Tradução: "A ironia de se transformar no que um dia você odiou"
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
Em 14/12/1968 o
antigo “Jornal do Brasil” trazia no alto de sua primeira página a seguinte
previsão meteorológica: “Tempo ruim. Temperatura sufocante. O ar está
irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos”. Mas, fazia naquele
dia um solzão de dezembro. A temperatura na cidade do Rio de Janeiro variava
entre 35º e 38º graus. Outra coisa que chamou a atenção dos leitores foram
fotos publicadas no lugar dos famosos editoriais do Jornal do Brasil. Ao invés
daquela sempre bem elaborada coluna política do jornalista Carlos Castello
Branco, o Castelinho, aparecia uma foto onde um enorme lutador de judô dominava
um pequeno e frágil garoto.
Em “1968: o ano que
não terminou” o jornalista Zuenir Ventura relata essa história para
exemplificar como a sociedade recebeu o Ato Institucional nº 05 que havia sido
baixado, não por acaso, numa sexta-feira, 13. O AI-5 ficou sendo chamado de o
golpe dentro do golpe. Ele foi o recrudescimento, a radicalização, do golpe
civil-militar de 1964. De abril de 1964 até aquele dezembro de 1968, os
militares se mantiveram no poder, à frente da ditadura. Mas, eles pareciam ter
vergonha de estarem no comando autoritário do país. Tanto é que foi neste
período que os estudantes ganharam as ruas cantando “vem vamos embora que
esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Naquela aterrorizante sexta-feira (a exatos 55 anos) os militares ocuparam em definitivo o poder e o fizeram de uma forma avassaladora como nunca se viu. Foi por isso que o Jornal do Brasil colocou o lutador brutamontes dominando a criança. Aquilo foi uma metáfora. O lutador era o Estado militarizado dominando seus adversários. O garoto era a própria sociedade que se tornava ínfima, pequenina, diante de um poder colossal. Foi por isso que o Jornal do Brasil afirmou que o tempo estava péssimo, a temperatura sufocante e o ar irrespirável.
A sensação das
pessoas é que não se podia respirar. O país estava, sim, sendo varrido pelo
tufão do autoritarismo desmedido. Acabavam-se as garantias legais do cidadão. O
AI-5 era, literalmente, uma sentença de morte para os que eram contra a
ditadura. Vejam que o artigo 2º do AI-5 dava ao Presidente da República, um
general do Exército, poderes ilimitados acima de tudo e de todos. Ele podia,
por exemplo, decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias
Legislativas e das Câmaras Municipais por tempo indeterminado.
O General-presidente
de plantão poderia, também, decretar estado de sítio a qualquer momento e a seu
exclusivo critério. O ato autorizava o poder executivo legislar em todas as
matérias, exercendo, inclusive, o poder de polícia sobre o legislativo. No
artigo 3º, o ditador-presidente da República poderia decretar intervenção
federal nos Estados e Municípios sem quaisquer limitações de outra ordem. Por
sinal, Campina Grande, na Paraíba, foi um dos municípios a passar por uma
intervenção federal militarizada.
A partir do artigo
4º, o AI-5 mirava o cidadão. Nele se dizia que o ditador de plantão poderia,
sem as limitações previstas na Constituição, ou seja passando por cima dela,
suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos.
Quando uma pessoa tinha seus direitos cassados era, invariavelmente, levada à
prisão, à tortura, ao exílio e até a morte. Cassar direitos políticos era, para
os ditadores, sinônimo de eliminar a própria vida do cidadão.
Em seu artigo 10º o
retrocesso era total, pois se suspendia a garantia de habeas corpus para os
casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e
social e a economia popular. O AI-5 autorizava os órgãos de repressão, do
governo militar, a prender qualquer pessoa e em qualquer lugar, inclusive em
sua residência, e mantê-la incomunicável por até 120 dias e sem direito a
habeas corpus. Tempo suficiente para se sumir com um corpo.
Os homens que
formavam o Conselho Nacional de Segurança baixaram o AI-5 sem nenhum pudor. O
general Jarbas Passarinho disse “às favas, senhor presidente, neste momento,
todos os escrúpulos de consciência". O AI-5 permitiu a repressão,
intervenção, cassação, suspensão dos direitos, prisão preventiva, demissões,
perseguições e até confisco de bens. E tudo isso em nome da segurança nacional.
Com o AI-5 nos tornamos uma sociedade amedrontada. Mesmo assim, ainda temos
parte considerável da sociedade brasileira supondo que um novo AI-5 seria
solução para muitos dos nossos problemas. Na verdade, os que defendem o AI-5 e
a própria ditadura militar só o fazem porque são frutos disso. São os entulhos
autoritários que somos obrigados a carregar enquanto tentamos erguer uma
sociedade baseada em procedimentos democráticos.
(Foto: Valter Lima) |
A guerra, essa milenar atividade tão humana, consiste basicamente
no ato de aniquilarmos os que nos estorvam interesses políticos, econômicos,
religiosos, culturais, pessoais, etc. Sobre a guerra ainda não se disse tudo,
pois parte da humanidade prova que quando este é o assunto nada, nada mesmo, é
tão ruim que não possa exponencialmente piorar, até porque os países mais ricos
e poderosos do mundo seguem investindo bem mais em armas do que em alimentos,
saúde, educação, moradia e na preservação do meio ambiente. O fato é que a
guerra segue sendo um negócio dos mais valiosos para os que, claro, vendem
armas e não morrem nelas.
Suponho que se Sun Tzu pudesse enviar lá de 530 a.C., para o nosso
presente, uma nova edição de “A arte da guerra” manteria a ideia de que bom
mesmo é vencer o inimigo sem ter que com ele lutar, que é bem melhor negociar e
fazer alianças do que sair por aí matando pessoas por delas discordamos. É que
Sun Tzu nunca ouviu falar do Complexo Industrial Militar dos EUA, da OTAN e dos
“generais de todas as nações (com) fardas bonitas, condecorações, (que)
documentam na nossa história o seu rastro sujo de sangue e glória”, como diria
a banda de rock “Uns e Outros”.
Certo, não se disse tudo, mas já se falou bastante. Sempre que vejo imagens de sofrimentos, destruições e desesperos de toda sorte que só uma guerra pode causar lembro do diálogo entre Pablo Picasso e um oficial da SS Nazista. Numa entrevista em 1945, Picasso falou da visita nada agradável que recebeu em seu ateliê, na França em 1940, do oficial com seus soldados. Ao ver uma reprodução da genial tela “Guernica”, retratando horrores da guerra civil espanhola, o oficial perguntou: "Foi o senhor quem fez isso?". Ao que Picasso respondeu: “Não, foi o senhor". Picasso contou ainda que: "alemães vinham me visitar, fingindo admirar meus quadros. Dava-lhes cartões-postais da tela dizendo: levem de lembrança".
Costumo lembrar de inúmeros relatos que já li em tantos livros ou assisti em tantos filmes que dão conta do pavor das pessoas ao saberem que o inimigo está chegando pronto a lhes devorar. Em “Vietnã Norte”, livro-reportagem do jornalista australiano Wilfred Burghett (lançado no Brasil em 1967), vemos civis norte vietnamitas, segregados em suas paupérrimas vilas, apavorados ante a chegada do exército dos EUA, mesmo que Burghett mostre de forma
duramente realista como foi possível resistir a “imensa sofisticação tecnológica do agressor norte-americano”.Não que tente imaginar como foi, é impossível, mesmo assim penso no
sofrimento das pessoas na aldeia de Mỹ Lai, no sul do Vietnam, ao saberem que
soldados do exército estadunidense estavam chegando. O “Massacre de Mỹ Lai”
ocorreu em 1968 quando “marines”
invadiram a aldeia, assassinando todas e todos os seus 504 habitantes, a
maioria mulheres, crianças e idosos. Na época, o governo dos EUA “justificou” o
massacre como uma retaliação à formação de um batalhão do Exército Popular do
Vietnã, que havia se instalado na região de Mỹ Lai. Porque invadiram a aldeia e
mataram todos os seus moradores ao invés de irem atrás do batalhão é a pergunta
que nunca calou. Porque exterminar pessoas indefesas, que não ameaçavam um
exército tão poderoso, é a explicação que não pode ser dada, pois a maldade,
neste caso, não é racional.
O pavor sentido pelos moradores de Mỹ Lai deve ter sido o mesmo que povos (em sua maioria judeus) de variadas cidades de países do leste europeu experimentaram, a partir de 1938, ao saber que tropas da SS Nazista e do exército alemão estavam chegando praticando a política de terra arrasada, para que nada ficasse em pé, e aquilo que depois ficou conhecido como a “solução final”. Igual sensação, de terror, deve ter sido sentida pelas mulheres alemães ao saberem que o Exército Vermelho se aproximava de Berlim, em 1945, praticando o estupro em escala industrial como vingança pela destruição que as tropas de Hitler causaram em solo soviético, por exemplo no cerco à cidade de Stalingrado. Os povos indígenas no Brasil, na região Andina, nos EUA, etc, devem ter sentido bastante medo ao saberem que os colonizadores brancos se aproximavam para lhes tomar a terra, mesmo que estivessem decididos a reagir até a morte.
Imagem do Massacre de Mỹ Lai em 1968. Uma mãe tenta proteger seus filhos enquanto foge do ataque dos Marines\USA. |
Sobre isso, diria Sun Tzu para não se considerar a alternativa do inimigo não vir, pois ele sempre vem, mesmo que demore. Em “Enterrem meu coração na curva do rio”, Dee Brown fala do conselho que os indígenas idosos, do oeste dos EUA, davam aos indígenas mais jovens para não se iludirem, pois o “exército do homem branco do norte” não deixaria de vir para lhes tomar a terra, derrubar a floresta, matar animais e pessoas. Sun Tzu é categórico ao dizer que não se deve confiar na possibilidade de o inimigo não atacar e que, pelo contrário, deve-se manter prontidão para recebê-lo e, se possível, “fazer de nossa posição inexpugnável”. Parece ser essa a disposição do povo palestino, segregado na Faixa de Gaza.
Agora mesmo, esse pavor deve ser a sensação mais sentida pelos palestinos
na Faixa de Gaza, ao saberem que o exército de Israel entrará (está entrando)
por terra em seu diminuto local de moradia. De fato, os palestinos sabem bem
que o inimigo virá, até porque é isso mesmo que ele vem fazendo desde pelo
menos 1967.
Tenho visto muitos vídeos, nas redes sociais, de crianças e jovens
palestinos aterrorizados ante ao fato de que Israel objetiva fazer na Faixa de
Gaza o que os EUA fizeram na aldeia de Mỹ Lai. O que mais me choca é ver Israel
impingir ao povo palestino o mesmo tipo de terror e sofrimento enfrentados pelo
povo judeu durante a 2ª guerra mundial. É espantoso ver os sionistas partirem
do Holocausto para justificarem a política genocida praticada pelo Estado
israelita contra o povo palestino. Inclusive, e a rigor, o sionismo nem deveria
mais existir, posto que a razão própria de sua existência, a criação de um
Estado judeu independente, foi efetivada em 1948.
Após o ataque militar promovido pelo Hamas em cidades de Israel, o
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prometeu uma vingança sem precedentes,
avisando que o exército israelense iria aniquilar o Hamas. Mas, ao invés de
colocar suas forças de segurança no encalço dos líderes e militantes do Hamas,
Netanyahu mandou jatos da Força Aérea e a artilharia do Exército submeteram a
Faixa de Gaza ao que na 2ª Guerra Mundial se chamava de “bombardeios de
saturação”, quando se atacava cidades com bombas aéreas para maltratar,
desgastar e, claro, matar a população civil.
Em apenas dois dias, cerca de 3.000 palestinos foram mortos. Os
estrategistas militares de Netanyahu devem ter ouvido falar do massacre de Mỹ
Lai, pois a ordem dada ao exército de Israel é entrar na Faixa de Gaza para
retaliar, para vingar, os ataques do Hamas. A ordem é impingir dor e sofrimento
aos palestinos para que eles parem de apoiar grupos como o Hamas, mas é,
também, como bem disse Netanyahu, “fazer varrer do mapa a Palestina”.
Importa lembrar que Netanyahu anunciou a “política de aniquilação”
da Palestina ao exibir, em setembro passado na Assembleia Geral da ONU, um mapa
do que seria, para Israel, o "Novo Oriente Médio". Pasmem, mas no tal
mapa não aparecia a Palestina. Era a extrema direita sionista desdenhando das
resoluções das Nações Unidas, principalmente a que criou o Estado da Palestina.
Provando desconhecer as ideias de Sun Tzu, Israel deixou bem claro que não quer
dialogar, negociar, com seu inimigo. Para Israel, Oriente Médio bom, é Oriente
Médio sem a Palestina.
A notícia que importa hoje, 16 de outubro, é o anúncio da Organização Mundial da Saúde alertando para a “verdadeira catástrofe” que é o fato de a Faixa de Gaza só ter água, eletricidade e combustível para mais 24 horas. Atentemos para a situação de desespero do povo palestino condenado a morte seja pelos bombardeios seja pela falta de água, alimentos e remédios. A questão é que ajudas humanitárias estão bloqueadas, no Sinai Egípcio, já que Israel e Egito não se entendem para que insumos básicos entrem na Faixa de Gaza. O governo do Egito tem colocado uma questão básica: como se vai entrar com os insumos se Israel não para de bombardear a Faixa de Gaza?
Sun Tzu diria: “Se estás sitiando uma cidade, esgotarás tuas
forças. Se mantiveres o teu exército muito tempo em campanha, teus mantimentos
se esgotarão (...) Armas são instrumentos de má sorte; empregá-las por muito
tempo produzirá calamidades. Como se tem dito: ‘Os que a ferro matam, a ferro
morrem". Dito de outra forma, o exército mais poderoso enfraquece à medida
que gasta recursos e o Hamas está aí para provar que os que usam bombas para matar,
podem morrer atingidos por bombas.
CARTA AOS MISSIONÁRIOS - UN E OUTROS - VÍDEO ORIGINAL (1989).
https://www.youtube.com/watch?v=cMphV9CMXwg
A luta do povo palestino é para ter seus territórios de volta, usurpados que foram por Israel
Pelo que luta o povo da Palestina? - Gilbergues Santos Soares - Brasil 247
Bombardeio de Israel em Gaza (Foto: REUTERS/Mohammed Salem) |
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Os ataques do Hamas,
em Israel, são bem mais uma reação às ações do governo de extrema direita de
Benjamin Netanyahu, em relação ao povo palestino, pois Israel pratica a mesma
política segregacionista e colonizadora em relação a Palestina desde 1947.
Mesmo que possamos detectar elementos de uma ação terrorista, os ataques
seguiram a lógica dos Estados beligerantes e não de terroristas que saem
jogando bombas por aí. Consideremos desde já que lá atrás era o Fatah quem
liderava o povo nos territórios ocupados. O Fatah era um movimento com algum
viés de esquerda e defendia um acordo diplomático com Israel que levasse à
coexistência pacífica de dois Estados. Mas, Israel não aceitava negociar com
quem quer fosse e o Hamas foi se efetivando como a saída pela força. Podemos
até dizer que o Hamas está para Israel assim como Saddam Hussein e Osama Bin
Laden estão para os EUA. São as criaturas que se voltam contra seus criadores
com fúria mortal.
A luta do povo
palestino é para ter seus territórios de volta, usurpados que foram por Israel
apoiado no ocidente “otanista” e nos EUA, porque é isso que vai fazer com que
ele tenha o direito de se autodeterminar, ou seja para que tenha liberdade.
Mas, Joe Biden já anunciou que vai enviar porta-aviões e caças para ajudar
Israel a combater o Hamas. Os “business man” do Complexo Industrial Militar dos
EUA, também conhecido como “deep state” (o Estado dentro do Estado ou Estado
profundo), estão com sorrisos de orelha a orelha por mais um conflito para
fazer girar o negócio da guerra. Agora, eles já podem mandar o ucraniano
Volodymyr Zelensky sentar-se lá no fundo da sala de aula, pois outro aluno
começou a tirar melhores notas. Falo de Netanyahu que já deixou claro que
Israel está em guerra e não apenas contra o Hamas, mas contra a Palestina.
A pergunta de R$ 10
milhões (sou a favor da desdolarização da economia do Sul Global, promovida
pelos BRICS+, por isso falo em Reais.) é a quem interessa a prisão do inelegível
sem nenhum caráter? Importa, claro, a
sociedade brasileira, pelo menos àquela parte que não se deixou levar pelo
ressentimento, alienação, ódio, ignorância, desespero. Interessa aos que sabem
que não se pode perdoar crimes no presente, pois as cobranças vem sempre muito
pesadas no futuro.
Mas, a prisão de
Jail interessaria aos militares? Sim e não! SIM, porque seria uma forma deles
saírem da bagunça que se envolveram ao se aliarem ao bolsomilicianismo. Ao
entregarem a família Bolsonaro, e alguns de seus asseclas, à justiça os militares
poderiam pedir escusas, como diria aquele ex-juiz cleptomaníaco, e buscar a
“saída Leão da Montanha” pela direita, claro. NÃO, porque quanto mais se
investiga as ações da organização criminosa que agia (e age) no entorno (e sob
ordens) de Jair Bolsonaro, mais ficamos sabendo do envolvimento de militares de
altíssimas patentes no planejamento e na execução de um sem número de crimes.
Então, deve ser mais interessante para o partido das fardas verdes que tudo seja
protocolarmente esquecido.
Só teremos um
eficiente processo de desmilitarização das instituições políticas, e da própria
sociedade, se e quando os militares forem devidamente punidos pelos crimes que
cometeram durante a última ditadura, iniciada com o Golpe Civil-Militar de 1964
e só “concluída” em 1988 com a promulgação da atual Constituição Federal. Claro,
para que isso aconteça, a Lei da Anistia de 1979 terá que ser bem revista. Na
verdade, este entulho autoritário, que pesa às costas de nosso fragilíssimo
sistema democrático, precisa ser removido de nosso ordenamento
jurídico político. É isso ou os homens de verde seguirão apontando suas
baionetas para nossas cabeças.
Certo, é possível
que o escalão que vive na cumeeira das Forças Armadas entenda que terá que entregar
uns dois ou três Mauros Cid à Justiça para poder voltar aos seus animados
churrascos e, assim, esperar por outra oportunidade onde novamente tentará
solapar o sistema democrático. Por isso mesmo, não basta prender Jail Bozo,
ainda que seja urgente. Precisamos punir o golpismo militarizado para que
possamos pensar em estabelecer um controle civil sobre as Forças Armadas, que
têm que parar de agir como um partido político.
Para o conglomerado
golpista de 2016 (judiciário, parlamentos, mídia corporativa, fundamentalismo
neopentecostal, agronegócio, governo dos EUA, etc, etc, etc) prender Jail Bozo
e jogar a chave fora seria oportuno, pois sempre se poderia dizer que “nunca
participei disso”. Jornalistas, políticos, acadêmicos, empresários,
comerciantes, artistas e toda essa fauna da classe média que não pode ver uma
camisa da Seleção da CBF, poderiam, enfim, fingir em paz que não apoiaram a
Lava Jato, o Golpe de 2016, a prisão de Lula e a eleição\governo de Jail Bozo.
Claro, os muitos
desafetos de Jail esperam, ansiosamente, pelas imagens da Polícia Federal
batendo à porta do solar dos Bolsonaro às 06h37min da matina. Mas, e se Jail,
vendo a casa cair, resolver levar junto seus antigos aliados? Fosse eu
empresário bolsonarista ficaria bem quietinho em algum lugar. Aliás,
bolsonaristas espalhados pelo Brasil afora veem vantagem na prisão de Jail,
pois poderiam explorar, junto ao eleitorado bovino nas eleições municipais de
2024, uma suposta perseguição ao seu mito. Como exemplo, vejamos como Donald
Trump tem tirado proveito eleitoral sobre os muitos processos judiciais que
enfrenta ou como Hitler soube usar, em benefício próprio, o episódio de sua
prisão em 1923, após uma frustrada
tentativa de golpe de Estado.
Em todo caso, anseio
por essas imagens tal qual um botafoguense espera pelo título nacional de seu
time que não vem a quase 30 anos, mesmo que seja comedido e não me deixe levar
pelas redes sociais que decretam prisões ao deus dará. Uma prisão pictórica de
Jail, sensacionalizada pela mesma mídia que até outro dia o apoiava, não deve
interessar, pois vê-lo sendo solto poucas horas depois dispararia os gatilhos
da impunidade dos quais somos historicamente vítimas.
Benjamin Franklin
dizia que “os que abrem mão da liberdade essencial, por um pouco de segurança
temporária, não merecem nem liberdade nem segurança”. Um dos “Pais Fundadores”
dos Estados Unidos da América, Franklin fez parte do “iluminismo estadunidense”
que defendia princípios liberais, republicanos e federalistas, se contrapunha à
autoridade centralizadora, absoluta, e aos privilégios da aristocracia, mesmo
que fosse o (in)feliz proprietário de algumas pessoas escravizadas. Se vivesse
no Brasil, Franklin seria chamado de comunista e a juventude (hitlerista) do
Movimento Brasil Livre (MBL) o mandaria para Cuba. Nosso apressado processo
político-social involutivo não aceita que se defenda sequer ideias do
liberalismo burguês.
Muitos brasileiros
aceitam trocar este sistema de procedimentos democráticos que temos por uma
ditadura, desde que ela promova crescimento econômico, segurança pública e
combate à corrupção. Isso me faz recordar as histórias do Capitão América e o
dilema que ele enfrentava quando, para combater o “mal maior” (leia-se
comunismo), precisava limitar as liberdades do povo que defendia. Faz-me lembrar,
também, os totalitarismos europeus da metade do Século XX.
Hitler prometeu aos alemães
um país desenvolvido, rico, com pleno emprego, sem as muitas limitações do pós
1ª Guerra, livre dos males da corrupção e da violência. Prometeu entregar ao
povo uma potência do mundo capitalista bastando “apenas” que, em troca, os
germânicos renunciassem a suas liberdades políticas. Assim foi feito e o
resultado bem sabemos qual foi! Sugiro, então, refletirmos sobre a relação
custo/benefício de se renunciar à liberdade em troca de segurança pública. Como
e por que incautos de toda sorte negam suas liberdades para, supostamente, terem
segurança? Por que tantos aceitam graciosamente o dilema do Capitão América?
Sigo tentando
entender a mãe de todas as contradições que é o fato de brasileiros usarem
procedimentos democráticos, como liberdade de expressão, para pedirem o fim da
democracia. Por que conviver com o paradoxo de aceitar tão bem o procedimento
chamado eleição (que no Brasil é panaceia para todos os males) e a ideia de que
só uma ditadura resolve problemas? Por que procedimentos democráticos e
entulhos autoritários coexistem pacificamente ou não?
Sigo propondo a
reflexão. Porque viver numa situação sub-ótima, num sistema que tem forma
democrática e substância autoritária, onde o poder das armas não se submete ao
poder político? Pelo contrário, é este que busca se afiançar naquele. Porque
não lutamos por consolidação democrática? Porque supomos que eleições podem
tudo resolver? Porque ainda acreditamos no subterfúgio hipócrita de que “se as
coisas vão mal basta trocar o governante nas próximas eleições”? Eleições em
profusão pouco adiantam se não estamos dispostos a cumprir os mecanismos
institucionais que permitem que os que descumprem as leis sejam
responsabilizados com pressupostos penais que causem punibilidade. Como esse
revezamento de nomes e siglas nos governos pode ser solução única para nossos
males? Porque nos contentamos com tão pouco?
Em
"Capitalismo, Socialismo e Democracia" o cientista político austríaco
Joseph Schumpeter se refere à democracia como um método por onde se escolhe os
que decidem, que dá ao cidadão o poder de substituir um governo por outro, para
que ele próprio se proteja dos riscos dos escolhidos se tornarem uma força
inamovível. Dizia ele: "A democracia significa apenas que o povo tem a
oportunidade de aceitar ou recusar os homens que a governam". Devemos nos
contentar com isso? Não, é insuficiente! Mas, se não consolidarmos nem isso,
como avançaremos para um sistema que contemple aspectos mais amplos do
funcionamento de um Estado que seja a um só tempo legal e legítimo, e,
portanto, de direito e democrático? Ainda despertaremos para o fato de que
nosso sistema político não passa nem no grosso filtro desse modelo minimalista
de democracia?
A democracia, como
sistema e cultura política, é cara apenas ao ocidente e, mesmo assim, somente onde
as revoluções burguesas vingaram e as ditaduras totalitárias serviram como
contraste. A democracia tem valor universal, do contrário a luta pelos direitos
humanos não se daria em lugar nenhum do mundo. Como expectativa, possibilidade
ou algo que o valha, lembro o clássico “A Democracia na América”, onde Alexis
de Tocqueville afirma que democracia é o somatório (em doses iguais e sem
hierarquias) de liberdade e igualdade.
Mas, de forma
realista, serve a descrição minimalista procedural do cientista político Scott
Mainwaring que diz que democracia é o regime que (1) promove eleições
competitivas, livres e limpas; (2) que pressupõe cidadania adulta e abrangente;
(3) que protege liberdades civis e direitos políticos; (4) onde governos
eleitos de fato governam e militares são controlados pelos civis. Proponho, um simples
exercício. Verifiquemos se esses quatro itens são de fato praticados em nossa
sociedade. Se a resposta for sim, ótimo!, vivemos em uma democracia minimamente
consolidada. Mas, se a resposta for NÃO, sugiro começarmos a ler tudo que pudermos
sobre ditaduras.
Inevitavelmente a
resposta será NÃO, por isso lembro que o fascismo não é discreto, não pode ser.
Ele tem que ser histriônico. É pelo barulho que faz que a extremosa destra ganha
adeptos, pois é sendo odiosa e violenta com seus adversários que angaria seguidores
e transforma simpatizantes em militantes. E é com seus governantes praticando a
necropolítica e acabando com direitos humanos, sociais e políticos que nós
vamos conhecendo mais e melhor seu modus operandi. Foi assim nos quatros anos
de Jail Bozo e seus asseclas no governo federal. Foi assim com Donald Trump na
presidência dos EUA, que culminou com a invasão ao Capitólio. E foi assim com
Hitler e Mussolini, claro. Vejamos que o 08\01, no Brasil, foi a pura expressão
de uma política golpista que só sabe se expressar pelos signos da violência.
Podemos ver do que a
extremosa é capaz quando ela governa. Cinicamente, o governador bolsonarista de
São Paulo, Tarcísio de Freitas, destinou R$ 10,00 para um projeto de Educação
em Direitos Humanos e Cidadania e tornou a Secretaria de Logística e
Transportes na Secretaria de Políticas para a Mulher, como se fossem a mesma
coisa. Ele disse que estava “extremamente satisfeito” com a ação da ROTA, que
chacinou quase 20 pessoas no Guarujá, e ainda disse que as denúncias feitas
pela população, sobre torturas sofridas por pessoas da comunidade de Vila
Bahiana, são “narrativas”. Não custa lembrar do ex-governador Wilson Witzel, do
Rio de Janeiro, que dizia que “polícia vai mirar na cabecinha e … fogo”. Esses facínoras
monstruosos lembram a SS nazista fuzilando judeus durante a 2ª Guerra Mundial.
O Fascismo não gosta de pessoas sendo educadas para cidadania, por isso mesmo o secretário de Educação de São Paulo, Renato Feder, anunciou que não utilizará 10 milhões de livros em 2024, que será usado material digital ao invés dos livros do Programa Nacional do Livro Didático do MEC. A extremosa destra gosta mesmo é da morte, por isso bolsonaristas gostam tanto de armas, idolatram torturadores como Ustra, violentam seus adversários e comemoram chacinas e pandemias, pois é quando podem se livrar dos que tanto odeia.
(Foto: Ricardo Moraes/Reuters)
Tinha lá meus 15 anos quando assisti “O Incrível Exército de Brancaleone” (L'armata Brancaleone, 1966), filme italiano dirigido por Mario Monicelli, que satiriza costumes medievais, inspirado em “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes. A história se passa no século XI quando o nobre Brancaleone, que não tem uma lança para dar num inimigo, cria um exército andrajoso para lutar por terras que pensa serem suas. Ele vaga pela Europa com seu “exército”, num pangaré, se deparando com a peste, bruxas, bárbaros, sarracenos e bizantinos.
Depois,
quando cursava História na Universidade Federal da Paraíba, víamos esse filme
estudando as relações de classe e o poder da Igreja Católica no Feudalismo.
Lembro de um professor que se referia ao Exército brasileiro como a “armada
Brancaleone”, pois nossa força nunca foi lá de meter medo em outros exércitos.
O portal
chinês Sohu.com classificou o Exército brasileiro como o “mais falso e vazio do
mundo e sem ambição”. O site trouxe um artigo mostrando que, em média, 30% dos
gastos militares da maioria dos países vão para aquisição de armamentos e
equipamentos. Informou, também, que as Forças Armadas do Brasil investem 1,3%
dos seus gastos militares com armas e equipamentos e que o resultado disso é
uma força com “fraca eficácia de combate e armamento atrasado”.
O Sohu.com
apontou, ainda, que o Exército destina 80% de seus gastos militares para
pagamento de salários, aposentadorias e pensões. Claro, não falou que parte
considerável dos gastos militares são destinados para que se mantenham
privilégios de uma casta de generais que nunca participou sequer de um
exercício de guerra, nem tratou da farra das pensões destinadas às filhas dos
generais, muito menos dos gastos com picanha, whisky, viagra e próteses
penianas.
O Sohu.com
aponta três fatores para o Exército investir mal e porcamente em armamentos e
equipamentos, considerando o Brasil um "país frouxo": 1) não se sente
pressionada geopolítica e estrategicamente pelos seus vizinhos; 2) não sonha
ser potência militar, muito menos competir com EUA por hegemonia regional
(mesmo que quisesse, não poderia ou não se atreveria); 3) não precisa
desenvolver suas Forças por não ter inimigos estratégicos ou imaginários. Tal
qual a armada brancaleônica, em busca de poder e glória para seu nobre
comandante, os objetivos dos militares são muito específicos, em geral se dão
em torno de “questões internas”.
Outra coisa
que o Sohu.com não fala é que o Exército mais parece um partido político,
descuidado da segurança das fronteiras do país, dedicado em ser linha de frente
dos muitos golpes, intervenções e quarteladas que já tivemos e que passou 21
anos governando o país através de uma ditadura que prendia, torturava e matava.
O historiador Carlos Fico nos lembra que “todas as rupturas institucionais
brasileiras foram feitas por militares, mais particularmente pelo Exército”.
Agora mesmo vimos como os militares são descolados da realidade das relações (de poder) internacionais. O presidente do Superior Tribunal Militar, ministro Joseli Parente Camelo, disse a Josias de Souza numa entrevista ao UOL, que o preconceito de militares com Lula deve-se ao medo do fantasma do comunismo. Pode o poder armado ter medo de fantasmas e do comunismo, duas coisas que muitos nem acreditam que possa existir?!
Depois,
quando os chineses dizem que nosso Exército é o "mais falso e vazio do
mundo", militares ficam com raiva. Tal qual Brancaleone, que acreditava em
bruxas e em magias, os militares seguem crendo em fantasmas, mas porque isso?
Na verdade,
o preconceito dos militares em relação a Lula, ao PT e a esquerda têm outras
explicações, pois Lula NUNCA foi ideologicamente comunista. Primeiro, temos
questões de classe. O Exército ficou contra os trabalhadores quando se aliou a
burguesia nacional e ao capital internacional, para darem o golpe de 1964. Em
“1964: A conquista do Estado – ação política, poder e golpe de classe”, o
historiador uruguaio René Armand Dreifuss chama essa aliança de “processo
político e ideológico através do qual os interesses multinacionais associados e
seus intelectuais, empresários, políticos e militares assumem o controle do
Estado”. (DREIFUSS, 1987, p. 106).
Temos a questão ideológica e de valores, pois o Exército é por definição conservador, reacionário, positivista e de direita. E temos a questão política, pois ele se comporta, desde os tempos do Tenentismo, como um partido que precisa intervir nas instituições e na realidade social, econômica e política do país. O jornalista Fabio Victor, em “Poder Camuflado – os militares e a política, do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro”, cita a revista “A Defesa Nacional” (1913) para mostrar que o foco nas questões internas vem de longe: “O Exército precisa preparar-se para a sua função conservadora e estabilizadora dos elementos sociais em andamento. Ele deve estar pronto para corrigir perturbações internas”. (VICTOR, 2022, p. 277).
Militares não têm medo de Lula, têm raiva! Eles o tratam como inimigo porque foi o PT que propôs enquadrá-los num ordenamento que os impedisse de agir como poder moderador da República. Fabio Victor traz uma resolução do Diretório Nacional do PT (2016) que defende “reformulação do papel das Forças Armadas (para) aplicar as recomendações da Comissão Nacional da Verdade sobre direitos humanos e a alteração dos currículos das escolas oficiais, expurgando valores antinacionais e antidemocráticos como o elogio ao golpe de 1964 e ao regime militar que então se estabeleceu”. (VICTOR, 2022, p. 351). Na verdade, o Exército brasileiro não quer ser uma força bem armada, prefere seguir sendo uma infantaria brancaleônica.