segunda-feira, 25 de julho de 2011

Um epitáfio para Amy Winehouse



A primeira vez que escutei Amy Winehouse, no CD Back do Black, tive a impressão que estava surgindo uma nova Ella Fitzgerald. Pensei mesmo que poderia ser a reencarnação de Sarah Vaughan, ou quem sabe de Etta James? Na verdade, e com o passar do tempo, passei a tratá-la como uma Billie Holiday rediviva - pelo timbre vocal, pela sonoridade e pela atitude suicida. Por vezes, a comparava a Maysa, com aquele jeito sofrido, triste, de cantar e por essa busca incessante por algo que não se sabe bem o que é.

Não tento entender os motivos que a levaram buscar o suicídio lento e doloroso. Prefiro acreditar que Amy veio a este mundo para cumprir uma missão rápida e, convenhamos, ela conseguiu. Do jeito rock in roll (dira punk) dela, mas conseguiu.

Lembro do que diz Lobão e acho que serve bem como uma espécie de epitáfio para Amy: “Não é que os bons morram cedo. O problema é que TODOS os medíocres só vivem pra sobreviver .. covardia, não é? Os bons tendem a morrer mais porque se arriscam mais. Já os medíocres, em sua pusilânime sobrevivência, rezam para poder, algum dia, rir dos melhores onde justamente eles mais pecam: a falta de coragem”.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O moderno reacionário é a porta de entrada do velho fascismo.



Publicado, no Site Terra Magazine de 20 de julho de 2011, o artigo abaixo descreve um novo (velho) fenômeno insuportavelmente na moda. Ele demonstra como a sociedade brasileira segue renitente e avessa ao progresso e a verdadeira modernização de seus hábitos, crenças, costumes e idéias.


O moderno reacionário é a porta de entrada do velho fascismo.



Marcelo Semer - De São Paulo

Se você não entendeu a piada de Rafinha Bastos afirmando que para a mulher feia o estupro é uma benção, tranquilize-se. O teólogo Luiz Felipe Pondé acaba de fornecer uma explicação recheada da mais alta filosofia: a mulher enruga como um pêssego seco se não encontra a tempo um homem capaz de tratá-la como objeto.

Se você também considerou a deputada-missionária-ex-atriz Myriam Rios obscurantista ao ouvi-la falando sobre homossexualidade e pedofilia, o que dizer do ilustrado João Pereira Coutinho que comparou a amamentação em público com o ato de defecar ou masturbar-se à vista de todos?

Nas bancas ou nas melhores casas do ramo, neo-machistas intelectuais estão aí para nos advertir que os direitos humanos nada mais são do que o triunfo do obtuso, a igualdade é uma balela do enfadonho politicamente correto e não há futuro digno fora da liberdade de cada um de expressar a seu modo, o mais profundo desrespeito ao próximo.

O moderno reacionário é um subproduto do alargamento da cidadania. São quixotes sem utopias, denunciando a patrulha de quem se atreve a contestar seu suposto direito líquido e certo a propagar um bom e velho preconceito.

Pondé já havia expressado a angústia de uma classe média ressentida, ao afirmar o asco pelos aeroportos-rodoviárias, repletos de gente diferenciada. Também dera razão em suas tortuosas linhas à xenofobia europeia. De modo que dizer que as mulheres - e só elas - precisam se sentir objeto, para não se tornarem lésbicas, nem devia chamar nossa atenção.

Mas chamar a atenção é justamente o mote dos ditos vanguardistas. Detonar o humanismo sem meias palavras e mandar a conta do atraso para aqueles que ainda não os alcançaram.

No eufemismo de seus entusiasmados editores, enfim, tirar o leitor da zona de conforto. É o que de melhor fazem, por exemplo, os colunistas do insulto, que recheiam as páginas das revistas de variedades, com competições semanais de ofensas.

O presidente é uma anta, passeatas são antros de maconheiros e vagabundos, criminosos defensores de ideais esquerdizóides anacrônicos e outros tantos palavrões de ordem que fariam os retrógrados do Tea Party corarem de constrangimento. Não é à toa que uma obscura figura política como Jair Bolsonaro foi trazida agora de volta à tona, estimulando racismo e homofobia como direitos naturais da tradicional família brasileira.

E na mesma toada, políticos de conhecida reputação republicana sucumbiram à instrumentalização do debate religioso, mandando às favas o estado laico e abrindo a caixa de Pandora da intolerância, que vem se espalhando como um rastilho de pólvora. A Idade Média, revisitada, agradece.

Com a agressividade típica de quem é dono da liberdade absoluta, e o descompromisso com valores éticos que consagra o "intelectual sem amarras", o cântico dos novos conservadores pode parecer sedutor. Um bad-boy destemido, um lacerdista animador de polêmicas, um livre-destruidor do senso comum. Nós já sabemos onde isto vai dar. O rebaixamento do debate, a política virulenta que se espelha no aniquilamento do outro, a banalização da violência e a criação de párias expelidos da tutela da dignidade humana. O reacionário moderno é apenas o ovo da serpente de um fascismo pra lá de ultrapassado.




Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo
Blog Sem Juízo.