quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Afinal, para onde devemos olhar?

Na Folha de São Paulo de hoje, 03 de fevereiro/2010, artigo do Presidente da OAB/RJ elenca critérios e argumentos para que a Campanha pela Memória e pela Verdade se materialize na sociedade brasileira com a abertura dos arquivos militares. Wadih Damous lembra que é preciso olhar para a frente e eu lembro que é preciso olhar para trás, pois é olhando para trás que agente aprende andar para frente. Na verdade, se queremos ter uma democracia consolidada, devemos olhar para todos os lados.

É preciso olhar para a frente
WADIH DAMOUS

A OAB do Rio vai lançar a Campanha pela Memória
e pela Verdade, o que inclui a defesa da abertura
dos arquivos da ditadura militar
A SECCIONAL da OAB no Estado do Rio vai lançar nos próximos dias a Campanha pela Memória e pela Verdade, o que inclui a defesa da abertura dos arquivos da repressão política na ditadura militar.

As razões que justificam a campanha são muitas. Há, em primeiro lugar, razões humanitárias. A mais evidente delas diz respeito ao elementar direito das famílias de desaparecidos políticos de dar-lhes uma sepultura. Aliás, esse direito é recorrente na história da humanidade. Provavelmente, a primeira menção a ele se dá na "Ilíada", de Homero (século 8 a.C.), que nos fala de interrupções nos combates na Guerra de Troia para que os exércitos homenageassem seus mortos e enterrassem seus corpos. Séculos depois, Sófocles tratou do tema em sua peça "Antígona", encenada na Grécia em 422 a.C., como bem lembrou Marcello Cerqueira em recente artigo na edição de dezembro de 2009 da "Folha do IAB" (Instituto dos Advogados Brasileiros).


Assim, desde que a humanidade se reconhece como tal, é respeitado o direito das famílias de enterrar seus mortos. É o que faz, aliás, Antígona, na citada peça de Sófocles. Ela cavou com as próprias mãos a sepultura do irmão Polinices e pagou com a vida o desafio às ordens de Creonte, rei de Tebas. Polinices fora condenado à morte e a não ter direito a uma sepultura, para que seu corpo ficasse à disposição de cães e aves de rapina. Ele -a exemplo do que se repetiria com outros personagens até nossos tempos- desafiara o déspota de então.


No Brasil, conhecem-se casos de mães que, durante décadas, recusaram-se a mudar de endereço ou a trocar a fechadura da porta de casa, na esperança de que um filho preso um dia reaparecesse. Sabe-se de muitos natais em que famílias prepararam a ceia deixando uma cadeira vaga na mesa, enquanto esperavam, em vão, o retorno de um ente querido para festejar a data com os seus.


Conhecer o destino dos desaparecidos políticos, saber em que circunstâncias morreram, quem os assassinou e a mando de quem é um direito das famílias. Tanto quanto dar-lhes uma sepultura digna. Tal como quis Antígona para seu irmão Polinices.


Mas não só razões humanitárias exigem a abertura dos arquivos da repressão política. Os que se opõem a ela e propugnam que se ponha uma pedra sobre o assunto lembram a necessidade de olhar para o futuro, e não para o passado. É argumento de peso. Afinal, o ressentimento é, sempre, mau conselheiro. Na vida pessoal e na política.


Mas justamente a necessidade de construir um futuro democrático é que torna necessário o conhecimento dos horrores acontecidos durante a ditadura. Mesmo que isso signifique submeter a sociedade a um verdadeiro choque e desagradar aos militares. Arrastar o lixo para baixo do tapete só fará com que ele possa ressurgir mais tarde. Já a luz do Sol sobre o acontecido fará com que se criem anticorpos, impedindo a repetição da barbárie.


O golpe de 1964 é, até hoje, cultuado nos quartéis. Chegou-se ao ponto de, no primeiro governo Lula, um ministro da Defesa demitir-se por não obter apoio do presidente ao questionar uma ordem do dia, lida nos quartéis, de exaltação à ditadura. Ora, não é assunto exclusivo das Forças Armadas o tipo de formação ministrada aos nossos jovens que se dedicam à carreira militar. Ao contrário, essa questão é de interesse da sociedade. Não é aceitável que novas gerações de militares sejam formadas com mentalidade antidemocrática.


As Forças Armadas devem ser doutrinadas e preparadas para defender a Constituição e o Estado de Direito. Também para isso é importante a abertura dos arquivos. Ela trará para o centro da reflexão o papel desempenhado pelas Forças Armadas na ditadura e sua herança até hoje. É mais fácil defender o direito à memória e a abertura dos arquivos da repressão esquivando-se do conflito com as Forças Armadas e afirmando que elas não participaram, como instituição, de torturas e assassinatos.


Mas isso é falso. Ainda que torturadores e assassinos tenham sido ínfima minoria dentre os militares, eles não agiram à revelia do comando. Suas ações tiveram o aval dos chefes das Forças Armadas e da ditadura. É por isso que, hoje, o espírito de corpo se faz presente quando se fala em trazer luz sobre o que aconteceu ou em punir executores diretos dos crimes. Vivemos, então, uma situação "sui generis". Quase 25 anos depois de passarmos a um regime civil, os militares ainda se arvoram no direito de determinar os limites até onde podem ir a democracia e o conhecimento de nossa história recente. Por isso também, abrir os arquivos é essencial para quem quer construir um Brasil melhor. Isso é o que se recomenda para quem olha para a frente. Daí a Campanha pela Memória e pela Verdade.

Como Combater a Arrogância

Pessoalmente, penso que todos nós que fazemos a academia brasileira deveríamos parar um momento de nossas atividades para lermos coletivamente esse artigo de Stephen Kanitz, publicado já algum tempo na Revista Veja (edição 2036, ano 40, nº 47, 28 de novembro de 2007, página 22). Lendo-o me dei conta que a maioria de meus colegas se recusam a adicionar seus endereços de e-mails em suas publicações e lembrei que já fui criticado por fazê-lo.


"Muitos leitores perguntaram ao longo deste mês qual era a minha agenda oculta. Meus textos são normalmente transparentes, sou pró-família, pró-futura geração, pró-eficiência, pró-solidariedade humana e responsabilidade social. Mas, como todo escritor, tenho também uma agenda mais ou menos oculta. Sempre que posso dou uma alfinetada nas pessoas e nos profissionais arrogantes e prepotentes. É a reclamação mais freqüente de quem já discutiu com esses tecnocratas. Uma vez no governo, parece que ninguém mais ouve. Eles confundem ser donos do poder com ser donos da verdade. Fora do governo, continuam não ouvindo e, quando escrevem em revistas e jornais, é sempre o mesmo artigo: "Juro que eu nunca errei". Toda nossa educação "superior" é voltada para falar coisas "certas". Você só entra na faculdade se tiver as respostas "certas". Você só passa de ano se estiver "certo".


Aqueles com mestrado e Ph.D. acham equivocadamente que foram ungidos pela certeza infalível. Nosso sistema de ensino valoriza mais a certeza do que a dúvida. Valoriza mais os arrogantes do que os cientificamente humildes. É fácil identificar essas pessoas, elas jamais colocam seus e-mails ou endereços nos artigos e livros que escrevem. Para quê, se vocês, leitores, nada têm a contribuir? Elas nunca leram Karl Popper a mostrar que não existem verdades absolutas, somente hipóteses ainda não refutadas por alguém. Pessoalmente, não leio artigos de quem omite seu endereço ou e-mail. É perda de tempo. Se elas não ouvem ninguém, por que eu deveria ouvi-las ou lê-las? Todos nós deveríamos solenemente ignorá-las, até elas se tornarem mais humildes e menos arrogantes. Como não divulgam seus e-mails, ninguém contesta a prepotência de certas coisas que escrevem, o que aumenta ainda mais a arrogância dessas pessoas.


O ensino inglês e o americano privilegiam o feedback, termo que ainda não criamos em nossa língua – a obrigação de reagir à arrogância e à prepotência dos outros. Alguém precisa traduzir bullshit, que é dito na lata, sempre que alguém fala uma grande asneira. Recentemente, cinco famosos economistas brasileiros escreveram artigos diferentes, repetindo uma insolente frase de Keynes, afirmando que todos os empresários são "imbuídos de espírito animal". Se esse insulto fosse usado para caracterizar mulheres, todos estariam hoje execrados ou banidos. "A proverbial arrogância de Larry Summers", escreveu na semana passada Claudio de Moura e Castro, "lhe custou a presidência de Harvard." Lá, os arrogantes são banidos, mas aqui ninguém nem sequer os contesta. Especialmente quando atacam o inimigo público número 1 deste país, o empreendedor e o pequeno empresário.


Minha mãe era inglesa, e dela aprendi a sempre dizer o que penso das pessoas com quem convivo, o que me causa enormes problemas sociais. Quantas vezes já fui repreendido por falar o que penso delas? "Não se faz isso no Brasil, você magoa as pessoas." Existe uma cordialidade brasileira que supõe que preferimos nunca ser corrigidos de nossa ignorância por amigos e parentes, e continuar ignorantes para sempre. Constantemente recebo e-mails elogiando minha "coragem", quando, para mim, dizer a verdade era uma obrigação de cidadania, um ato de amor, e não de discórdia.


O que me convenceu a mudar e até a mentir polidamente foi uma frase que espelha bem nossa cultura: "Você prefere ter sempre a razão ou prefere ter sempre amigos?". Nem passa pela nossa cabeça que é possível criar uma sociedade em que se possa ter ambos. Meu único consolo é que os arrogantes e prepotentes deste país, pelo jeito, não têm amigos. Amigos que tenham a coragem de dizer a verdade, em vez dos puxa-sacos e acólitos que os rodeiam. Para melhorar este país, precisamos de pessoas que usem sua privilegiada inteligência para ouvir aqueles que as cercam, e não para enunciar as teorias que aprenderam na Sorbonne, Harvard ou Yale. Se você conhece um arrogante e prepotente, volte a ser seu amigo. Diga simplesmente o que você pensa, sem medo da inevitável retaliação. Um dia ele vai lhe agradecer."