sexta-feira, 28 de novembro de 2014

MISÉRIA É MISÉRIA EM QUALQUER CANTO

Em dezembro de 2012, a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, veio à Paraíba tentar nos convencer que a seca que enfrentávamos não era grave e muito menos séria. Foi uma visita desastrosa. A ministra tentou minimizar o sofrimento das populações nordestinas, atingidas pela seca. Como se isso fosse possível. Naquele momento, dizia ela: “Apesar desta ser uma das maiores secas dos últimos tempos, o povo não está passando fome”. Pior do que negar a realidade nua e crua que víamos foi afirmar que “o povo nordestino não está passando fome, graças às ações empreendidas pelo governo federal”. A ministra Campello parece mesmo sofrer de incontinência verbal.

Ao que parece ela não costuma elaborar seus discursos. Padece do pecado de querer falar de improviso, para mostrar desenvoltura intelectual. Pois, não é que agora, ela saiu-se com outra dessas pérolas na vã tentativa de encobrir a realidade? Na quarta-feira, a ministra participava de uma sessão da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados quando afirmou que o aumento da taxa de miseráveis no Brasil está dentro da margem de erro. Ela disse que em 2013 essa taxa foi de 3.6%. Este ano, teremos 4% dos brasileiros no nível da miséria social. Mas, isso não parece ser problema para a ministra. Ao embalar dados sociais, num recipiente economicista, ela reafirma sua insensibilidade social.

Para a ministra não temos com que nos preocupar, pois o aumento da taxa de miseráveis está dentro da margem de erro. Pior, foi ela dizer que isso não passa de uma flutuação dentro da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad do IBGE. Ela afirmou que a proporção dos que são extremamente pobres segue uma tendência de queda no país e que isso será comprovado no ano que vem, quando forem divulgados os resultados da Pnad/2014. Mas, de onde foi que a ministra Campello tirou isso? Onde foi que ela viu essa tendência de queda? Foi ela mesma que citou a tendência, baixa, diga-se de passagem, de crescimento. Foi à própria ministra que mostrou que houve um crescimento de quase 0.5% dos que são miseravelmente pobres.
É nisso que dá colocar uma economista para cuidar de uma questão social como o combate a fome. Essa frieza numérica, diante de um quadro de pobreza, ajuda em quê? Seria na manipulação dos dados para mascarar a realidade? Dizer que a margem de erro da Pnad é de 0.22%, para mais ou para menos, no cálculo do índice de miseráveis, é a mesma coisa do candidato que comemora estar em 2º lugar, dentro da margem de erro, mesmo que saiba que vai perder a eleição.

A ministra diz que a variação de 0.4%, entre 2013 e 2014, estaria absolutamente dentro da margem de erro e não representaria reversão na trajetória de queda da pobreza extrema. Será que com isso a ministra fica tranquila e até dorme bem? A tirar pela forma como a ministra transforma a tragédia nacional da fome, da miséria e da seca em dados frios, quantificáveis, chego a pensar que ela não tem a menor ideia do que acontece neste país que insiste em não erradicar a pobreza extrema. Como ministra do governo federal, a estratégia dela é a de não negar os problemas ao mesmo tempo em que tenta minimizá-los. 


Vejam que ela afirmou que: “Eu gostaria de defender que a pobreza e a pobreza extrema continuam numa tendência de queda”. Mais adiante ela disse: “Achamos que é uma flutuação estatística e flutuação é normal numa pesquisa amostral. Independente da altura da régua, há um comportamento de queda sistemático e permanente”.  O deputado Mendonça Filho (PE), presente à sessão, não se convenceu com a explicação de que a miséria continuaria em queda e pôs o dedo na ferida do governo. Disse ele: “a tese que a senhora apresenta, torturando os dados, foge à realidade”. O deputado lembrou um artifício usado pelos governos que é puxar pra baixo a linha oficial de miséria. Para o governo, está na extrema pobreza quem sobrevive com menos de R$ 77 mensais, daí aparecer um número bem pequeno de miseráveis.

Em 2012, a ministra disse que “as pessoas estão passando necessidade, estão sofrendo muito, mas a gente não vive a fome como viveu em outras situações”. O discurso dela é tautológico, repetitivo. Ela admite, para logo em seguida minimizar. A ministra diz que as pessoas têm necessidades, mas não passam fome. Diz que a miséria aumentou, mas que isso é uma questão de flutuação. O que ela não entende é que flutuação e margem de erro são nada perto da fome, da seca e da miséria. A ministra deveria ouvir aquela música do Titãs que diz: “Miséria é miséria em qualquer canto/ Riquezas são diferentes/ Miséria é miséria em qualquer canto/ Fracos, doentes, aflitos, carentes/ Riquezas são diferentes”.

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quinta-feira, 27 de novembro de 2014

PORQUE POLITICO NÃO VIVE SEM FUTEBOL?

No livro “O futebol explica o Brasil” o jornalista e historiador Marcos Gutterman afirma que “o futebol não é um mundo a parte, não é uma espécie de Brasil paralelo, pelo contrário, ele é uma construção histórica e social de nosso país”. O futebol é parte indissociável dos desdobramentos da vida política e econômica brasileira. Gutterman afirma, no que eu concordo, que se bem lido, bem entendido, o futebol consegue explicar o Brasil. É que a relação entre futebol e política é de dependência mútua e de reciprocidade. A obsessão em ter o “melhor futebol do mundo” foi sempre uma demanda do nosso povo e da elite politica e econômica brasileira para que pudesse se manter no poder.

O futebol foi o carro chefe de um projeto de afirmação nacional desde a década de 30. A Copa do Mundo de 1950, no Brasil, prova isso. A Copa de 1970, quando o Brasil foi tricampeão, era, para o governo militar, um sintoma de nossas imensas possibilidades. Na Copa deste ano a ideia era essa. Muito se sonhou com o Brasil hexa campeão para que reafirmássemos nosso orgulho, perante o mundo, e para que projetos políticos fossem viabilizados. Mas, faltou combinar com os russos, digo, com os alemães. O futebol foi sempre um instrumento para viabilizar projetos políticos em nível nacional, tanto na ditadura como na democracia. Mas, disseminado pelo Brasil, o futebol se tornou um dos mecanismos de afirmação dos poderes locais e regionais.

É isso que vejo, agora mesmo, acompanhando a disputa que grupos políticos, da pequena e heroica Paraíba, travam em torno da presidência da Federação Paraibana de Futebol, conhecida por sua sigla FPF.  O envolvimento direto de Ricardo Coutinho e Cássio Cunha Lima no processo diz muito do que vem a ser esta eleição. O governador quer colocar um irmão seu na presidência da FPF. Já o senador quer um fiel, quase canino, aliado seu à frente da entidade. Ricardo e Cássio não desceram do palanque. Eles vão disputar, como dois gladiadores, todo e qualquer espaço de poder que for possível. Se for ter eleição para síndico do seu prédio, caro ouvinte, vá atrás que as chapas estarão, de alguma forma, ligadas a eles.

A disputa para a FPF é politica e muito se parece com eleições para prefeito das pequenas cidades da Paraíba. Acontece de tudo, inclusive a descarada compra e venda de votos ou a troca de favores na base do “é dando que se recebe”. O presidente da FPF tem inserção direta sobre os times de futebol e, consequentemente, sobre suas torcidas formadas, claro, por eleitores. Estar à frente de uma federação estadual de futebol pode ser a porta, ou a janela, de entrada para a política partidária.

Nesta disputa temos algo pitoresco, apesar de legal, pois está artigo 22 do Estatuto da FPF. É uma norma que torna a eleição risível, grotesca, ridícula, em que pese expressar os interesses, nada esportivos, presentes no processo. Esta tal norma diz que: “será declarado nulo o pedido de registro de candidatura apresentado por entidade filiada que já tenha assinado outra petição solicitando registro de chapa, anteriormente protocolizado na Federação”. Confuso, não? Mas, a ideia é que seja assim mesmo, túrbido, obscuro, desordenado, para dar margem a muitas interpretações. Eu vou tentar explicar. É que cada chapa inscrita tem que apresentar uma lista com a assinatura de pelo menos 10 votantes do processo.

Cada um dos votantes só assina uma única lista. Ele só pode declarar apoio a uma candidatura. Mas, isso é a mãe de todas as obviedades, das mais irritantes que se pode ter na face da terra. Por que colocar tamanha baboseira num estatuto? O que essa gente da FPF pensa que somos? Um bando de toupeiras galopantes que não atentam para a explícita manipulação que se tenta fazer do processo? É lógico que um votante só pode votar em uma única chapa. A intensão aqui é encabrestar os votos adquiridos mediante acordos nem um pouco esportivos e nada republicanos. Para tornar tudo um pastelão, os representantes das chapas acamparam, literalmente, à frente da FPF desde as primeiras horas do dia.
 Capa da revista Der Spiegel destaca a Copa no Brasil, com manchete alarmista: 'Morte e futebol'
Se um votante assinar duas listas fica valendo à primeira. Vejam que processo viciado. Bastará contar as assinaturas de cada lista, de cada chapa, para vermos quem levou a eleição. Nem precisa contar os votos, que não são secretos, por causa das tais listas. Rosilene Gomes, que só saiu da FPF por força de uma decisão judicial, quer eleger sua chapa para que a Federação siga sendo sua cidadela. Ela disse que a FPF não é lugar para torcedores. É que os maiores times da Paraíba tem lá suas candidaturas. Pois é, D. Rosilene, concordo com a senhora, torcedores não devem estar na FPF. Lugar de torcedor é nas arquibancadas dos estádios, assim como jogadores devem ficar nos gramados. Locais estes que, dirigente e políticos, deveriam ficar bem longe.

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quarta-feira, 26 de novembro de 2014

PORQUE NOSSAS LEIS NÃO PEGAM?

Certa vez eu estava num encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, em Belo Horizonte, e fui assistir um debate onde se discutia a maneira errática que nós brasileiros temos de lidar com a lei. Os debatedores tratavam dessa questão, tão nossa, de que tem lei que pega e lei que não pega. Muitos presentes ao debate, inclusive eu, ironizávamos esse nosso jeito, nem um pouco republicano, de lidar com o instrumento que nos daria alguma civilidade. Foi quando uma professora, de um curso de Direito de algum país de língua espanhola da América do Sul, se dirigiu aos debatedores e perguntou num portunhol confuso: “Como assim? Porque vocês aprovam leis se não estam dispostos a obedecê-las?”.

Ninguém conseguiu responder, ou explicar, esse paradoxo político, tão próprio de uma sociedade que se acostumou a lidar com as leis de forma instrumentalizada. Só cumprimos a lei quando ela nos favorece, do contrário a ignoramos classicamente. Alguém disse que a professora de direito fez uma pergunta ingênua, pois, afinal de contas, o Brasil é assim mesmo, tem muita coisa que não se explica. De fato, vivemos selecionando, aqui e ali, as leis que vamos respeitar e as que vamos ignorar. É comum vermos parlamentares, no guia eleitoral, se auto intitulando campeões em apresentação de projetos de lei. Mas, entre apresentar a minuta de uma lei e esta vir a ser aprovada em plenário e sancionada pelo governo vai uma distância siberiana.

Não adianta transformar belos projetos em leis reluzentes se elas não forem efetivas, eficazes, abrangentes e, claro, vigentes. A primeira coisa é que a lei tem que adentrar no ordenamento jurídico do Estado, só assim ela tem vigor. A Reforma Política será sempre um belo projeto, um sonho dourado para alguns ou um enorme fardo para outros, enquanto não for inserida em nossa Constituição. Por isso que muitos, como eu, falam em revisão constitucional ao invés de Reforma Política.

Já a eficácia da lei se refere à maneira como a vigência da norma produz efeitos. Aqui, importa perceber a eficácia social, a aplicação prática da lei. Um bom exemplo é quanto ao uso do cinto de segurança que foi uma lei que, literalmente, pegou. Mas, o que importa é sabermos, como e porque, uma lei vigente, e com eficácia comprovada, não consegue ter efetividade. Porque temos leis que não são capazes de causar efeito sobre o cidadão, que não se relacionam com sua realidade? A lei que obrigava motoristas andarem com um kit de primeiros socorros em seus carros é um exemplo de lei que não pegou, que não teve efetividade. É que ela foi feita para favorecer o fabricante dos kits que doara dinheiro para campanhas eleitorais.

A Assembleia Legislativa da Paraíba é, historicamente, pródiga em criar leis que, mesmo vigentes, não são eficazes e muito menos efetivas. Em quase 180 anos de história, o parlamento estadual já criou mais de 10 mil leis. Nossos deputados estaduais são especialistas em criar leis sem serventia. O caro ouvinte sabe que a lei 10.246/2014 instituiu o “05 de outubro” como o Dia Estadual da Democracia? Não? Pudera, isso nunca foi divulgado. Mas, vejam que lei pomposa! O deputado Anísio Maia teve essa brilhante ideia porque foi neste dia que as constituições federal e estadual foram promulgadas. Para que mesmo precisamos ter um dia dedicado à democracia?  Será que é porque sempre esquecemos que vivemos numa?

E o que dizer da lei 6.597/1998, de autoria da ex-deputada Francisca Motta, que instituiu a “Semana Estadual da Cidadania”? Mesma coisa. Se somos cidadãos, temos que vivenciar a cidadania diariamente. Porque ter apenas uma semana dedicada a ela? A lei 10.220/2013, do deputado Caio Roberto, diz que instituições de ensino devem entregar diplomas num prazo de 60 dias. O que se espera de uma instituição de ensino séria é que ela conceda seus diplomas. Se isso não acontecer, o concluinte vai ao PROCON ou ao Ministério Público. Assim, não precisa da lei do deputado. Na Paraíba, temos quase 300 leis para garantir direitos e proteger crianças, adolescentes, mulheres, idosos, portadores de necessidades especiais. Mas, para que tantas leis? Não bastaria se cobrar a efetividade do artigo 5º da Constituição Federal?

Aquele mesmo que diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade...”. Bem melhor do que ter muitas leis, é fazer as mais relevantes funcionarem. Os deputados dizem que as leis são pouco efetivas, porque a população não as conhece. Sim, não se pode exigir o cumprimento daquilo que não se sabe. Mas, não adianta produzir leis no atacado se elas não atentam para nossa realidade no varejo. Se ter leis em grande quantidade fosse garantia de alguma coisa, seríamos a sociedade mais democrática e desenvolvida do mundo. Este não é nosso problema. A questão é que temos leis de mais e vontade de segui-las de menos.

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terça-feira, 25 de novembro de 2014

SÃO 73 RÉUS COM ANEL DE DOUTOR

Quando a banda de rock Paralamas do Sucesso lançou, em 1995, a música “Luís Inácio/300 Picaretas", deputados e senadores da época ficaram revoltados e até tentaram proibir a veiculação da música, composta por Herbert Vianna. Herbert se referia ao fato de Lula ter afirmado que havia, no Congresso Nacional, “300 picaretas com anel de doutor” e falava dos "Anões do Orçamento". Tentaram silenciar os Paralamas do Sucesso, e até processá-los, pela óbvia constatação, nada mais do que isso. Neste rap, com tons de baião, Herbert dizia: “Eu me vali deste discurso panfletário/ Mas minha burrice faz aniversário/ Ao permitir que num país como o Brasil/ Ainda se obrigue a votar por qualquer trocado/ Por um par se sapatos, um saco de farinha”.

Eu também me sinto burro por ter que falar em algo tão óbvio, tão repetitivo. Não sei exatamente quantos picaretas temos, neste momento, com anel de doutor no Congresso Nacional. Mas, não devem ser poucos pelas notícias que vemos. Durante as eleições, o site Congresso em Foco, que acompanha o dia-a-dia do Congresso Nacional, mostrou que um em cada dez deputados federais, candidatos à reeleição, enfrentavam ações criminais no Supremo Tribunal Federal (STF). Agora o mesmo o Congresso em Foco deu que dos quase 300 deputados e senadores, que renovaram seus mandatos nas urnas em outubro, 73 parlamentares estam respondendo a acusações criminais no STF.

Ou seja, tivemos vários políticos que puderam ser candidatos mesmo aparecendo como réus no STF. Pior, essa gente, que tem status jurídico de “possuidores de culpa”, por terem cometido crimes e delitos, receberam anistia dos eleitores nas urnas. O menu criminal dos parlamentares é longo e variado. Tem congressista respondendo por fraude eleitoral, corrupção em atos licitatórios, formação de quadrilha e associação para o tráfico, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e até trabalho escravo. Se esses parlamentares de ficha suja e folha corrida não tivessem sido reeleitos continuariam respondendo às acusações, que lhes são impostas, mas não mais no STF. É que o representante do povo tem essa regalia de só ser julgado na Suprema Corte.
 
Ser reeleito é a garantia que o deputado/réu tem que a condução de seu processo lhe será favorável. Não ser reeleito é decretar sua sentença, pois sem os privilégios ele se tornará um cidadão comum, como eu e você, que pode ser alcançado pelo braço lei. Vejamos o caso do deputado Marco Tebaldi do PSDB-SC. Ele é processado por crime de responsabilidade, falsidade ideológica e em licitações. Ele é réu no STF desde 2011, como fica matando o tempo na Câmara dos Deputados não irá mesmo a julgamento. Beto Mansur, do PRB-SP, foi reeleito pela 4ª vez consecutiva com mais de 31 mil votos. O ex-prefeito de Santos continuará segurando, no STF, o processo em que é réu por ter mantido 46 pessoas em condição análogas à de escravo em duas fazendas de Goiás.

O STF termina se tornando uma espécie de abrigo para essa gente acostumada a burlar a lei. E é para lá que irão, também, os imbróglios dos que foram eleitos pela primeira vez, mas que já possuem delitos e crimes em suas contas. Aliás, esta é uma estratégia do crime organizado. O sujeito está sendo processado e se mete a adquirir, mediante contrato de compra e venda de votos, um mandato eletivo na Câmara Federal para ir se defender no STF. Como isso se resolveria? Elementar! Bastaria a justiça impedir que esses criminosos contumazes fossem candidatos ou, então, poderíamos barra-los nas urnas. Seria tudo mais simples se não elegêssemos essa gente com anel de doutor, donos de extensas fichas criminais.

Como diria Herbert Vianna nossa “burrice faz aniversário”, pois nenhum dos partidos terá uma bancada maior do que a dos 73 parlamentares réus no STF. As duas maiores bancadas, em 2015, serão a do PT com 70 deputados e a do PMDB com 66. Estes 73 parlamentares vão sempre votar, em plenário, contras as tentativas de mudar essa realidade. Claro, vão contar com o obsequioso silêncio e o corporativismo criminoso de seus pares, que não estam sendo processados, mas que podem vir a ser. Não é a toa que a Comissão de Constituição e Justiça, do Senado, aprovou um Projeto de Lei que impede que partidos sejam punidos por irregularidades, em suas contas de campanha, que não forem julgadas pela Justiça Eleitoral num prazo de quatro anos.

Dessa forma, os partidos poderão cometer crimes eleitorais sabendo que não serão processados. Isso é o que chamo de auto benevolência. No Congresso se trabalha incansavelmente para que partidos e políticos à margem da lei não sejam punidos. É por isso que não teremos uma reforma politica até 2020, pelo menos. É por isso que os Paralamas do Sucesso já diziam em 1995: “Parabéns, coronéis, vocês venceram outra vez / O congresso continua a serviço de você”.

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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

JANE ALVES E O COMPLEXO DA COR DA PELE

Certa vez, o Jornal Nacional apresentava uma reportagem sobre a questão racial no Brasil. Uma Fátima Bernardes sorridente dizia que, ao contrário dos EUA, não existem, no Brasil, registros de conflitos raciais sangrentos. Tentando validar a ideia, ou o mito, de que somos uma democracia racial, a reportagem mostrava conflitos entre negros e brancos nos EUA e falava dos “Panteras Negras”, aquele grupo que pregava a resistência armada contra a opressão sofrida pelos negros. O Jornal Nacional mostrava brasileiros de diferentes raças conversando alegremente. A câmera se voltava para Fátima Bernardes para que ela dissesse, aliviada, que enquanto o preconceito racial dos americanos só aumentava, o nosso diminuía a cada dia.

O argumento era que os negros brasileiros ocupavam cada vez mais cargos públicos e privados e que até já existia uma revista de moda dedicada à raça negra. Pasmem! O Jornal Nacional esqueceu a histórica luta do Quilombo dos Palmares contra a escravidão. O jornalismo global parecia desconhecer os conflitos gerados pela perseguição do Estado brasileiro aos que se manifestavam, através do Candomblé e da Umbanda, na Bahia e em outros estados, na primeira metade do século XX. É por isso que sempre tenho ao alcance da mão, em aulas de História do Brasil, a obra “Raízes do Brasil”, onde Sérgio B. de Holanda ironiza a mal afamada passividade de nosso povo que, mesmo tiranizado, agiria de forma cordial para com seus opressores.
 
O racismo nos EUA é explícito. Lá, ainda existem aqueles restaurantes divididos em 3 pavimentos para que negros, brancos e hispânicos não se misturem.  Imagine o que uma brasileira, de pele negra e cabelo e olhos claros, faria para comer num local desses? Já nós, preferimos pensar que, por aqui, não existe esse tipo de pré-conceito. Aqui mesmo, no Nordeste, é comum se achar que só existe racismo lá pelo sul do país. Mas, eis que a realidade vem sempre nos tirar de nossa zona de conforto. Recentemente, dois agentes de Trânsito do DETRAN do Ceará receberam cartas, com xingamentos e ofensas racistas, após rebocarem carros que estavam estacionados em locais proibidos. A suspeita de ter escrito as cartas é Jane Cordeiro Alves.

Revoltada por ter seu veículo rebocado, ela foi à sede do DETRAN para entregar três cartas, todas de conteúdo racista. Pobre Jane, ao invés de fazer sua defesa para retirar a multa, que lhe foi aplicada, preferiu gerar prova contra si mesma. Numa das cartas, Jane Alves diz: “Vou me referir ao da cor da noite sem estrelas, que dirigia o reboque: hoje tu vive como gente, convivendo com gente, por causa da maldita princesa Isabel”. Coitada, além de tudo, Jane desconhece o processo histórico. E ela continua: “hoje, tu viveria no tronco, levando chicotada (...) tem inveja de mim porque sou branca. Se tivesse vivendo na época dos meus bisavós (que eram senhores portugueses, donos de escravos) estaria lambendo o chão que eu piso”.

O que mais me assusta é a possibilidade de haverem muitos (e muitas) “Jane Alves”, espalhados por aí, compartilhando dessa mentalidade escatológica. Claro, Jane deverá responder por crime de injúria, racismo e desacato. Mas, eu tenho uma sugestão. Não acho que Jane deveria ser presa. Penso que a melhor punição para ela seria limpar o chão por onde aqueles, que ela xingou, passam todos os dias. Não sei se seria educativo, mas, com certeza, seria a melhor punição que ela merece e precisa. Esse fato não é isolado, ele não é exceção. Ele é a regra na ponta do iceberg, pois somos criados, educados, para reproduzir essa visão racista, ao mesmo tempo em que desenvolvemos os tais jeitinhos para conviver com o que nos desagrada.

Lembro-me de uma professora, do ensino fundamental aqui mesmo em Campina Grande, que foi repreendida pelos pais de seus alunos, e pela direção de sua escola, por ter pedido às crianças para refazerem um trabalho sobre a questão da cor da pele. Numa tarefa, as crianças deveriam pintar bonecos com a cor da pele. Todas pintaram com cores bem claras, inclusive 3 crianças negras que lá estudavam. A educadora agiu para mostrar que não existe uma única cor de pele. Foi repreendida e quase demitida. Dione do Nascimento, estudante do curso de Pedagogia da UFPB, constatou que 92% das crianças que estudam no ensino fundamental, da rede pública do Estado da Paraíba, apresentam um comportamento racista. A pesquisa foi algo bem simples.

Apresentava-se uma boneca branca e outra negra às crianças. 92% delas, independente da cor de pele, escolheram a boneca branca. Porca miséria essa nossa. Não nos consideramos racistas, mas agimos como tal o tempo todo. Se tivéssemos feito uma revolução para acabar com a escravidão, hoje não agiríamos como Jane Alves, que em seus delírios se vê herdeira de senhores escravagistas. Esse é o nosso problema, somos pacíficos demais, cordiais demais e conscientes de menos.

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sexta-feira, 21 de novembro de 2014

RICARDO ENTRE DOIS SENHORES

Não é novidade para ninguém que o Legislativo brasileiro funciona mal e porcamente nos períodos eleitorais. Mas, o que poucos parecem saber é que, terminadas as eleições 2014, a Assembleia Legislativa da Paraíba está praticamente parada. Vejam que 20 Propostas de Emenda Constitucional (PEC) podem ser arquivadas se não forem apreciadas e votadas, nas Comissões e no Plenário, até o final dessa legislatura que, por sinal, está bem próxima de terminar. As Comissões estam esvaziadas. Se elas não atuam, não tem votação no plenário. Assim, as PECs devem ser arquivadas sabe-se lá até quando. É que os deputados só pensam na eleição do presidente da Assembleia para os biênios 2015/16 e 2017/18.

Como assim? Vão formar duas Mesas Diretoras em uma única eleição? Farão um acordo para o mesmo grupo dirigir a Assembleia pelos próximos 4 anos? Em Condições Normais de Temperatura e Pressão isso não seria possível, mas em se tratando da Paraíba surpresas e novidades são comuns.  Ricardo Coutinho trabalha para formar uma sólida base governista na Assembleia, além de ter uma mesa diretora comandada pelos aliados adquiridos na eleição. Mas, o governo atua num campo minado. É que seus novos aliados não se contentam apenas com a terra, eles querem o céu, o mar e os planetas mais próximos do sol. Ricardo está tendo que aprender a lidar com seus novos aliados que até pouco tempo eram seus adversários.

Ele aprendeu, na dura sorte, a lidar com PMDB e PT lhe fazendo oposição. Agora precisa se acostumar com o fato de que estes partidos só são aliados enquanto são compensados, agradados, reconfortados pelas benesses do governo. Aliás, quem tem o PMDB de José Maranhão e os vários PTs paraibanos como aliados ainda precisa de algum adversário? PT e PMDB subiram ao rinque para decidir, numa luta de incontáveis assaltos, quem foi mais decisivo para a reeleição de Ricardo. Charliton Medeiros, presidente do PT-PB, diz que seu partido aderiu ao governador num momento de fragilidade e isolamento e que a aliança deu o fôlego que Ricardo precisava para chegar ao 2º turno. O que o PT quer é superfaturar seu apoio.

Charliton lembra que o PT uniu-se a Ricardo na época das vacas magras quando o governador patinava nas pesquisas. Ato continuo ele afirma que o PMDB só se juntou ao PSB quando a diferença para Cássio Cunha Lima era a do empate técnico.  O PMDB ignora isso e só quer vingança, já que nunca aceitou o fato do PT não ter se aliado a ele no 1º turno. Para o PMDB basta, a título de estimada fatura, lembrar a Ricardo que ele só se elegeu graças aqueles 100 mil votos que Vital Fº lhe transferiu. O PMDB se mostra como parteiro do 2º governo de Ricardo. PT e PMDB cobram reciprocidade do PSB para as eleições municipais de 2016. O PT, claro, quer apoio incondicional a reeleição do prefeito Luciano Cartaxo.

O PMDB quer Ricardo em seu palanque na disputa para a prefeitura de Campina Grande. Mas, Ricardo deve querer que o PSB tenha candidaturas próprias na capital e no 2º maior colégio eleitoral da Paraíba. Eis uma boa razão para as futuras brigas. O PMDB já resolveu suas arestas. O clima de caça às bruxas que Venezinao tentou implantar não decolou. José Maranhão já perdoou os dissidentes, que apoiaram a candidatura do PSDB, e estes já se colocaram em seu devido lugar. Maranhão é o cobrador das faturas do PMDB. O senador eleito vive pela imprensa dizendo que espera que o governador dê uma participação compatível ao tamanho e a importância do PMDB. Vindo de quem vem, isso soa mais como uma ameaça.

PSB e PMDB estam mais articulados, talvez por não acreditarem que o PT vá superar suas diferenças. Enquanto o PT perde tempo com suas infindáveis confusões, PSB e PMDB se afinaram e já possuem um acordo, que mais parece um pacto de sangue. O fato é que eles celebraram o seguinte: no biênio 2015/2016 o PSB presidiria a Assembleia e o PMDB ficaria com a 1ª secretaria da Mesa diretora. Em 2017/2018 as posições se inverteriam. O que o PMDB leva de vantagem nisso, além dos cargos, claro? No 2º biênio, o PMDB presidiria a Assembleia e teria o vice-governador, se considerarmos que Ricardo Coutinho renunciaria em 2018 para se candidatar ao senado. A vice-governadora Ligia Feliciano assumiria o governo e o PMDB a vice.

Por isso a ideia de fazer duas eleições no mesmo dia, já em fevereiro de 2015. Eu só não chamo isso de golpe, porque ainda teríamos que esperar a movimentação da oposição, que tem seu candidato para presidir a Assembleia e que não está morta. O plano é perfeito, mas faltou combinar com os russos do PT que, claro, não estam felizes com esse tratado, ou seria uma convenção? Mas, o cálculo do governador é frio, racional. O PMDB elegeu 4 deputados estaduais e tem, pelos menos, 4 suplentes. O PMDB tem mais de 100 prefeitos pela Paraíba afora e elegeu 3 deputados federais, além dos dois senadores da República. É um capital eleitoral e tanto. Pensando bem, é melhor mesmo tê-lo como aliado, apesar da superfaturada conta a se pagar.
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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

O QUE VAMOS FAZER COM A VERDADE?

Eu já tratei algumas vezes, aqui mesmo no POLITICANDO, da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e das questões levantadas sobre nosso passado ditatorial. Lembro-me de sempre perguntar o que, afinal, faríamos com as verdades descobertas. Questionei como lidaríamos com as informações levantadas pelas audiências públicas realizadas pela CNV. Essas audiências ouviram pessoas perseguidas pelo regime militar e agentes públicos a serviço do Estado autoritário. Numa delas, o Tenente-Coronel Paulo Malhães detalhou o processo de torturas que levou o deputado Rubens Paiva a morte. Conhecido no submundo da tortura como Doutor Pablo, Malhães disse como e onde o corpo de Paiva foi ocultado.  

Malhães contou que usava a “Casa da Morte”, em Petrópolis (RJ), para torturar presos como forma de torna-los informantes dos órgãos de repressão. Depois disso, ele foi assassinado no dia 25 de abril passado numa nítida ação de “queima de arquivo”. Noutra audiência, a CNV foi a Recife acompanhar a visita de ex-presos políticos às instalações da Delegacia da Ordem Política e Social (DOPS-PE) e do Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-CODI. Os ex-presos políticos Marcelo Mesel, Alanir Cardoso, Lilia Gondim e José Adeildo não só reconheceram os locais onde foram barbaramente torturados como descreveram situações de extrema humilhação ao enfrentarem a dor física e mental.

Eu não vou relatar aqui como os torturadores agiam. Não acho interessante exemplificar a que ponto chegou a brutalidade e a bestialidade desses homens que, a serviço do Estado, prendiam, torturavam, matavam e ocultavam corpos. Mas, se você quer ter estes relatos pode ir, por exemplo, no www.cnv.gov.br. Lá tem a íntegra das audiências feitas, que não foram gravadas apenas para que no futuro, como agora, ninguém possa ainda dizer que não sabia das atrocidades cometidas. Aliás, os dois jornalistas que andam pedindo a volta do regime militar, num programa de uma emissora de rádio da Paraíba, deveriam assistir as audiências. Já que eles vão mesmo defender tamanha asneira, pelo menos que o façam de forma consciente.

Para eles, eu diria que existe uma diferença entre ditadura e democracia. É que na democracia, o cidadão tem o direito de se expressar até para pedir intervenção militar. Já na ditadura, se alguém pede democracia, pode ser preso, torturado e até assassinado. A CNV não tem poder de polícia, como não é instância judiciária. Ela foi criada, pela presidência da República, através da Lei 12.528/2011 e foi instituída em 16/05/2012 para apurar graves violações aos Direitos Humanos ocorridas entre 1946 e 1988. Sem papel coercitivo, a CNV vai repassar ao governo e a justiça federal tudo que documentou. A ideia é colaborar, nos processos judiciais, que parte da sociedade espera que sejam instalados contra os que cometerem crimes tidos como de lesa humanidade.

No dia 10/12, a CNV entregará à presidente Dilma o relatório de suas atividades com a recomendação para que se responsabilize criminalmente cerca de 100 militares, que ainda estão vivos, e que violaram os direitos humanos durante a ditadura. A CNV cumpriu este papel limitado até porque não havia amparo legal para que agisse de outra maneira. Com alguns equívocos, levantou e comprovou, as informações que dão conta que o Regime Militar tinha a tortura como uma politica de Estado. Numa entrevista concedida ao programa "Poder e Política", do UOL, o coordenador da CNV, Pedro Dallari, disse que “esse é o desfecho, a decorrência natural das apurações feitas, de um trabalho que durou 3 anos”.

Dallari disse que a responsabilização é necessária, mas como isto vai ser feito, se vai ser feito, é algo que caberá ao Ministério Público e aos três poderes constituídos do país. Aí é que entra a questão de não sabermos o que fazer com a verdade. Dallari lembra que a responsabilização penal de torturadores esbarra na Lei de Anistia, em sua reinterpretação, modificação ou mesmo em sua extinção. A questão é: como puniremos os torturadores se eles foram anistiados, perdoados, por lei? Poderemos enquadrar, com os rigores da lei, estes homens que torturam e mataram os adversários do regime militar? Não, não poderemos, pois passamos uma borracha, chamada Lei da Anistia, em nossa triste e suja história política recente.

A Lei da Anistia perdoou a todos indistintamente. Existe um pacto informal para que não passemos do estágio de levantar verdades. Assim a CNV atende bem ao primeiro estágio, de sabermos o que de fato aconteceu, mas nada poderá fazer daí em diante. O que se espera é que a publicação do relatório da CNV dê os argumentos, a partir de casos concretos, para que o Supremo Tribunal Federal aceite analisar a Lei da Anistia seja para revê-la, seja para extingui-la. Espera-se, também, que o mesmo governo que criou a CNV tenha altivez suficiente para bancar, perante os outros poderes e a própria sociedade, a ideia de que chegou a hora de enfrentar todas as nossas verdades por mais dolorosas que elas sejam.

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