quinta-feira, 14 de abril de 2022

Sobras do “cesto departamento”

Remexendo um velho arquivo (que chamo de “cesto departamento”, para onde vão coisas que finjo que estou jogando na lixeira) encontrei esses artigos, escritos entre 1998 e 2001, que nunca foram publicados. Não sei, não lembro, porque não “postei” o primeiro, “O que esperar dos eleitos?”. Talvez, à época, ele tenha se mostrado tão frágil, que eu mesmo tenha preferido esquecê-lo. Acontece!

Os outros dois foram censurados pelo jornal, com o qual contribuía semanalmente. Sobre o artigo “A TV que faz chorar”, a justificativa foi que eu estaria (SIC) “indo de encontro à TV da qual a empresa é associada”. É que o jornal, onde eu publicava, era afiliado de umas das emissoras que havia criticado. De fato, havia mesmo, mas ... acontece, também! Sobre o artigo “Fé e iogurtes”, não lembro que justificativa se deu para o artigo ter “caído”, mesmo que desconfiei que tenha desgostado algum explorador da fé alheia.

Não queria publicar estes três artigos, pois os considerei “datados”, mas sob os incentivos de minha editora\filha\leitora Lívia Freitas, resolvi que eles deviam vir a público. Pensando bem, eles não estão tão obsoletos assim!

 

O que esperar dos eleitos? (1998)

Analisando o resultado das eleições paraibanas, de 1998, chama atenção a quantidade de votos brancos\nulos para governador e senador. Para se ter ideia, o 2° colocado para governador, Gilvan Freire, teve 175.234 votos, enquanto brancos\nulos somaram 588 mil votos. Uma explicação para isso é a falta de boas opções apresentadas aos eleitores. A apregoada falta de interesse do povo, quando o assunto é política eleitoral, é frágil, pois gostamos tanto de eleição quanto de futebol e novelas.

Tivemos um processo eleitoral onde o governador/candidato, José Maranhão, monopolizou as eleições. Outra questão é que não houve renovação para a bancada paraibana na Câmara Federal, no Senado e na Assembleia Legislativa. Sempre se poderá dizer que muitos não se reelegeram e que outros vão ao parlamento pela primeira vez. Mas, não é desse tipo de renovação que falo.

A renovação que quero discutir é a de ideias e práticas políticas, pois não há nada de novo sobre o senador e os 12 deputados federais eleitos. As práticas são as mesmas desde o começo do século, próximo de acabar, mudam apenas a forma de realizá-las. Um distribui consultas médicas em programas de rádio, outro mal sabe expressar-se, um terceiro ocupou o guia eleitoral para só ensinar como votar nele e ainda tem o que se diz herdeiro político de um outro que já faleceu. Sem contar o "senador do povão" que facilmente transita entre o trágico e o cômico.

O que estes senhores irão fazer em Brasília? Será que eles sabem para que serve um mandato parlamentar? Eles dizem que vão lutar por verbas para a Paraíba, mas e quanto a “Reforma Política”, que traz a fidelidade partidária e a revisão da reeleição dos prefeitos, e a questão fiscal, criando e aumentando impostos, além da administrativa para demitir funcionários públicos? E sobre a reforma da previdência social, algo de nosso óbvio interesse, eles sabem o que fazer? Foi possível, durante as eleições, ver o que eles tem a dizer sobre estes assuntos?

Sabemos que um único voto, de um deles, pode mudar totalmente nossas vidas. É por isso que não podemos ficar impassíveis, esperando que eles "lutem pela Paraíba" da forma que bem quiserem, pois não foram eleitos para distribuir cadeiras de rodas e nebulizadores, e sim para envolverem-se nos grandes temas nacionais, como nossos representantes. Além disso, estes senhores, que serão protegidos pelo manto da imunidade parlamentar, precisam ser monitorados pela sociedade civil, caso contrário teremos que viver apenas com a renovação de nomes, não de práticas políticas.

 

A TV que faz chorar (2000)

É domingo. Ligo a TV e vejo o apresentador de popular programa de auditório, com os olhos vermelhos, falando tristemente da vida de uma mulher que, abandonada pelo marido, teve que criar uma penca de filhos e ainda teve seu casebre destruído por um incêndio. A mulher está presente ao palco, com seus filhos, para dar veracidade a estória do comovido (des)animador. Ao fundo, ouve-se uma música que faria o mais brutal dos nazistas chorar feito criancinha. Por fim, o benevolente apresentador oferta uma casa mobiliada para a pobre família e todos se regozijam. Um final feliz!

Mas, por ser domingo, quero relaxar, ver algo ameno. Mudo de canal. Aparece-me outro apresentador que, gritando descontrolada e irritantemente, quer comover o público com sofridos detalhes da vida de uma atriz de novelas. Não há interatividade, ele faz as pergunta e ele mesmo as responde. Parece que só ele pensa. Sigo querendo relaxar, mudo o canal e vejo um terceiro apresentador que tenta ser a síntese dos dois anteriores: grita burramente, como o segundo, e faz caridades como o primeiro. Trágico, cômico, bizarro! Minha busca só termina quando me convenço que a melhor forma de relaxar é desligando a TV. Escutar uma boa música é a solução.

A questão é que os canais da TV aberta não nos dão opção, possuem uma programação que só considera o baixo nível educacional do povo brasileiro. Com o advento da chamada TV paga e com a programação segmentada (programas dirigidos a grupos específicos) criou-se a lógica de mercado (cruel e excludente) que se o telespectador quer ver boa programação que pague para tê-la, senão aguente as porcarias que lhe são oferecidas, aliás, impostas. Não é à toa que a Rede Globo exibe seu "apresentador" ao invés de um jogo de futebol. Quer assisti-lo? Pague para isso!

Uma outra grave questão é que devido à ausência de um Estado social, que efetive políticas públicas, as populações pobres ficam à mercê da própria sorte e terminam recorrendo aos oportunistas de plantão, no caso apresentadores em busca de pontos no Ibope, que renderão polpudos contratos de publicidade, e que não pestanejam em explorar as desgraças humanas. Se lembrarmos a eles que somos nós que fazemos a audiência, mudando de canal e até desligando a TV, com certeza irão se preocupar em melhorar o nível da programação. Ou não?!

  

Fé e iogurtes (2001)

Imagine a situação: cidadão, com R$ 100,00, uma ata que o designa representante de um grupo e um estatuto que regerá este grupo, vai até a Receita Federal cadastrar-se. Em dois dias, ele já tem a sua disposição, pela Internet, o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica que permite que o estabelecimento funcione. Não, não estou falando de um comércio, refiro-me a uma igreja evangélica.

Para se abrir uma igreja no Brasil basta ter fé, pois as facilidades mundanas são muitas. Veja-se que não se cobra taxa de IPTU, nem licenciamentos, e não se paga imposto de renda, já que os templos são considerados entidades filantrópicas. Mas, essas igrejas, que vemos surgir em profusão, tem um alto poder de lucro que vem, principalmente, da contribuição que cada fiel dá a seu pastor. É o chamado dízimo - aqueles 10% que cada "um oferta a Deus".

Vi um membro de uma dessas igrejas dizer que (SIC) “o aluguel da sede custa R$ 2.500,00 e é preciso mantê-la, pois a contribuição está prevista no livro bíblico de Malaquias”. Porém, o que se vê, na verdade, são denúncias de enriquecimento ilícito de pessoas inescrupulosas que, a título de dar conforto espiritual a quem precisa, exploram a fé das pessoas.

Para se ter ideia de como se dá a exploração, vejamos o caso das Igrejas neopentecostais, conhecidas pelos seus cultos barulhentos, onde os fiéis gritam a plenos pulmões palavras de exaltação a Deus, talvez acreditando que Ele seja surdo. Prometem prosperidade material, ou seja, o fiel que contribui, com o dízimo, investe em si próprio, já que “terá em dobro tudo o que doou”. Assim, Deus funciona como uma poupança: entrega-se uma quantia a Ele e após certo tempo Ele a devolve com juros e correção. Mas, é bom lembrar, "pequena" parte fica com o pastor para investimentos no “negócio da fé", como diria o cangaceiro do Auto da Compadecida.

Em tempos de crise qualquer um que prometer prosperidade material só pode conquistar adeptos. São palavras mágicas para ouvidos desesperados. O fato é que essas igrejas são negócios privados como outro qualquer, onde o lucro é a meta. Por isso deixemos de hipocrisia e passemos a tratá-las como tal. Já que elas viraram um lucrativo negócio, que explora a fé do povo, como quem vende iogurtes no supermercado, porque o Estado não as trata como tal e passa a cobrar delas impostos para fazer, pelo povo, aquilo que elas mesmas não fazem?