, disse que a música da sertaneja Marília Mendonça é “breganejo e porcaria”. É que Elba Ramalho, Chambinho do Acordeon e Joquinha Gonzaga lançaram a campanha “Devolva meu São João” criticando as festas juninas terem muito mais música sertaneja do que forró pé-de-serra. Marília Mendonça provocou a campanha num show em Caruaru dizendo que “vai ter sertanejo porque o povo quer”.

Alcymar lembrou que nordestinos sentem uma dor imensa pelos crimes que fazem com nossa cultura, como uma pornográfica versão de Asa Branca feita por um funkeiro. Se nossos forrozeiros não são chamados para cantar na “Festa do Peão de Barretos” porque deveríamos trazer a tal da “sofrência” para cá? Mas, o alvo das criticas não deve ser apenas os cantores sertanejos, mas sim quem os contrata. As prefeituras de tantas cidades nordestinas abusam do expediente de contratar atrações “da moda” sob a fajuta tese de que o “povo gosta”. E aqui entramos na seara da relação promiscua entre prefeituras e as tais “bandas de forró”.

Eu vivi a época do “Forrock” e ela foi muito boa! Bem vivi o tempo em que o “Forródromo” era um grande arraial. Íamos para o Parque do Povo, que era de fato do povo não de uma empresa que determina até o que se bebe e se come, para dançar forró, para nos divertirmos, para “brincar o São João” como diziam os mais velhos.


Tinha festa junina em vários locais da cidade, não havia essa centralização autoritária em torno de um evento fechado. Não tinha essa fuleiragem de “palco 360°” que não gira ou de cerca em volta do “Forródromo” como se fôssemos gado num curral. Nessa época padre não era celebridade e não fazia shows midiáticos disfarçados de romaria. Não havia inúmeras duplas sertanejas poluindo o ar com suas vozes insuportavelmente estridentes. Também não tinha funkeiros, cantores safados e safadões falando putaria a noite inteira.


Enfim, eu sou do tempo que tinha São João. Eu sou do tempo que nossa cultura e tradições eram respeitadas pelo poder público e que os prefeitos de Campina Grande não ousavam passar por cima da "autoridade" de Santo Antônio, São João e São Pedro. Por isso é que grito a plenos pulmões: “DEVOLVAM MEU SÃO JOÃO!”.