quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Os votos não movem moinhos

É preciso entender, de uma vez por todas, que conciliar com partidos de centro direita e com setores das elites não constrói um projeto social e político que promova profundas transformações no país.

Já diziam os Secos & Molhados que ”os ventos do norte não movem moinhos". E não movem mesmo! Os ventos, digo os votos, saídos das urnas não farão os moinhos da esquerda girarem na velocidade desejada. Mas, como o que “importa é não estar vencido”, nos apeguemos às nossas conquistas mesmo que nos pareçam frágeis. Aquele “antigo compositor baiano” segue tendo razão, pois “é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte”.

Confesso minha contradição. Nem deveria falar tanto de eleições, pois as considero tão somente o procedimento democrático que escolhe governantes e legisladores. Mas, nossa cultura política nada democrática costuma vir à tona nas eleições. Então, farei breve avaliação delas e tratarei de perspectivas futuras. Peço-lhe apenas, caro leitor, que não desconsidere que a análise é de momento, pois a política eleitoral, como as nuvens, dança ao sabor do vento.

Jair Bolsonaro é o derrotado das eleições 2020. Onde pôs a mão, seus escolhidos malograram. No 1º turno, dizia não querer se envolver, mas quando o fazia seus candidatos “embicavam” para baixo. Celso Russomano e Wal do Açaí que o digam. Nas pavorosas “lives” do 2º turno, detonou o capital eleitoral de seus seguidores. Ele pediu votos para 13 candidatos a prefeito, mas apenas Gustavo Nunes em Ipatinga (MG) e Mão Santa em Parnaíba (PI) se elegeram. Crivella no Rio e Capitão Wagner em Fortaleza provam como o bolsonarismo pode erodir um projeto eleitoral.

A direita não bolsonarista, mas que se valeu do próprio quando lhe foi conveniente, se saiu bem. Trabalhará para se ver livre de Bolsonaro e ter condições de disputar as eleições de 2022 com alguém palatável ao eleitorado que se encanta com “antipetismo”, Lava Jato, combate a corrupção, etc. Essa tal direita deve dispensar os serviços de seus "bons moços" (Moro\Huck\Dória\Covas\Amoedo) e ter um nome que lhe seja confiável, de “dentro da política”. Como as organizações criminosas, que só confiam em bandidos, os políticos tradicionais preferem os que não rejeitam a política, que não se travestem de novos, apolíticos.

Eduardo Paes, eleito no Rio de Janeiro, disse que o DEM deve “lançar um quadro da política para a eleição de 2022 e que há resistências a Sergio Moro e a Luciano Huck, mesmo que este converse com o DEM”. Dizendo de onde virá o canto da sereia, Paes mostra que seu partido descarta as “novidades”, que quer lançar um nome e que este nome pode ser o seu. ACM Neto, prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, disse que “não vamos apoiar um Bolsonaro dos extremos em 2022”. Desdenhando do bolsonarismo, a direita quatrocentona aponta para uma correção de rumos no sentido de uma volta aos tempos em que PSDB\PFL\PMDB governavam.


A direita venceu em Recife e Porto Alegre, pelo menos, se baseando em “fake News” (inseridas de vez nas campanhas), no discurso racista\machista\misógino, com um conservadorismo reacionário flertando com o fascismo e na mais descarada compra de votos. Despida de qualquer pudor, a direita de São Paulo foi para o 2° turno e venceu. FHC não larga Covas para impedir que bolsonaristas se aproximem. Neoliberais golpistas de 2016 (PSDB, DEM, MDB), extrema direita abrigada em siglas como Republicanos e o “centrão” de sempre governarão 85% dos eleitores dos 5.570 municípios brasileiros. É preciso entender que quem melhor sabe jogar o jogo eleitoral é a direita. Sua maior vitória é quando impõe à esquerda que escolha entre dois dos seus atores políticos como aconteceu em João Pessoa e no Rio de Janeiro. Em São Paulo, a direita venceu jogando nos erros da esquerda que não soube, não quis ou não pode se unir.

Do ponto de vista das vitórias, a esquerda saiu-se mal nessas eleições, mesmo com boas votações em Recife, São Paulo, Vitória e Porto Alegre. Vejamos que ela elegeu prefeitos em 12 cidades de 9 estados diferentes. É muito pouco. O PT precisa entender que não é mais o protagonista da esquerda. Precisa aceitar que o PSOL deixou de ser mero coadjuvante, do contrário Boulos não teria chegado ao 2º turno em São Paulo. É certo que a esquerda mantém alto capital eleitoral, mesmo considerando o comportamento volúvel do eleitor brasileiro. Considero pontual a vitória de Edmilson Rodrigues (PSOL), em Belém, pois ela não prova uma onda de votos à esquerda como nas eleições de 2008 e 2012. A esquerda não saiu em bloco para enfrentar as eleições municipais. Ao contrário da direita, não pensou nos cenários para 2022. Como sempre, o erro foi PT, PSOL e PCdoB se dedicarem às suas questões paroquiais, esquecendo que a luta contra o fascismo\neoliberalismo é diária independente de estarmos ou não em eleições. Resultado? Mais uma vez, a esquerda terminou fazendo o jogo da direita.


Tomemos como exemplo a cidade do Rio de Janeiro onde a esquerda enfrentou o jogo eleitoral esfacelada. A direita se uniu e foi para 2° turno podendo se livrar do bolsonarista de plantão e ainda vencer com um político “mais do mesmo”. A esquerda se viu tendo que escolher entre Paes e Crivella. Muito me incomoda essa situação de ter que escolher entre o “menos ruim”. É preciso entender, de uma vez por todas, que conciliar com partidos de centro direita e com setores das elites não constrói um projeto social e político que promova profundas transformações no país. A esquerda deve, ainda, compreender que a tal frente ampla só beneficia projetos de poder do grande capital. De que adianta compor uma ampla frente política, contra o bolsonarismo, com partidos que participaram do golpe de 2016 e apoiaram Jair Bolsonaro em 2018? A esquerda precisa saber que não é a árvore que tem que amolar o machado.

Ainda tenho que tratar do fator Ciro Gomes e seu comportamento destrutivo em relação a esquerda. Ele sabe que seus 10% não o levarão ao 2º turno em 2022, como não o levaram em 2018. Isso o deixa irado, ressentido, agressivo, invejoso. Ciro segue agredindo o PT e Lula, com os despautérios de sempre, atingindo Boulos com a pecha de radical e dizendo que Flavio Dino está fora da realidade por ter ido votar com uma camisa vermelha escrito “Lula Livre”. Ciro não assimila o golpe de ver Boulos e Dino ocupando o lugar que pensa ser seu.


O que fazer? Sugiro que uma liderança da esquerda dê uma declaração definitiva, dizendo o que Ciro Gomes é e com todas as letras, sem tergiversar. É preciso dizer que ele não é de esquerda, nem de centro esquerda e que o PDT gravita na centro direita. Ideologicamente Ciro nunca se identifica com os valores da esquerda. Politicamente seus interesses estão do centro para a direita. Importa que tudo fique claro. Quando Ciro chama Boulos de radical faz o papel, que a direita lhe atribuí, e que ele quer fazer para se tornar palatável à direita. Deixar as coisas claras é o melhor para se seguir em frente sempre pensando em como fazer para que os ventos possam mover nossos moinhos.


sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O Brasil e sua festiva democracia rachada

Pirro, general grego, disse ao ganhar a Batalha do Ásculo (279 a.C.) que outra vitória daquela e ele estaria perdido. Referia-se ao alto número de soldados mortos e de não ter mais onde recrutá-los. Assim é a democracia brasileira que venceu, mas não levou, a disputa contra a ditadura. Não é que tenha havido renhida disputa entre os dois sistemas. Houve, isto sim, uma pactuação para que civis, da direita, governassem no lugar dos militares. O “pacto da transição” permitiu que José Sarney, fiel aliado dos militares, se tornasse presidente com a morte de Tancredo Neves, ativo político da “oposição consentida”. O que tivemos, na verdade, foi um processo lento de liberalização que nos levou da ditadura militar para este sistema que mescla entulhos autoritários com procedimentos democráticos.

O tropo entulho autoritário serve para demonstrar os obstáculos deixados em nosso ordenamento jurídico que tanto impediram e impedem o assentamento da democracia como a Lei da Anistia, os Artigos 142 e 144 da Constituição Federal, a Lei de Imprensa de 1967 (só declarada inconstitucional em 2009), a Lei de Segurança Nacional (editada na ditadura e usada até hoje), o desmonte parcial do aparato repressivo, etc, etc, etc.

Notem que me refiro ao entorno legalista, mas temos os arranjos institucionais que mantiveram privilégios e prerrogativas de militares, juízes e agentes da administração pública, além de nossa evidente cultura política pretoriana. O fato é que o sentido do autoritarismo, o conteúdo ditatorial, ficou entre nós. Mudaram os formalismos, a substância não. O sociólogo guatemalteco, Bernardo Arévalo, especialista nas relações civil-militar e em segurança, diz que: "temos o hardware da democracia e o software do autoritarismo".

Certo, a pior das democracias é sempre melhor do que a mais eficiente das ditaduras, mas atentemos para as fraquesas de nosso sistema democrático, principalmente por ele não ter forças mínimas para impedir que os que o detestam se elejam e governem. Nossa democracia tem seríssimas deficiências afloradas com as muitas manifestações a partir de 2013, com o golpe de Estado de 2016 e as eleições de 2014, 2018 e 2020. Costuma-se dizer que a democracia brasileira está estabilizada. Lêdo engano! De forma desconectada da realidade, afirma-se que eleição é a “festa da democracia”. A propaganda que a justiça eleitoral faz desinforma, não educa, pois quer nos fazer crer que vivemos numa democracia modelar. O Tribunal Superior Eleitoral e a mídia grande insistem na tese que somos uma democracia consolidada por termos muitas eleições. Essa publicidade despolitizada ignora que nosso povo adora uma eleição, mas não presta atenção ao processo posterior quando os que foram escolhidos nas urnas governam e legislam.

Tratar eleições como um grande show mascara o fato de que elas são tão somente o ato pelo qual escolhemos nossos representantes. Por que depois de tantas eleições, com alternância no poder (condição necessária, mesmo que insuficiente das democracias), seguimos tratando esse momento como algo inusitado? Temos eleições a cada dois anos, mas elas são aguardadas como um cometa que nos visita a cada cem anos. A realidade desmente os incautos que proclamam o que estamos bem distantes de sermos.


Devemos nos inquietar com fatos ocorridos já neste século XXI. Reflitamos sobre os casos de violência (física ou não) contra políticos e sobre o comportamento racista, machista/misógino, homofóbico de candidatos e eleitores nessas eleições de 2020. Apesar de que, apenas num próximo artigo relacionarei as questões identitárias, com o conservadorismo da sociedade brasileira e os resultados das eleições 2020. Por enquanto, quero tratar da presença das Forças Armadas nas ruas nos dias das eleições. Se estamos em uma democracia, os votos é que deveriam assegurar as armas, não o contrário.

Nas eleições municipais de 2008 vimos que, no Rio de Janeiro, traficantes e milicianos tabelaram valores a serem pagos por candidatos que desejassem cabalar votos em seus domínios. A mão-de-obra utilizada pelos candidatos teria que ser contratada na própria comunidade para a colocação de faixas, placas e adesivos. Candidatos a vereador, com parcos recursos, pagavam para que moradores (os “gatos placa”), responsáveis pelas placas de candidatos mais ricos, vigiassem também o seu painel. "Gato placa" vem de "gato-net", furto de sinal de TV a cabo, uma variação do "gato", furto de energia elétrica.

Esses “serviços” são “fornecidos” pelos que controlam as comunidades. Na falta de instituições formais eficientes que provenham segurança e assegurem direitos e deveres do cidadão surgem as instituições informais, procedimentos fora do aparelho de Estado que, mediante resultados eficazes, cumprem o papel que deveria ser do próprio Estado.

Como a polícia (militarizada pela ditadura e pela própria Constituição de 1988) não garante segurança nos processos eleitorais, até porque seu envolvimento neles tem sido de outra ordem, convoca-se o Exército pelo entendimento, equivocado, dele ser a única instituição capaz de manter a ordem e a paz social e política. Na época, a declaração do ministro Carlos Ayres Brito, então presidente do TSE, foi de uma sinceridade acachapante. Admitindo a quebra do Estado de Direito, assim justificou a convocação do Exército: "esses grupos querem o poder, se apoderam da coletividade periférica e tentam impor o curral fechado. Se a justiça permitir que atuem livremente, será o mesmo que rendição”.

Como numa guerra, para evitar que a sociedade se renda a um inimigo bem mais poderoso, clama-se pelas Forças Armadas que, sabemos, não tem treinamento adequado para atividades de segurança pública. Alegando a necessidade de se garantir a circulação de candidatos, tropas federais ocuparam várias comunidades da cidade do Rio de Janeiro em várias eleições nas duas primeiras décadas deste século. Para que um procedimento democrático (eleição) pudesse ocorrer foi preciso o uso do poder armado. Um preço nada barato para uma democracia claudicante que sobrevive sob os efeitos de uma Constituição que, se avançou no quesito direito social, se mantém aferrada aos tempos da ditadura com a presença de entulhos autoritários como os artigos 142 e 144. O Estado de direito no Brasil é tão frágil que precisa das Forças Armadas para garantir direitos básicos do cidadão, como o de ir e vir e o de expressar opiniões.

Citei o caso do Rio de Janeiro, em 2008, mas bem que poderia trazer vários outros exemplos de eleições da primeira década deste século nas grandes capitais e em cidades de médio porte. Recordo de sair para votar, em Campina Grande (PB), nas eleições de 2004 e 2008 e ver soldados do Exército, perfilados próximos as sessões eleitorais, com roupas de combate, pintura camuflada nos rostos, armados de fuzil. Lembro, ainda, de o meu filho, pequeno na época, me perguntar se o Brasil estava indo para uma guerra.


Em 2020 a “festa da democracia” teve pesado custo. Aqui no Brasil 247 vimos uma matéria, com dados do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (RJ), dando conta que nas campanhas para as eleições municipais teve um político assassinado a cada três dias. As organizações não-governamentais Terra de Direitos e Justiça Global mostraram que houve um ataque a vida de políticos a cada treze dias. As ONGs consolidaram dados diversos entre janeiro de 2016 e setembro de 2020 e mapearam exatos 327 casos de violência contra políticos. As eleições municipais no Brasil mais parecem uma disputa por territórios do que propriamente um processo de escolha democrático.

Vejamos, por exemplo, que em 09\11 o candidato a vereador por Guarulhos (SP), Ricardo de Moura (PL), foi baleado no ombro e nas pernas. O crime ocorreu quando ele fazia uma transmissão, pela internet, de um lugar público. A impressão é que se queria “avisar” a Ricardo para ele não fazer campanha naquele local. Já no 2º turno, o dirigente do PSOL, Anselmo Pires, foi alvo de atentado a tiros enquanto participava de uma atividade da campanha de Elói Pietá (PT), candidato a prefeito, não por acaso de Guarulhos. Em 24\09 o candidato a vereador em Patrocínio (MG), Cássio Remis (PSDB), foi assassinado a tiros quando fazia uma “live” denunciando os desmandos da prefeitura. O assassino foi o irmão do prefeito e secretário de obras da cidade, Jorge Marra. Em 10\11, Klaus Lima (PSB), candidato a prefeito de Escada (PE) foi também baleado. No mesmo dia, a candidata a vice-prefeita de Belém (PA), Patrícia Queiroz (PSC), teve sua casa atingida por tiros. Temos, então, candidatos defendendo a violência como solução para a violência. Esta é a prática da extrema direita que governa o país e quer estender seus tentáculos Brasil afora.

O Grupo de Investigação Eleitoral (GIEL), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, levantou que neste período eleitoral 25 candidatos foram assassinados. O GIEL mostra um padrão de regularidade, pois tivemos 23 candidatos mortos nas eleições de 2016, 16 nas de 2012 e 25 nas campanhas de 2008. É por esse estado de coisas que o coordenador do GIEL, Felipe Borba, diz que a “violência eleitoral afeta da livre escolha dos eleitores à oferta de candidatos e à atuação parlamentar”. Assim, os processos não são fiadores únicos de uma pretensa democracia consolidada. Nossa “festa da democracia” mais se parece com uma carnificina. Consideremos, ainda, que nas eleições locais explode a violência perpetrada pelas famílias que fazem do poder público seu negócio particular, hereditário.

Recuperei o "Economist Intelligence Unit’s Index of Democracy - 2008" - um índice, compilado pelo Economist britânico, que avalia a qualidade da democracia em 165 países. O índice de 2008 confirmou tendência global no processo estacionário de desenvolvimento das democracias após a década de 1990 quando haviam se expandido. A edição 2008 comparou seus resultados com a de 2006 e viu um padrão dominante de estagnação, mesmo que a tendência de regressão só tenha se dado com a extrema direita subindo ao poder nos anos 2010. São os casos de Viktor Orbán (Hungria, 2010); do Partido Popular Dinamarquês e do Partido Popular Suíço em 2015; de Mateusz Morawiecki (Polônia), Rodrigo Duterte (Filipinas), Recep Erdogan (Turquia), Donald Trump (EUA) - eleitos em 2016; e Sebastian Kurz (Áustria, 2017) e Jair Bolsonaro (Brasil, 2018).

O Índex considera cinco variáveis: 1) processo eleitoral e pluralismo; 2) liberdades civis; 3) funcionamento do governo; 4) participação política; 5) cultura política. Os países são classificados em quatro tipos de regimes: democracia consolidada; democracia falha ou rachada (pela tradução literal); regime híbrido; regime autoritário. Não por acaso, o Brasil aparece como democracia rachada, algo que contraria a ideia de consolidação democrática, na edição 2008. Colocaria o Brasil entre as colunas dos regimes híbridos, pois mesclamos procedimentos democráticos com entulhos autoritários, e dos regimes ditatoriais.


O cientista político norte-americano Scott Mainwaring, em um antigo artigo intitulado “Classificando Regimes Políticos na América Latina”, define que democracia é o regime político que (1) promove eleições competitivas, livres e limpas para legislativo e executivo; (2) pressupõe cidadania adulta e abrangente; (3) protege liberdades civis e direitos políticos; (4) governos eleitos de fato governam e militares estão sob controle civil. Sugiro, ao caro leitor, que verifique (empiricamente) se uma dessas quatro condições existem de fato em nosso sistema político. Se com muita boa vontade encontrar uma delas, mesmo que de forma procedural, como formalismo, não como substância, significa que não podemos afirmar que somos uma democracia, mesmo que ainda se possa questionar se já vivemos numa ditadura. Como Pirro, que logrou ganhar batalhas contra as legiões romanas, mas a um preço tal que o fez questionar a validade das vitórias, temos que repensar a “festa da democracia” eleitoral brasileira, se ela vale o quanto pesa.


sábado, 14 de novembro de 2020

 Uma esquerda que a direita gosta

Mais um artigo publicado no www.brasil247.com.br onde trato, dentre outras coisas, onde peço para que reflitamos de como reverter a realidade que nos arrasta para mais uma ditadura, além disso reafirmo que deve-se entender que eleição é condição necessária, porém insuficiente para se ter democracia.

Como assim?! Existe uma esquerda que a direita gosta?! Logo essa direita brucutu que odeia com suas extremadas forças a esquerda verde-amarela, digo vermelha? Se ela não gosta dos liberais, a la FHC, o que dirá dos “esquerdopatas”? Mas, que sinistra seria essa que a destra gosta?

Dizia Darcy Ribeiro, exagerando é bem verdade, que o “PT é a esquerda que a direita gosta”. Luiz Carlos Prestes dizia que a esquerda “não luta pelo fim da desigualdade por crer num capitalismo bonzinho, sem contradições”. Fosse eu destro não desgostaria dessa esquerda simpática a burguesia. Hoje, parte da esquerda tupiniquim desistiu de lutar pelo socialismo, se é que tentou, por achar ser possível humanizar o capitalismo. Poderia seguir sendo gostada pela direita? Sim, se esta não fosse tão bronca a ponto de não aceitar nem ao menos políticas públicas, que geram crescimento e desenvolvimento, sempre nos marcos do capitalismo, nunca do socialismo. 

Alguns fazem o jogo da direita rústica. Por interesses, estratégicas, táticas, ou seja lá pelo que for, são os que nas eleições (municipais, por exemplo) maximizam lucros e minimizam perdas ao evitar alianças com os que lhes são próximos. São os “puros de alma”, cheios de boas intenções, sempre abertos ao diálogo com Deus e o diabo, não importando se na terra do sol, da lua ou de Marte. Desde as eleições de 2018, com a vitória da direita extremosa, que se fala do comportamento egoísta de uns propiciando a derrota de Fernando Haddad e da esquerda. Poderíamos ter melhor sorte se Marina Silva, sempre esquiva, tivesse deixado de lado seus paradoxos e se aliado a Haddad. Tivesse Ciro Gomes, curado de seu orgulho de “cabra macho”, ido ao ato no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que antecedeu a prisão de Lula, e tudo poderia ser diferente.

É fato Lula queria uma chapa com Ciro candidato a presidente e Haddad vice. Mas, Ciro rejeitou, lançou chapa com a senhora do agronegócio, Katia Abreu, e, não satisfeito, abriu fogo contra o candidato fascista e contra Haddad como se ambos fossem iguais e ele diferente e melhor que todos. Ciro não tirou votos do candidato miliciano, pois seu eleitorado era consciente para não votar no fascismo, mas um tanto quanto ingênuo em acreditar que o PT era o “mal maior” a se combater. Não sei por que motivos, mas Ciro e Marina foram, sim, a “esquerda” que a direita gosta.

Mangabeira Unger, que nunca foi mentor de Ciro Gomes que se basta a si mesmo, afirmou que “ele perdeu por arrogância ao recusar aliança com o PT (...) abrir mão do cacife eleitoral de Lula foi gesto de arrogância mortal”. Unger, coordenador da campanha do PDT em 2018, confirmou que foi oferecido a Ciro ser o vice na chapa do PT, para que assumisse a candidatura quando Lula fosse impedido. Ciro, consciente de que a direita gosta de seu papel, recusou. Com sua prisão, Lula entendeu que precisava mudar a estratégia e que urgia minimizar o protagonismo do PT. Ciro entendeu a estratégia, mas errou na tática ao rejeitar o cacife eleitoral de Lula. Ciro, tão dono de si, teve medo de ser teleguiado pelo lulismo. Perdeu ele, perdemos todos!

Mas, o que fazer para não ser essa “esquerda que a direita gosta”? Como reverter a realidade que nos arrasta para mais uma ditadura? Deve-se entender que eleição é condição necessária, porém insuficiente para se ter democracia. Ela não é o fim único que orienta todos os meios. Ela é tão somente uma forma de se chegar ao poder político. Se até o presidente/miliciano conseguiu entender isso, o que falta a esquerda para mudar suas táticas e estratégias?

Notas de repúdio não nos servem, nunca serviram! Manifestações de rua não são um fim em si mesmas. Elas servem para mostrar a insatisfação social e importam para que se possa, por exemplo, impedir golpes de Estado. As manifestações são uma via de mão dupla, pois a mãe de todos os paradoxos no Brasil, hoje, é se utilizar a liberdade de expressão para justamente pedir o fim da democracia. Se vamos às ruas gritar FORA PRESIDENTE!, mas ele continua dentro, algo não está funcionando bem. Lutar é preciso, sempre, mas a luta tem que ser feita de uma forma que incomode aquele que nos oprime, pois se ele segue sobrevivendo às manifestações alguma coisa que está sendo feita pela esquerda anda agradando a direita.

 A frente ampla que não amplia

O recente encontro entre Luciano Huck e Sérgio Moro, movimento da direita golpista que se pretende civilizada e que aponta para as eleições de 2022, fez a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, descartar de antemão qualquer possibilidade de uma frente ampla de várias forças (de direita, centro e esquerda) para enfrentar Bolsonaro em 2022. Gleisi desancou a aliança Huck\Moro: “É a junção da Lata Velha com a Lava Jato". A mídia, que integra o conglomerado golpista de sempre, deu destaque para o tal encontro supondo ser esta a solução para o imbróglio, que ela mesma se meteu desde que apoiou o golpe de Estado de 2016 e a candidatura de Bolsonaro em 2018.

Vendo os porta-vozes da mídia grande, falando em frente ampla, lembrei do imprescindível Leonel Brizola que dizia para sempre desconfiarmos das intenções da Rede Globo, mesmo “quando ela está sendo boazinha”. Lembrei disso naquele dia que baixou um “santo democrático” na “vênus platinada”. Foi quando a Globo, que reconhecidamente defendeu o golpe civil-militar de 1964 e a ditadura militar, a mesma Globo que apoiou o golpe de 2016 e que promoveu a Lava Jato, teve a pachorra de lançar uma "frente ampla" contra Bolsonaro.

Os irmãos Marinho puseram Miriam Leitão lá na Globo News, num debate com três arautos da democracia liberal: Marina Silva, Ciro Gomes e FHC. A ideia era promover uma “frente ampla” contra Bolsonaro e a favor da democracia, que essa gente tanto despreza. Gleisi Hoffmann, sempre ela, disse que foi “a nata do antipetismo entrevistada pela campeã do mercado”. E foi desse jeito mesmo! Além da desfaçatez de ver a árvore defender o machado, "esqueceram” de chamar Fernando Haddad, do PT, e\ou Guilherme Boulos, do PSOL - legítimos representantes da esquerda que lutou e luta contra a ascensão do fascismo. E é preciso lembrar que Haddad não foi para Paris, após a derrota no 2º turno da eleição em 2018, ele ficou aqui e enfrentou os inimigos da democracia.

Considerando o resultado do 1º turno de 2018, essa gente não tem legitimidade para liderar uma frente ampla articulada por uma emissora habituada a apoiar golpes. Ciro, Marina e Alckmin tiveram, juntos, 18,23% dos votos válidos, enquanto só Haddad teve 29,28%. Qual a representatividade de uma frente ampla que junta alhos e bagulhos? Por que as frentes amplas da Rede Globo não dão espaço para a esquerda? Se a proposta é ser contra Bolsonaro porque os que o enfrentam de verdade não são chamados? Tinha mesmo razão o velho Brizola, é para se desconfiar!

Notas de repúdio que dão em nada, e lembrei dos manifestos escritos entre a FIESP e o Instituto FHC que dizem para “deixar de lado velhas disputas”  . Lutar por vida, democracia, igualdade e liberdade é disputa velha? Falam que esquerda e direita devem ser unir pelo bem comum. Mas, qual? O do povo ou o da elite, pois o que existe mesmo são as classes sociais e seus interesses. Porque divulgar manifestos assinados por Luciano Huck, FHC, Lobão, Alice Setubal (do Banco Itaú) e toda a gente que se "solidarizou" com Aécio Neves, quando ele se recusou aceitar o resultado das urnas de 2014, que apoiou o golpe de 2016, que votou em Bolsonaro em 2018 “para tirar o PT”?

Estranho ver essa gente “preocupada com a democracia brasileira”, quando em 2019 silenciou ante a escalada fascista. “Deixar de lado as diferenças e lutar pelo bem comum” termina sempre do mesmo jeito, com a esquerda sendo reprimida, presa, torturada e morta. Para tirar a esquerda, que fazia reformas e promovia desenvolvimento social, do poder essa gente promoveu um golpe de Estado, com direito a Lava Jato, e elegeu um fascista. Mas, para tirar esse fascista do poder lançam “manifesto em defesa da democracia”. Estranho, não?! Não posso “assinar” manifestos junto com a direita pois é ela que sempre dá os golpes de Estado no Brasil. Não votei em Haddad, em 2018, para agora me juntar com os que votaram em Bolsonaro. É uma questão de coerência política e ideológica! É uma questão de resistência e, por que não, de sobrevivência!



quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Mas, afinal, qual a novidade sobre o golpe de 2016?

Mas, afinal, qual a novidade sobre o golpe de 2016?

Esse artigo acabou de ser publicado no Site do Brasil 24Nele comento o fato de Michel Temer admitir, em livro, sua participação na articulação do golpe de 2016, que depôs Dilma Rousseff, e aproveito para lançar uma definição, breve, sobre o que são os Golpes de Estado. 5 de novembro de 2020, 16:06 h



Michel Temer lançou, em livro, coletânea de entrevistas concedidas a Denis Rosenfield, uma espécie de Diogo Mainardi com alguma produção intelectual. O livro parte da falsa premissa de que Temer, na presidência, teria um legado a oferecer ao país. “A Escolha, como um presidente conseguiu superar grave crise e apresentar uma agenda para o Brasil" traz, já em seu título, uma meia-verdade ao supor que Temer se portou como um estadista e não como um dos articuladores do golpe de Estado que depôs Dilma Rousseff.

Talvez para defender sua chamuscada biografia, Temer até admite que fez parte da conspiração civil-militar que apeou Dilma da presidência, mesmo que não use essas palavras. O Brasil 247 mostrou que Temer conspirou com militares para derrubar Dilma e relatou encontros do ainda vice-presidente com o comandante do Exército, Gal. Eduardo Villas Boas, e o chefe do Estado Maior, Gal. Sérgio Etchegoyen. Na verdade, os encontros, ocorridos entre 2015 e 2016, eram reuniões onde se planejava a operação que deporia Dilma.

Temer fala das opiniões dos militares contrários ao PT e a continuidade da esquerda no poder. Rosenfield mostra que uma das razões (a principal, a meu ver) para os chefes militares quererem a saída de Dilma foi a criação e atuação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), as tentativas de fazer mudanças, ou mesmo extinguir, a Lei da Anistia e os avanços democráticos promovidos pelos governos do PT na área dos direitos humanos. Inclusive, sabíamos todos que os militares receavam que o PT promovesse mudanças na estrutura interna das Forças Armadas, principalmente no tocante a forma dos oficiais acessarem o generalato e a formação dos militares nas academias.

Mas, afinal, qual a novidade? Pois, até os pombos da Praça dos Três Poderes, em Brasília, sabiam daquelas reuniões no Palácio do Jaburu entre 2015 e 2016. Sabiam quem as frequentava e porque, sabiam do que se tratava e, claro, sabiam da real possibilidade de termos mais um golpe de Estado. E já é hora de, mesmo que brevemente, explicar o que é um golpe de Estado, antes que alguém queira discutir se, em 2016, tivemos um golpe ou um impeachment. Veja a definição e tire suas próprias conclusões.

Um conceito eficaz de golpe de Estado deve apontar claramente 1) os protagonistas do golpe, 2) os meios excepcionais que caracterizam a ação golpista e 3) os fins desejados que racionalizam a ação golpista. Golpe de Estado é um ato de conquista do poder político, através do desmonte do governo, e se realiza, em geral, com o apoio das Forças Armadas. O golpe é a manifestação da vontade real de uma estrutura que nem sempre aceita ou concorda com a opinião pública manifestada, por exemplo, nas urnas. Os casos da UDN, entre as décadas de 1940 e 1960, e do PSDB recentemente são exemplos dessa “má vontade” para com as incertezas geradas pelo uso dos procedimentos democráticos eleitorais. O cientista político, Edward Luttwak, afirma, em “Coup d'État: A Practical” que o “golpe pode ser conduzido ‘de fora’ e opera na área externa do governo, mas dentro do Estado, que é formada pelo funcionalismo público permanente, pelas Forças Armadas e a polícia”.

Na Guerra Fria, os golpes de Estado se davam pela derrubada violenta de um governo. Hoje, eles são promovidos pelo poder legislativo e/ou judiciário e por uma combinação de grupos e facções. No Brasil, se formou um conglomerado golpista para apear do poder uma presidenta eleita democraticamente. Nunca tivemos um golpe de Estado “puro sangue”. Jamais tivemos um golpe apenas civil ou somente militar, pois eles se dão sempre com o apoio e articulação de setores da sociedade e com a força das armas militares. Em geral, são os civis que começam as articulações para só então baterem às portas dos quarteis. Os encontros entre Temer e os generais são claros exemplos desse modus operandis golpista.

Certo, os militares se incomodaram com as tentativas da presidenta Dilma em revolver nosso passado ditatorial. Por isso tentaram limitar o papel da CNV que, claro, era blindado pela ação da Lei da Anistia. Cabe lembrar que os governos de Sarney, Collor, Itamar, FHC e Lula sequer tentaram rever a Lei da Anistia, sempre muito bem protegida por nossa mentalidade pretoriana, Dilma é a exceção. Foi por isso que, por exemplo, não se aceitou uma Ação Civil Pública, movida em outubro de 2008 pelo Ministério Público Federal (em São Paulo), contra a União e os ex-comandantes do DOI-CODI, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel. Na época, o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, afirmou que “a Lei da Anistia é irreversível porque implica tornar não criminosos atos criminosos”.

A crise que levou os militares à ação golpista se iniciou quando Dilma Rousseff propôs rever a Lei da Anistia criando a CNV em 2011. Como se sabe, a Comissão investigou violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 e, sim, atingiu o aparato repressivo, desfeito parcialmente com o fim da ditadura militar. O cientista político e jornalista Antônio Espinosa disse que: “Dilma começou a cair quando propôs um ajuste de contas com a velha ditadura”.

Na época da CNV, o dilema se apresentou: “de que adianta saber a verdade, se não sabemos bem o que com ela fazer?”. O que faríamos com as verdades descobertas pela CNV? Puniríamos os que perseguiram, prenderam, torturam, mataram em nome de um Estado militarizado, mesmo que fossem protegidos pela Lei da Anistia? Michel Temer e os generais não quiseram pagar para ver. 


segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Não seja esquerdista, seja de esquerda!

 PT, PCdoB, PSB e PSTU dariam valorosa contribuição à luta contra a extrema direita, e em defesa da democracia, se retirassem suas candidaturas em favor da chapa BOULOS\ERUNDINA (PSOL) na disputa pela prefeitura de São Paulo. É uma questão matemática, basta ver as pesquisas. Consideremos que o paulistano parece querer um 2º turno entre a direita e a esquerda e que Celso Russomanno (Republicanos) aterrissou de seu costumeiro voo eleitoral de galinha. Candidaturas como a de Joice Hasselmann (PSL), Arthur “Mamãe Falei” do Val (Patriota) e Levy Fidelix (PRTB) seguem contribuindo para o show de horrores que é a participação da extrema direita no processo eleitoral. Agora, não cabe discutir o quê, nem porque, querem cada um desses partidos de esquerda. Seus interesses mais comezinhos devem ficar para quando não mais estivermos sendo ameaçados pelos projetos ditatoriais da extrema direita. Trata-se, isto sim, de como eles podem, e devem, mais contribuir na luta contra o fascismo. 

Lênin dizia que a esquerda precisava curar-se de sua doença infantil, o esquerdismo, e criticava a 2ª Internacional por não ter compreendido os fundamentos da teoria e da tática bolcheviques. Ele atacava a esquerda europeia que, ao vacilar no apoio à revolução russa, favoreceu os que lutavam contra os bolcheviques. Dito de outra forma, chegou aquele momento em que a esquerda precisa se unir, antes que seja tarde! Agora, nossa luta é a do povo boliviano (veja postagem anterior Bolívia, vamos a volver!) que viu na eleição uma forma de enfrentar a direita golpista, aliada aos EUA. Devemos nos inspirar nos chilenos que incansavelmente vão às ruas, a quase dois anos, lutar pela democracia e contra medidas neoliberais, da direita no poder, que erodiram sua economia. 

No domingo (25\10) os chilenos deram seu ‘apruebo’ à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte (ANC). O Serviço Eleitoral do Chile mostra que 78,27% quer não só um novo ordenamento jurídico como pôr fim a constituição pinochetista vigente. Apenas 21,73 rechaçou a proposta, num universo de 13 milhões de eleitores. Lembro que Pinochet só deixou o Palácio de La Moneda após aprovar uma Constituição que, dentre outras coisas, o tornou senador vitalício. Algo parecido com o caso dos militares brasileiros que só largaram o governo depois da aprovação da Lei da Anistia e de vários outros dispositivos jurídicos. É este entulho autoritário que o Chile está varrendo de seu sistema político.

Os chilenos aprovaram bem mais do que uma simples troca de procedimentos democráticos. Além de convocarem uma ANC, vão escolher seus deputados constituintes, pois a proposta do atual parlamento fazer a nova lei máxima foi recusada. Os atuais detentores de cargos eletivos não poderão concorrer às eleições para formar a ANC, que terá que ser 100% exclusiva, e com paridade de gênero, metade homens e metade mulheres. Ainda se definiu que a nova Constituição será submetida a outro plebiscito. É o povo do Chile dando lições de como se exercer uma democracia realmente participativa. De volta ao quiproquó eleitoral da esquerda, Edmilson Rodrigues (PSOL), em Belém, e Luizianne Lins (PT), em Fortaleza, lideram as pesquisas. Em Porto Alegre, Manuela d'Ávila (PC do B) ganha para quem quer seja no 2º turno. Boulos (com 14%) é o único da esquerda com chances de ir ao 2º turno em São Paulo. Márcio França (PSB) com 10%, Jilmar Tatto (PT) com 4%, Orlando Silva (PC do B) e Vera Lúcia (PSTU) cada um com 1%, devem escolher entre ver a esquerda naufragar no 1º turno ou ir para o 2º com chances de vitória. Foi sintomático ver Boulos dizendo “por que vou ter o PT como adversário? Lula não é meu adversário, existe um trabalho para a união de forças” enquanto concedia entrevista ao Jornal O Estado de São Paulo. Boulos afirmou que os "projetos bolsonarista e tucano estão destruindo o País". Eliane Cantanhêde, jornalista íntima do grã-tucanato paulista, não gostou e retaliou questionando sobre a conveniência de Lula apoiar Boulos. A resposta foi um escarnio: “Vocês têm obsessão com o PT. Quem governa o Brasil é Bolsonaro”.

Ascânio Sêleme (Globo), que defendeu "perdão ao PT, mas não a Lula", voltou a falar da natimorta "frente ampla" contra Bolsonaro, insistindo que Lula não deve participar. Claro, com Lula, a "frente ampla" se torna uma frente popular do tamanho do território brasileiro. Como diria Paulo Henrique Amorim, Ascânio é cão raivoso do PIG, Partido da Imprensa Golpista, sempre a serviço da aliança neoliberal\fascista. Ascânio ficou nervoso por Rui Costa Pimenta (PCO) defender os direitos políticos de Lula e a união da esquerda. O “conglomerado golpista” se contorce em cólicas só de pensar numa esquerda unida! Importa que o PSB saia de sua zona de conforto. Em João Pessoa, quer que o PT apoie a candidatura de Ricardo Coutinho, com chances de ir ao 2º turno. Deveria, então, apoiar Boulos em São Paulo. Essa eleição poderia nos interessar bem mais não tivéssemos na extrema direita um adversário comum e extremamente perigoso. Ao dar tanta importância a uma simples eleição, se perde a noção do que importa. A esquerda brasileira ainda não entendeu que eleições são condição necessária, porém insuficiente das democracias. 

Leonardo Boff lembra que o PT tem poucas chances em São Paulo (eu diria, nenhuma) e que "seria gesto político generoso e amigo dos pobres apoiar Boulos". Falando para Lula, disse se tratar de "vencer o bolsonarismo e salvar a dignidade política do Brasil. Faça-o e milhões o apoiarão". Em outra postagem, Boff afirmou que : “Lula e o PT ganharão em respeitabilidade se apoiarem Boulos\Erundina e mostrariam de fato que amam mais as causas do povo que o próprio partido. O partido é parte, o povo é todo. Deve-se buscar sempre o que é melhor para o povo. Boulos e Erundina representam o melhor”. Eis a hora de Lula mostrar o grande estadista que de fato é. Apoiar quem tem chance real de ganhar importa para que possamos em 2022 vencer a aliança neoliberal\fascista e voltarmos ao caminho que trilhávamos até o golpe de Estado de 2016.

 Outubro/2020

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

BOLÍVIA - VAMOS A VOLVER!

Lucho Arce do Movimento Ao Socialismo (MAS) está eleito, em 1º turno, presidente da Bolívia com 53% dos votos. Isso mostra a força popular do MAS mesmo com o golpe de estado que derrubou Evo Morales em novembro de 2019, com as intervenções dos EUA e a violência patrocinada pela extrema direita boliviana. Como gato escaldado tem medo de água fria, o MAS espera a divulgação do resultado oficial para comemorar. Arce disse apenas que “recuperamos a democracia e a esperança”. É que setores antidemocráticos, dentro e fora da Bolívia, tentarão todos os meios para impedir a volta do MAS ao poder. Mesmo assim, o chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, disse: “a lição que o povo boliviano deu em defesa de sua autodeterminação e democracia perdurará em nosso continente”

A presidenta golpista Jeanine Áñez admitiu a derrota, parabenizou Arce, e pediu que ele "governe pensando na Bolívia e na democracia", coisa que ela mesma nunca fez. Carlos Mesa, da direita neoliberal (uma espécie de FHC da Bolívia) que apoiou o golpe de 2019, e ficou em 2º lugar na eleição com quase 31% dos votos, reconheceu a derrota e disse que seu partido, Comunidad Cidadã, será (SIC) “a cabeça da oposição”. Fernando Camacho (o Bolsonaro da Bolívia) ficou em 3º lugar, com 14% dos votos. Fascista, católico fundamentalista, tosco e violento, ele chorou com a derrota. Próximo de Ernesto Araújo, chanceler brasileiro, e da direita chucra dos EUA, Camacho foi aquele que invadiu o Palácio do Governo da Bolívia após o golpe de 2019 com um fuzil numa mão e a Bíblia na outra. O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, reconheceu a vitória do MAS e falou, também, em defesa da democracia. Significa dizer quer os EUA admitem a derrota, pelo menos por enquanto. A OEA que apoiou o golpe contra Evo Morales, agora reconhece a vitória do MAS. Estranho, não?! Assim, é preciso ponderar, pois a extrema direita não deve aquiescer, ela não assistirá passivamente a Bolívia tomar o rumo da Venezuela ou mesmo o de Cuba.

O resultado oficial da eleição ainda não saiu, mesmo que se saiba que Arce foi eleito, de acordo com o “escrutínio rápido” feito por empresas privadas. Mas, algo há! Jeanine Áñez, Carlos Mesa, Luis Almagro (OEA) e o Departamento de Estado dos EUA admitiram a vitória do MAS. Teriam tão rapidamente assimilado a derrota? O Partido da Imprensa Golpista (PIG) do Brasil, como diria o jornalista Paulo Henrique Amorim, já trata Arce como presidente. É isso que está esquisito! O conglomerado golpista latino americano, comandado pelos EUA, não estaria aceitando tudo muito facilmente? O que estaria por trás disso?

Certo, a vitória de Arce é acachapante e isso torna uma reação muito mais difícil. A organização popular na Bolívia existe, ao contrário do Brasil, e de fato o povo boliviano está disposto a garantir, nas ruas, a decisão que tomou nas urnas. Além disso, o MAS conquistou, na eleição de domingo passado, 19 das 36 cadeiras da Câmara Alta (Senado) do Legislativo boliviano. Ao que tudo indica, os estadunidenses deixaram a Bolívia em segundo plano por causa de sua própria eleição e do fato de estarem à beira de uma guerra civil. Agora, os EUA só olham para seu umbigo, por isso “reconheceram” a vitória de Arce e parecem ter ordenado seus asseclas latino americanos fazerem o mesmo. Mas, não nos iludamos, tão logo resolvam seu imbróglio, vão voltar a agir como a "polícia do mundo". Eles juraram a Bolívia!

Lembro o que disse Elon Musk, CEO da TESLA, fabricante de carros elétricos na California: "Vamos dar golpes em quem quisermos. Lide com isso" . Os EUA e o grande capital (Vale do Silício, principalmente) querem o lítio boliviano, metal alcalino usado na produção de pilhas e baterias. No poder, o MAS significará a nacionalização do petróleo, do gás e de recursos minerais e garantirá ao povo deter suas riquezas e seus direitos. E isso os EUA e o capital transnacional não querem de maneira alguma.


A vitória de Arce pode ser o reinício de uma contra-ofensiva da esquerda latino-americana. Temos a resistência do povo venezuelano e cubano e as lutas populares no Chile e na Colômbia, além dos governos progressistas do México e da Argentina. São sinais auspiciosos na tentativa de se pôr um freio na atual onda golpista da extrema direita fascista comandada pelos EUA.

A esquerda brasileira tem que entender seu papel geopolítico neste contexto, pois o caminho que toma o Brasil importa sempre a América Latina. Por hora, vale as palavras de Arce, pois sua vitória nos enche de esperança e de ânimo para a luta que ainda precisamos empreender, pois dias de glórias só virão com dias de lutas.

Outubro\2020