quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Recalcitrância anti-reformista

Contou-me um jornalista, duvidando que a reforma política seja feita, que um político paraibano de projeção nacional afirmou-lhe que (SIC): “a reforma política não sai porque não faremos algo que se voltará contra nós mesmos”. Constatarei, pois, o que a muito reluto em fazê-lo. A propalada e decantada reforma política não acontecerá a médio e longo prazo, posto que se feita de forma séria e republicana, considerando a necessidade de evoluirmos na qualidade de nosso sistema democrático, alterará a distribuição de poder hoje existente e aumentará o poder da população no sistema representativo. Os atores e partidos políticos não farão reformas que os levem a atuar republicanamente e a se submeterem as incertezas do jogo democrático.


Da forma como é tratada a reforma política me deixa abúlico. Numa exaustiva repetição os atores políticos vão discutindo a reforma para nos momentos definidores nada fazerem ou realizarem diminutas mudanças que alteram as regras do jogo eleitoral quando ele já está sendo jogado. Da forma recorrente como é (mal) tratada ela não gera dentro de seu próprio sistema modificações a partir dos efeitos gerados pelos impulsos que recebe, i.e., ela não se retroalimenta.


Em artigo, o Presidente da Câmara dos Deputados Michel Temer afirmou que: “Não é que não se queira fazer. É pelas dificuldades para realizá-la. Enquanto uns pedem urgência para os projetos de reforma, outros fazem obstrução para nada votar”. Temer revela que (1) usa-se o regimento da Câmara para não se fazer reformas e (2) o que se quer são mudanças pontuais para atender a interesses conjunturais. Não esqueçamos que os projetos de reformas, tramitando no legislativo, devem cumprir prazos para serem utilizados na eleição seguinte, i.e., para que mudanças feitas este ano valessem em 2010 teriam que ter sido promulgadas até setembro passado. Os deputados discutiram bastante e ao final saiu uma tosca tentativa de controlar o incontrolável – a divulgação de candidatos na internet. Reforma política relevante para 2010 não teremos. A ululante constatação de Temer me faz ímpio: “Discute-se a reforma desde 1998. Houvéssemos legislado entre 1998-2002, já poderíamos tê-la utilizado na eleição de 2006”.


A elite política não quer a reforma e, ao que parece, a sociedade também não, do contrário se mobilizaria como na campanha das Diretas-Já e no Impeachment de Collor. Afinal, que reforma desejamos e para que a queremos? Como ela será feita? Republicanamente, modificando a Constituição, ou via acordo palacianos. Reformas não devem ser feitas para atender a interesses comezinhos e filáucias de atores políticos. Devem ser um meio para se qualificar nossa democracia. A questão não se reduz a fazê-la ou não e sim a qualidade do processo que a implementará.


O menu da reforma política é complexo. Temos lista partidária fechada, com voto proporcional; voto distrital, misto ou puro; voto majoritário para eleger deputado; voto proporcional, com quociente eleitoral; financiamento público de campanha para partidos com lista fechada ou aberta. E o financiamento privado de campanhas, quem poderia fazê-lo – apenas pessoas jurídicas ou só as pessoas físicas? Ou tudo ficaria como está com ambas podendo contribuir? Permitir-se-ia financiamento público apenas para cargos majoritários? Que reforma acabaria o tal caixa dois dos partidos e coligações? Alguns itens são especulações casuísticas. Fala-se em fazer coincidir as eleições para todos os cargos do executivo e do legislativo e nos níveis federal, estadual e municipal. Defende-se o fim da reeleição, mas acrescentando um ano aos mandatos nos três níveis governamentais. E existem os que, teimosamente, defendem a re-reeleição presidencial e a proposta de que os suplentes de senadores sejam também eleitos pelo voto. Etc, etc, etc...


Os governos investem no desenvolvimento econômico, mas não se esforçam para que uma consequente reforma política seja efetivada. Não se movem em prol dela e abdicam da prerrogativa de propor projetos reformistas. Governantes turvam suas visões quando se trata de aprimorar mecanismos que podem tornar as instituições mais responsivas e dóceis aos mecanismos de accountability (a obrigação de se prestar contas aos órgãos controladores e/ou a sociedade) e ao sistema de freios e contrapesos, que existem em democracias onde o accountability é pleno. Este sistema trata da independência e harmonia entre os poderes, define suas obrigações e o que podem ou não fazer, além de regulá-los, limitá-los e impedir abusos. Quando uma lei é aprovada no legislativo, segue para a sanção do presidente que pode vetá-la se. Mas, se ele não o fizer, o Judiciário poderá decretar sua ilegalidade. Estes mecanismos serão habituais no Brasil se uma reforma político criar o lastro para que eles possam funcionar sem sobressaltos.


Claro está que a questão central da democracia é sua qualidade. Ela compreende aspectos de forma (procedimentos) e de conteúdo (substância) e reúne os mecanismos e práticas associados às formas de decidir em favor dos interesses sociais; além das normas que regem o bom funcionamento das instituições e as atitudes que marcam a relação entre elas e a sociedade civil. A qualidade da democracia avança quanto mais ela consegue aproximar e conciliar seus aspectos formais e substanciais. Pouco adiantará que a democracia seja de direitos se ela não for, também, de fato. A democracia tende a ser cada vez mais apoiada se ela funcionar bem para as pessoas comuns. Ela não pode ser desassociada do contexto socioeconômico em que as pessoas vivem.


É assim que a reforma política deve ser tratada – como um meio para que o sistema democrático brasileiro seja qualificado e não como um mero arranjo conjuntural para aumentar ou diminuir a fatia de poder de atores políticos. Se tratada de forma consequente e responsiva ela pode contribuir sobremaneira para que nossa frágil democracia se consolide.



Dezembro/2009.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Do que não me ufano.

Na Copa do Mundo de 1958 o técnico da Seleção Brasileira, Vicente Feola, fazia preleção para o jogo contra a União Soviética. Dizia que bastava fazer a bola chegar aos pés de Garrincha que este garantiria a vitória, quando Mané interveio: “Seu Feola, já combinou isso com os russos?”

Nossos governantes se esqueceram de combinar com os “russos” ao trazerem para o Brasil a Copa de Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016). Ao abateram o helicóptero da polícia carioca, os traficantes estavam dizendo que faltou combinar também com eles. Claro que é inadmissível que as instituições fiquem a mercê de criminosos, mas o Rio é uma cidade conflagrada, com o crime organizado dominando áreas cada vez maiores.

Como eventos desse porte podem ocorrer em centros urbanos onde as instituições coercitivas são combatidas com armamento pesado? Pior, quando não demonstram condições de reverter a situação. A solução? Dar poder de polícia ao Exército, a Aeronáutica e a Marinha? Na verdade, quem deve ter poder de polícia é a própria polícia. Esperar que as Forças Armadas garantam a segurança pública é temerário, posto não serem talhadas para isso, mesmo tendo prerrogativas constitucionais, egressas da ditadura militar, e a Doutrina de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), utilizada cada vez mais em operações urbanas.

Devo me regozijar por que o Rio de Janeiro foi escolhido sede das Olimpíadas? Devo envaidecer-me, pois nem Barack Obama impediu que o Rio fosse eleito? Não, não vejo motivos para nos jactarmos. Os governantes devem se blasonar, pois Olimpíadas vitaminam projetos eleitorais. Como se impedirá que os traficantes atrapalhem a organização do evento caso entendam que este trará prejuízos aos “negócios”? Se eles podem derrubar um helicóptero blindado, o que não farão com todo o resto? Como tamanho evento acontecerá com uma polícia corrompida, cooptada e minada pelo crime organizado, com as tais balas perdidas e índices assustadores de criminalidade?

Definido o Rio como sede a polícia subiu o morro. Queria tomá-lo dos traficantes e lá ficar até as Olimpíadas? Instalaram as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em alguns morros e, ato contínuo, os traficantes atacaram para garantir territórios. O governador do Rio afirmou que a segurança será reforçada próximo aos eventos. Mas, fossem os jogos na Dinamarca e a segurança seria, também, reforçada. O comando da PM disse que as UPPs aumentarão a segurança nas favelas, pois forçarão os traficantes a agirem longe das instalações olímpicas, i.e., a preocupação não é combater e acabar com o poder deles, mas estabelecer uma coexistência pacífica. O prefeito do Rio de Janeiro disse que Londres, após ser escolhida sede olímpica (em 2012), sofreu atentados terroristas mais graves do que os fatos no Rio. Apenas não disse que desde então lá não houve mais atentados. Já no Rio eles acontecem diariamente. Por isso mesmo, não posso me ufanar.

Enfim, o que se quer saber é como se retirará os traficantes de seus domínios, forçando-os a depor armas. O monopólio delas, pelo Estado, é requisito essencial para que a população possa sentir-se segura. A polícia tem que fazer o trabalho de inteligência e efetivar políticas de segurança visando o bem estar do cidadão, além de armar-se para poder fazer frente ao aparato bélico dos traficantes. Simples assim. Tudo o mais é verborragia político-eleitoral.

Também, não serão as promessas de medalhas em profusão que me farão esquecer os acontecimentos na organização do Pan-2007. O tal legado social do PAN não existiu (nunca existirá) e o que ficou foi déficit operacional, dívidas gigantescas e denúncias variadas de malversação do dinheiro público. Tendo desperdiçado as oportunidades trazida pelo PAN, aproveitaremos as duas próximas? Temo que não, pois não temos instituições republicanas. A Copa do Mundo é um negócio privado comando pelo inefável Ricardo Teixeira, através de sua possessão - CBF. As Olimpíadas terão Carlos Arthur Nuzman, posseiro único dos haveres, bens e cabedais do esporte olímpico brasileiro, como aquele que ditará todos os procedimentos.

Como sediaremos uma Copa do Mundo, se os projetos para a construção e reforma de aeroportos estão parados? Existem problemas financeiros e as empresas e os governos estaduais não demonstram como pagarão os empréstimos contraídos junto ao BNDES; inexiste controle institucional sobre o fornecimento de insumos para as obras; há desperdício de material e ameaças ao meio ambiente; e pululam pelos tribunais contestações aos processos de licitação de obras feitas.

Se nas férias o tráfego aéreo vira um caos, o que dirá num evento que deve trazer cerca de 500 mil pessoas ao país? O governo quer mudar o status da Infraero – de estatal passaria a sociedade anônima de capital fechado para que não se submetesse à fiscalização alguma, i.e., o governo quer transformar a questão estratégica dos aeroportos em um negócio livre de controle – quer desrepublicanizar a já frágil gestão aeroportuária no Brasil.

Estima-se que só a Copa do Mundo custará ao país algo entre 80 e 150 bilhões de reais. Como esses montantes serão auditados? As transferências de recursos públicos para a iniciativa privada, para que se construam estádios, serão críveis? Ou se farão na base de “para os amigos tudo, para os inimigos os rigores da lei”? Pergunto-me, pasmo, como se pode escolher o Brasil se não temos, hoje, um único estádio em condições de receber jogos em nível do evento.

Ufanar-me-ia se tivesse a certeza de que, com os eventos, teríamos obras que contribuiriam para que problemas crônicos (segurança, transporte, moradia, saneamento, poluição, etc) de nossas cidades fossem sanados. Vestiria uma camisa verde-amarela se visse que isso fortaleceria a capacidade competitiva do Brasil mundo afora. Colocaria uma bandeira em minha varanda se soubesse que esses eventos trariam um consistente legado para a qualidade de vida das pessoas. O ministro das Cidades, Márcio Fortes, afirmou que no dia seguinte à Copa cada empreendimento terá que ser um legado verdadeiro, funcionando sem déficits operacionais ou subsídios do governo. Certo! Concordo. Mas, como isso acontecerá? Sugiro primeiro passar o Pan-2007 a limpo e só depois pensar-se em legados futuros.

Assusta saber que centenas de atletas continuarão a míngua até 2016 e que um ou dois serão pinçados para as vitórias e que ao ganharem uma mísera medalha, não a terão para si mesmo, fruto do seu próprio mérito, mas para o “Brasil-sil-sil!!!!”.