Em “Homenagem ao
Malandro” Chico Buarque diz: “Eu fui fazer um samba em homenagem/ À nata da
malandragem/ Que conheço de outros carnavais/ Eu fui à Lapa e perdi a viagem/ Que
aquela tal malandragem/ Não existe mais”. Chico fala de como o capitalismo mudou
o Rio de Janeiro.
Fui ao Parque do Povo,
que conheço de outros São Joões, e perdi a viagem, pois aquele tal forró não
existe mais. Eu fui ao Parque do Povo e sai de lá triste, pois não temos mais o
“São João” e nem o “Forródromo”! O parque não mais pertence ao povo. A
Prefeitura Municipal de Campina Grande vendeu, alugou, terceirizou ou seja lá qual
foi a transação que permitiu que uma empresa montasse uma casa de shows fechada
no lugar do arraial que tínhamos. Isso é muito grave! O São João é patrimônio
imaterial do povo brasileiro. Ninguém pode adulterá-lo dessa forma arrogante
visando unicamente atender interesses particulares.
Um amigo me enviou
este cartaz com os eventos juninos da antiga casa de shows “Forrock” que havia em
Campina Grande. No “Forrock” assisti shows memoráveis de Elba Ramalha, Zé
Ramalho, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Fagner, Gal
Costa. Teve um show inesquecível de Ray Conniff e The Platters e teve dois
shows de Chico Buarque – um deles foi em 1989 quando votamos para presidente pela
primeira vez depois da Ditadura Militar.
Quando vejo este
cartaz com shows que já tivemos o que é tristeza se torna raiva, indignação. Revolto-me
em saber que já tivemos Alceu Valença, Genival Lacerda, Assisão, Sivuca, Alcimar
Monteiro, Flavio José, Luiz Gonzaga e Gonzaguinha, Nando Cordel, Zé Calixto,
Abdias e que hoje nos resta o lixo expelido pelo mercado da música. Sempre se
poderá dizer que muitos desses já morreram. Mas, aqui falo bem mais da tradição
e da cultura do que de nomes específicos.
Alcymar Monteiro, um
herói da resistência forrozeira, disse que a música da sertaneja Marília
Mendonça é “breganejo e porcaria”. É que Elba Ramalho, Chambinho do Acordeon e
Joquinha Gonzaga lançaram a campanha “Devolva meu São João” criticando as
festas juninas terem muito mais música sertaneja do que forró pé-de-serra. Marília
Mendonça provocou a campanha num show em Caruaru dizendo que “vai ter sertanejo
porque o povo quer”.
Alcymar lembrou que nordestinos
sentem uma dor imensa pelos crimes que fazem com nossa cultura, como uma
pornográfica versão de Asa Branca feita por um funkeiro. Se nossos forrozeiros
não são chamados para cantar na “Festa do Peão de Barretos” porque deveríamos
trazer a tal da “sofrência” para cá? Mas, o alvo das criticas não deve ser apenas
os cantores sertanejos, mas sim quem os contrata. As prefeituras de tantas
cidades nordestinas abusam do expediente de contratar atrações “da moda” sob a
fajuta tese de que o “povo gosta”. E aqui entramos na seara da relação
promiscua entre prefeituras e as tais “bandas de forró”.
Eu vivi a época do “Forrock”
e ela foi muito boa! Bem vivi o tempo em que o “Forródromo” era um grande
arraial. Íamos para o Parque do Povo, que era de fato do povo não de uma
empresa que determina até o que se bebe e se come, para dançar forró, para nos divertirmos,
para “brincar o São João” como diziam os mais velhos.
Tinha festa junina
em vários locais da cidade, não havia essa centralização autoritária em torno
de um evento fechado. Não tinha essa fuleiragem de “palco 360°” que não gira ou
de cerca em volta do “Forródromo” como se fôssemos gado num curral. Nessa época
padre não era celebridade e não fazia shows midiáticos disfarçados de romaria. Não
havia inúmeras duplas sertanejas poluindo o ar com suas vozes insuportavelmente
estridentes. Também não tinha funkeiros, cantores safados e safadões falando
putaria a noite inteira.
Enfim, eu sou do
tempo que tinha São João. Eu sou do tempo que nossa cultura e tradições eram
respeitadas pelo poder público e que os prefeitos de Campina Grande não ousavam
passar por cima da "autoridade" de Santo Antônio, São João e São
Pedro. Por isso é que grito a plenos pulmões: “DEVOLVAM MEU SÃO JOÃO!”.