Aconteceu
de repente! Sem que se saiba o que, como e porque as pessoas foram às ruas para
protestarem contra o aumento das passagens dos ônibus e contra a péssima qualidade
do transporte público. Na verdade, sabemos como aconteceu. As pessoas começaram
a reclamar do aumento abusivo das tarifas, pelas redes sociais, e logo se propôs
que todos fossem protestar nas ruas.
As
redes sociais cumpriram um papel político. Elas são eficientes para que se
divulguem ideias, propostas e protestos, além de muita baboseira, infelizmente.
Nós, a sociedade, sabemos disso. Quem ainda não entendeu nada foi nossa elite
política que parece só saber se comunicar com o povo por cartas. Aliás, chega a
ser prosaica a forma como a elite política lida com a situação. Tal qual
cangurus aflitos, se enterram em seus gabinetes esperando o furacão passar. Alguns,
com um senso de oportunidade e de sobrevivência mais apurado, dizem que são a
favor das manifestações desde que de forma ordeira. Não tem jeito, neste país
“Ordem e Progresso” segue sendo a grande verdade. Claro, muitos esperam que a
polícia resolva tudo seguindo a velha lógica de que manifestação é coisa da
polícia, não da política.
E
que não se diga que o preço das manifestações são os míseros R$ 0,20 referentes
ao aumento das tarifas. Claro, que aumentos repercutem na renda mensal do
trabalhador. Mas, a motivação para os protestos não é unicamente econômica,
apesar de ter pessoas lembrando que a inflação voltou a nos assombrar. O fato é
que o que importa mesmo é protestar, tirar fotos das manifestações e coloca-las
em alguma rede social. A principal característica dessas manifestações é a
difusa “pauta” de reivindicações. Protesta-se contra tudo e contra todos. É
como se cada manifestante tivesse uma pauta própria de reivindicações. É como
se cada um fosse uma ilha cercada de reivindicações por todos os lados.
Vi
no santo oráculo de nossos dias (Google/You Tube) alguém com a máscara do
"V da Vingança” falando em uma pauta de cinco pontos que justificariam as
manifestações. Uma voz metálica ridícula, com um fundo musical piegas, diz que
é preciso definir pontos já que a mídia acusa os manifestantes de não terem uma
causa específica. O mascarado diz que a diminuição das passagens dos
transportes públicos não satisfaz e que por isso mesmo “causas diretas” são levantadas.
Diz
ainda que não deve haver polêmicas religiosas ou ideológicas, coisa que o
pessoal na rua não deve concordar do contrário não estaria protestando contra o
“Projeto da cura gay” de Marco Feliciano. Seriam cinco as causas para o
movimento: (1) Não a PEC 37 (que quer retirar o poder de investigação do Ministério
Público); (2) saída Renan Calheiros da presidência do Senado Federal; (3)
imediata investigação das irregularidades nas obras da Copa do Mundo; (4)
criação de uma lei que torne a corrução crime hediondo; (5) o fim do foro
privilegiado por ultrajar o artigo 5º da Constituição Federal.
Mas,
as manifestações contrariam os que tentam lhe dar alguma orientação. Fala-se na
legalização da maconha, dos direitos para os homossexuais e para as vagabundas,
critica-se a Rede Globo e a mídia em geral, se atacam personalidades da vida
pública nacional, pede-se para que a Copa do Mundo não seja mais realizada no
Brasil, fala-se em mais amor, mais respeito e até mesmo nos valores da família.
O que os manifestantes querem dizer é: “se
você tem algo a reclamar junte-se a nós”. Por isso que eles tomaram para si
o slogan da Caixa Econômica Federal, “VEM PRÁ RUA VOCÊ TAMBÉM, VEM!”, e
usurparam aquele que diz que “A RUA É A MAIOR ARQUIBANCADA DO BRASIL”.
As
manifestações são a confluência de toda sorte de insatisfações, revoltas e
vontades represadas. Elas acontecem com pelo menos 30 anos de atraso, pois não
é de hoje que coisas erradas acontecem e nada fazemos, fazemos pouco e/ou equivocadamente.
A questão é: porque foram os aumentos das tarifas de ônibus que detonaram o processo?
Porque nossa histórica desigualdade social e econômica não serviu para iniciar uma
revolta popular? Porque a corrupção, que revira as instituições pelo avesso,
não fez a massa explodir em fúria? Porque não protestamos pela nossa violência
de cada dia? Porque foram aqueles parcos R$ 0,20, e não os R$ 28 bilhões que o
governo federal está torrando com a Copa do Mundo, que tiraram a massa de sua
irritante letargia? Como diria o antropólogo Roberto DaMatta, o Brasil não é
mesmo um país para principiantes, pois vá entender o que se passa na cabeça de
um povo que se deixa roubar por anos a fio e depois se rebela por causa de uma
quantia irrisória.
Como
não temos respostas para tantas perguntas vejamos o que pode nos oferecer algum
conforto nesse mar de incertezas. A primeira é no que exatamente vai dar tudo isso.
Eu não sei, ninguém sabe, pois a hora é de protestar. Os manifestantes estam
indo às ruas não para dizer o que querem. O que desejam é chamar a
atenção da sociedade e do governo para tudo que não mais suportam.
Vejam
que na questão do transporte público surgiu a interessante e inteligente
palavra de ordem: “SE É PÚBLICO, PORQUE É PAGO, SE É PAGO, PORQUE É TÃO RUIM?”.
Aliás, a fraseologia dessas manifestações é fantástica. Vi um manifestante com
um cartaz que dizia que “NOSSA VITÓRIA NÃO SERÁ POR ACIDENTE”. Além do excesso
de confiança, existe a ideia de que há uma causa e que ela é justa. Concordo.
Existe uma causa. Mas, qual?
É
preciso lembrar que o Brasil não é uma ilha. Pelo mundo afora as manifestações
vem acontecendo sistematicamente. Aconteceu no Oriente Médio, pela Europa e até
mesmo nos EUA. Agora mesmo vimos o caso da Turquia. Se os jovens que vivem em
ditaduras fundamentalistas no Oriente Médio conseguiram ir às ruas, porque os
nossos que vivem numa democracia não iriam? Certo, nossa democracia é frágil e
meramente eleitoral, mas é já é alguma coisa.
Essas
manifestações podem ensinar que o oxigênio da democracia é a participação
política da sociedade, excetuando, claro, o vandalismo. As manifestações
trazem o povo às ruas depois de tantos e tantos anos adormecido. O problema é
que não é fácil acordar de um sono profundo. Se desperta com a visão turva, com
a audição dispersa e a mente embaralhada. Passamos tanto tempo sem nos
mobilizarmos que agora não mais sabemos como se faz.
Por
causa das ações tresloucadas dos vândalos vi a seguinte postagem no Twitter
(SIC) “O gigante acordou, tropeçou e caiu
de cara no chão”. Agora mesmo assisto, incrédulo, estultos manifestantes
atirando pedras e tentando invadir o Palácio do Itamaraty (em Brasília) que vem
a ser um patrimônio mundial da arquitetura, um obra de arte concebida por Oscar
Niemeyer. Se era para o gigante acordar dessa forma, melhor que continuasse
dormindo em seu berço esplêndido. Esse tipo de coisa só leva a um
distanciamento ainda maior da democracia e causa uma sensação de incredulidade
em relação a capacidade das manifestações ocasionarem mudanças e transformações.
Uma
frase numa camiseta de uma manifestante dizia: “LIBERDADE É POUCO, EU QUERO O
QUE AINDA NÃO TEM NOME”. Eis o melhor slogan das manifestações, pois deixa
claro que ainda não se sabe o que se quer. Mas, vemos manifestações politizadas
que lembram os confrontos com a ditadura militar. Vi cartazes com o famoso
trocadilho de Chico Buarque: “AFASTA DE MIM ESTE CALE-SE”. Só que o “cale-se” é
o verbo não o copo. E tem a frase que traz a boa vontade da juventude que é ao
mesmo tempo ingênua, como tem que ser, e realista, pois são os jovens que buscam
as transformações. Diz ela: “DESCULPE OS TRANSTORNOS, ESTAMOS MUDANDO O PAÍS”.
Tem
uma dessas frases que eu, por puro corporativismo, adorei: "BRASIL, VAMOS
ACORDAR, PROFESSOR VALE MAIS QUE NEYMAR”. Aliás, valemos muito mais do que essa
Copa estulta e esse nacionalismo sem discernimento algum. Algumas das imagens
da TV me enchem de esperança, pois antes de qualquer coisa sou um cidadão que
também quer mudanças. Mas, a racionalidade do analista me faz lembrar que é
preciso ter calma, pois tudo o que é sólido pode vir a desmanchar no ar. Em
algum momento a sociedade, e os próprios manifestantes, vão se cansar disso
tudo, então precisaremos de muita habilidade políticas para que os benefícios
das manifestações sejam maiores do que os custos.
Minha
esperança é que as manifestações ponham um fim neste conformismo verde-amarelo
estulto que temos. Se as manifestações possuem força suficiente para fazer o gigante
adormecido despertar de vez eu não sei, ninguém sabe. O que sei é que os
protestos podem reacender meu otimismo a muito suplantado por um realismo
insurportavelmente pessimista.
Um comentário:
Professor, estamos assistindo um grande momento de transformações profundas em nossa sociedade brasileira, onde esta nova geração de jovens que estão constantemente conectados na Grande Rede, que permite o esclarecimento, crescimento intelectual e amadurecimento emocional, graças a gigante biblioteca de conteúdos, as relações interpessoais virtuais que vão transformando a consciência coletiva num só eco, numa só voz. Não existe liderança porque não existe líder, não tem ideologia porque não refere-se a particularidades mais ao todo, não existe fronteiras porque é globalizado. Ou seja, não existe identidades políticas, como eu sou partido X, não existe motivação porque é espontâneo. O que existe é consciência do certo ou errado, do ideal ou imaginário, do correto ou incorreto, do fantasioso ou real. Todos querem o perfeito, esperam o melhor e vão lutar juntos por dias melhores. A Grande Rede, pai e mãe desta juventude, ajudou a educação formal (entenda como sendo nós professores) a moldar este caráter individual de cada um, que conecta-se a grande fonte de energia para compartilhar de uma única grande força uma única voz! O que vai mudar? A consciência coletiva já mudou, quem deve mudar agora são as práticas antigas para adequar-se a este novo momento.
Carlito Plácido da Silva carlitoplacido@hotmail.com
@carlitoplacido
https://www.facebook.com/carlitoplacido
Postar um comentário