segunda-feira, 3 de julho de 2017

A “camarotização” do São João


Há alguns dias postei a coluna Devolvam meu São João onde externava minha tristeza ao constatar que o São João de Campina Grande, que já foi o melhor do mundo, não existe mais. Afirmei que o Parque não mais pertence ao povo e critiquei a administração municipal por ter permitido “que uma empresa montasse uma casa de shows fechada no lugar do arraial que tínhamos”. Falei, indignado, que o São João é nosso patrimônio imaterial e “que ninguém pode adulterá-lo dessa forma arrogante visando atender interesses particulares”.

Como no Brasil nada é tão ruim que não possa piorar, o prefeito Romero Rodrigues anunciou que vai “buscar solução para o São João de 2018”. Mas, qual seria o problema que estaria enfrentando o São João? Segundo o prefeito, o “Parque do Povo não comporta mais o evento”. Mas, o Parque do Povo não vem comportando o São João a 34 anos? Porque de um ano para o outro deixou de comportar? O que ocorreu em 2017 que não mais permitiria que nossa festa maior coubesse em seu palco tradicional? Segundo o prefeito, o “Parque do Povo se tornou pequeno, congestionou as ruas. Se a gente conseguisse uma área central maior que o Parque, seria ideal, porque a festa tem que crescer ainda mais”.

O prefeito não disse a quem interessam as soluções. Se a prefeitura, sua administração e seu partido, se ao povo, se aos comerciantes e empresários da cidade ou se a empresa que gerenciou a festa através de uma parceria público-privada, eufemismo para o termo privatização. O modelo de evento promovido pela tal empresa, que “comprou” nossa tradição e direitos culturais, não cabe no Parque do Povo porque ali ela não terá o lucro exorbitante que almeja. Simples assim!

Existe uma questão legal que é o fato do Parque do Povo ser um BEM PÚBLICO e não poder ser temporária ou definitivamente privatizado. Infelizmente, muitos campinenses ainda não se deram conta disso! A prefeitura parece querer se antecipar às questões jurídicas, que por certo enfrentará, caso leve a frente essa sandice de privatizar totalmente o São João. É por isso que busca “soluções” para os supostos problemas aventados. Além disso, que destino se dará ao Parque do Povo no caso do São João ser levado para outra área da cidade? Fosse eu do ramo da especulação imobiliária responderia essa pergunta? Claro, que não!

O prefeito falou em congestionamento das ruas, citando que ele mesmo demorou mais de uma hora para chegar ao Parque do Povo, e que portões (da casa de shows erguida no lugar do “Forródromo”) tiveram que ser fechados. Ora, congestionamentos temos todos os dias – é uma realidade nossa. Os portões foram fechados porque houve uma limitação da livre circulação da população no Parque do Povo, já que o espaço público foi delimitado para o uso de camarotes, cercas e o equipamento, utilizado por patrocinadores, estranho a festa popular.

Temos que fazer mudanças em nosso São João. Por isso me juntei ao movimento “#Devolvam meu São João”, pois o que temos no Parque do Povo não é mais uma festa junina. Assim, transcrevo abaixo o texto do arquiteto e urbanista campinense Marcus Vinícius Dantas que sempre nos traz bons argumentos para nossas polêmicas municipais, a exemplo de quando a Prefeitura ergueu o monstrengo dos “150 anos de Campina Grande”. A propósito, Marcus Vinícius lançou o livro “Quem te vê não te conhece mais – Arquitetura e transformação na cidade de Campina Grande, 1930-1950” pela Editora da Universidade Federal de Campina Grande. A obra trata das mudanças sofridas pela cidade e como “investidas do poder público e da iniciativa privada romperam com formas anteriores de produção e uso da cidade instaurando novas estéticas...”.


"Tudo tão previsível! Faz anos que estão criando dificuldades para vender facilidades. E é óbvio que já têm a solução. Só precisam melhorar os argumentos para a remoção. Esse do congestionamento, usado para tudo, não se sustenta. Perguntas:
1) Será que o São João de Campina Grande precisa “crescer ainda mais”?

2) Caso sim, esse crescimento precisa ocorrer em que aspectos? Incentivo a quadrilhas, trios de forró, artistas da região, culinária, artesanato, arraiais de bairro e demais manifestações culturais locais? Ou incentivos a mega shows, CAMAROTIZAÇÃO do espaço público e atrações vinculadas às grandes empresas do show business nacional? Não foi exatamente a adesão a essa segunda opção que gerou o dito “estrangulamento” do parque? Porque, para isso, só o infinito resolve a “falta” de espaço.

3) Qual a dimensão pública que a prefeitura imagina para a festa, como manifestação cultural que se tornou um dos traços da identidade local?

4) Vale a pena abrir mão de um lugar que, por anos, recebeu investimentos públicos justamente para a realização desse evento? Com a privatização da festa ocorrida este ano, quem faria os investimentos para a construção de um novo espaço? E o que fariam do Parque do Povo caso deixe de receber o São João? Quais outros interesses existem para aquela região da cidade?

5) Campina Grande não teria outras prioridades para receber a atenção e os recursos públicos?

6) Vale a pena abrir mão da história e das memórias construídas ao longo do tempo no Parque do Povo? O Parque do Povo não é um dos elementos constituintes da identidade do Maior São João do Mundo? Talvez, esteja errado. E o tempo pode me mostrar o contrário. Mas, a partir de hoje, acho que tirar o São João do Parque do Povo é um tiro no pé. Senhor Prefeito, não é só uma questão de “congestionamentos” e quantidade$. Muitas outras questões estão vinculadas”.