(Foto: Arquivo/ABr)
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Mas, não é de se estranhar
que justo na Semana da Pátria falemos em coisas como golpe de Estado? É surreal
que tenhamos que nos preocupar com a possibilidade do presidente da República,
se aproveitando de nossa data nacional, perpetrar um golpe contra as
instituições e a própria sociedade, mesmo que estejamos a menos de um mês de
uma ... eleição. De fato, desde que tomou posse, Bolsonaro insistiu, diria
implorou, por um golpe de Estado, estilo AI-5, para que pudesse se tornar um
ditador tal qual Pinochet ou, pior, Hitler.
Há 200 anos nos tornamos
“independentes” de Portugal. Não se pode precisar as reais motivações de Pedro
I para dar o “Grito da Independência”, mesmo porque nunca soubemos bem o que
comemorar, pois os acontecimentos de setembro de 1822 pouco serviram para que
nos tornássemos uma nação livre, independente, autônoma, consciente de sua
soberania. É que naquele momento ainda discutíamos se realizaríamos um processo
que nos tornasse uma República, nos moldes do liberalismo\iluminismo europeu,
ou se seguiríamos funcionando como a filial de um império monárquico falido.
No livro “1822”, Laurentino
Gomes nos fala de um censo que apurou que, em 1823, éramos 3 milhões e 961 mil
brasileiros. Desses, 1 milhão e 148 mil eram escravos. Como os indígenas não
eram considerados nacionais, mas nativos, não foram computados nesse senso. E
havia brancos aportuguesados, mulatos, caboclos, cafuzos, enfim tudo o que não
era escravo era “homem livre”. Daí que não dá para concluir que a
“independência” foi um processo político-social que contou com ampla
participação popular, pois escravos e boa parte da população eram destituídos
de todo e qualquer vestígio de cidadania.
A “independência” tinha
três objetivos centrais: 1) efetivar um processo que pudesse reorganizar os
interesses econômicos e políticos da elite local diante de ingleses e
portugueses; 2) barrar os movimentos pró-independência que ocorriam, Brasil
afora, desde metade do século XVIII; 3) dar alguma resposta, superficial que
fosse, à vaga revolucionária burguesa que espalhou, mundo afora, ideias
iluministas, liberais, republicanas, democráticas. A tal independência serviu,
fundamentalmente, para frear os movimentos que propunham colocar o Brasil no
mesmo caminho de vários outros países latino-americanos. O ato simbolizado no
grito colérico de Pedro I foi na verdade um GOLPE DE ESTADO.
Tivemos um ato de
(re)conquista do poder político, através de um concerto, uma espécie de acordo
entre alguns setores. Na verdade, o que ocorreu foi um pacto visando
restabelecer o poder da monarquia portuguesa em novos parâmetros. Não por acaso
a historiadora Lilia Schwarcz nos perguntou em uma de suas redes sociais: “Você
já parou para pensar que, depois do 7 de setembro, viramos uma monarquia
cercada de repúblicas por todos os lados?”. E é ela mesma que responde: “(...)
no resto da América Latina ocorreram revoluções, por aqui apenas uma contra
revolução; um golpe das elites que não queriam perder suas propriedades, seus
escravizados e o poder que acumulavam”.
Assim como os movimentos
pró-independência de países, como os EUA, tivemos aqui batalhas entre grupos a
favor e contra a separação entre colônia e metrópole. E tivemos protestos
organizados por setores da elite e das camadas médias, os chamados “homens
livres”. Além disso, movimentos como Inconfidência Mineira, Conjura Baiana e
Revolução Pernambucana foram sangrentamente derrotados pelo Estado português.
O “7 de setembro” foi a
forma que a elite aportuguesada encontrou de tornar-se independente sem
precisar mudar a estrutura política, social e econômica do país. Em “Evolução
política do Brasil”, o historiador Caio Prado Jr diz que: “fez-se a
independência à revelia do povo, e se isto lhe poupou sacrifícios, também
afastou por completo sua participação na nova ordem”. Caio Prado diz ainda que
a “independência brasileira é fruto bem mais de uma classe que da nação tomada
em seu conjunto”.
A independência foi um ato
para barrar de vez um processo que poderia ser até revolucionário. Através de
um ato de força, se atendeu demandas de alguns setores e ainda manteve o povo no lugar de onde ele não
deveria sair jamais. E ainda tem a mãe de todos os paradoxos que é o fato de o
ato, que tornou o Brasil independente de Portugal, ter sido feito por um
português e que ele tenha permanecido no poder, como imperador.
Naquele 7 de setembro,
Pedro I, irritado com as exigências da corte portuguesa e, dizem, por uma
terrível dor de barriga, declarou a separação política entre a colônia
brasileira e a metrópole portuguesa dando o tal grito. Em 12 de outubro, Pedro
de Orléans e Bragança foi aclamado “Imperador Constitucional e Defensor
Perpétuo do Brasil”. Em 1º de dezembro foi coroado pelo bispo do Rio de
Janeiro. Iniciava-se, assim, uma história do Brasil como “nação livre” sob a
forma de uma monarquia escravocrata. Essa história durou 67 anos e só acabou
com a Proclamação da República, em 1889, que também foi um golpe de Estado.
Hoje, não damos mínima importância para a versão romantizada de um Pedro I
rebelde, às margens do Ipiranga, recebendo correspondências e libertando o
Brasil do jugo português.
Essa independência foi um
ato burocrático e administrativo, pois o Brasil precisava da anuência de outras
nações para ser reconhecido como tal. Assim, mediante acordos comerciais
bastante desfavoráveis ao Brasil, a Inglaterra usou sua armada no Atlântico,
seu exército de mercenários e seu poder econômico internacional para garantir
nossa independência diante das nações europeias. Mas, essa independência não
saiu “de graça”, pois tivemos que pagar dois milhões de libras ao governo
inglês, além de arcar com a dívida que Portugal tinha para com os britânicos.
A independência não foi
unanimidade. Províncias como Piauí, Pará e Maranhão, cujos governos foram
indicados pela Coroa, se voltaram contra o processo e só o reconheceram depois
de longos conflitos. Em 1823 formou-se, através de eleição, uma Assembleia
Constituinte para se elaborar a constituição do império. Mas, Pedro I deu mais
um golpe e encerrou a constituinte, encomendando a primeira Constituição
brasileira ao seu Conselho de Estado. A carta foi outorgada pelo imperador em
25 de março de 1824 com uma anomalia: ao invés de instituir três poderes, como
faziam países inspirados no modelo federativo dos EUA, criou-se quatro poderes.
Além do executivo, legislativo e judiciário, havia o poder moderador. Um
instrumento que Pedro I usava para subjugar os outros poderes e a própria
sociedade.
O que supomos que estamos
comemorando é, sim, nossa data nacional. E tem que ser ela, não existe outra,
pois todo país tem que ter uma para chamar de sua. Tem que ter aquele dia para
que as pessoas exerçam seu patriotismo. Mas, não nos iludamos. O que celebramos
é um ato de força que castrou a participação da sociedade nas coisas da
política do país. Talvez seja por isso que tantos digam que não gostam da
política.
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