Confesso minha contradição. Nem deveria falar tanto de eleições,
pois as considero tão somente o procedimento democrático que escolhe
governantes e legisladores. Mas, nossa cultura política nada democrática
costuma vir à tona nas eleições. Então, farei breve avaliação delas e tratarei
de perspectivas futuras. Peço-lhe apenas, caro leitor, que não desconsidere que
a análise é de momento, pois a política eleitoral, como as nuvens, dança ao
sabor do vento.
Jair Bolsonaro é o derrotado das eleições 2020. Onde pôs a mão,
seus escolhidos malograram. No 1º turno, dizia não querer se envolver, mas
quando o fazia seus candidatos “embicavam” para baixo. Celso Russomano e Wal do
Açaí que o digam. Nas pavorosas “lives” do 2º turno, detonou o capital
eleitoral de seus seguidores. Ele pediu votos para 13 candidatos a prefeito,
mas apenas Gustavo Nunes em Ipatinga (MG) e Mão Santa em Parnaíba (PI) se
elegeram. Crivella no Rio e Capitão Wagner em Fortaleza provam como o
bolsonarismo pode erodir um projeto eleitoral.
A direita não bolsonarista, mas que se valeu do próprio quando lhe
foi conveniente, se saiu bem. Trabalhará para se ver livre de Bolsonaro e ter
condições de disputar as eleições de 2022 com alguém palatável ao eleitorado
que se encanta com “antipetismo”, Lava Jato, combate a corrupção, etc. Essa tal
direita deve dispensar os serviços de seus "bons moços"
(Moro\Huck\Dória\Covas\Amoedo) e ter um nome que lhe seja confiável, de “dentro
da política”. Como as organizações criminosas, que só confiam em bandidos, os
políticos tradicionais preferem os que não rejeitam a política, que não se
travestem de novos, apolíticos.
Eduardo Paes, eleito no Rio de Janeiro, disse que o DEM deve
“lançar um quadro da política para a eleição de 2022 e que há resistências a
Sergio Moro e a Luciano Huck, mesmo que este converse com o DEM”. Dizendo de
onde virá o canto da sereia, Paes mostra que seu partido descarta as
“novidades”, que quer lançar um nome e que este nome pode ser o seu. ACM Neto,
prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM, disse que “não vamos apoiar
um Bolsonaro dos extremos em 2022”. Desdenhando do bolsonarismo, a direita
quatrocentona aponta para uma correção de rumos no sentido de uma volta aos
tempos em que PSDB\PFL\PMDB governavam.
Do ponto de vista das vitórias, a esquerda saiu-se mal nessas
eleições, mesmo com boas votações em Recife, São Paulo, Vitória e Porto Alegre.
Vejamos que ela elegeu prefeitos em 12 cidades de 9 estados diferentes. É muito
pouco. O PT precisa entender que não é mais o protagonista da esquerda. Precisa
aceitar que o PSOL deixou de ser mero coadjuvante, do contrário Boulos não
teria chegado ao 2º turno em São Paulo. É certo que a esquerda mantém alto
capital eleitoral, mesmo considerando o comportamento volúvel do eleitor
brasileiro. Considero pontual a vitória de Edmilson Rodrigues (PSOL), em Belém,
pois ela não prova uma onda de votos à esquerda como nas eleições de 2008 e
2012. A esquerda não saiu em bloco para enfrentar as eleições municipais. Ao
contrário da direita, não pensou nos cenários para 2022. Como sempre, o erro
foi PT, PSOL e PCdoB se dedicarem às suas questões paroquiais, esquecendo que a
luta contra o fascismo\neoliberalismo é diária independente de estarmos ou não
em eleições. Resultado? Mais uma vez, a esquerda terminou fazendo o jogo da
direita.
Ainda tenho que tratar do fator Ciro Gomes e seu comportamento destrutivo
em relação a esquerda. Ele sabe que seus 10% não o levarão ao 2º turno em 2022,
como não o levaram em 2018. Isso o deixa irado, ressentido, agressivo,
invejoso. Ciro segue agredindo o PT e Lula, com os despautérios de sempre,
atingindo Boulos com a pecha de radical e dizendo que Flavio Dino está fora da
realidade por ter ido votar com uma camisa vermelha escrito “Lula Livre”. Ciro
não assimila o golpe de ver Boulos e Dino ocupando o lugar que pensa ser seu.