segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Um nazista entre nós


            Nesses tempos bicudos, como se dizia, vivo sobressaltado! Parece ser normal se desejar a morte de uma mulher por ela ter sido casada com um ex-presidente que fez reformas para que os excluídos de sempre acessassem ao que no Índice de Desenvolvimento Humano é algo basilar. Falo de educação, saúde e moradia. São tempos nebulosos, pois o que a filósofa Hannah Arendt classificou como “banalidade do mal” ressurgiu dos escombros de um mundo formatado por guerras. Falo do nazismo.
           
Sempre que preciso dialogar com pessoas com as quais divirjo politica e ideologicamente e/ou que não concordo com seus valores éticos e morais, ou mesmo que não suporto seus gostos musicais, lembro a frase do filósofo iluminista Voltaire: “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o direito de você dizer”.

            Não sou receptivo a ideias aparentemente novas que, na verdade, pertencem ao receituário ideológico do tempo em que ditaduras eram hegemônicas. Não, não posso aceitar como normais ideias autoritárias, racistas, homofóbicas, misóginas, além dos preconceitos de uma classe social sobre outra. Desculpe-me Voltaire, mas não defenderei o “direito” de um aprendiz de médico de campo de concentração nazista “defender” que uma mulher seja levada a óbito.  Não, isso não é liberdade de expressão!

Nesta semana, na quarta-feira, o deputado federal Jair Bolsonaro proferirá palestra aqui em Campina Grande. Por coerência não presenciarei a verborragia nazificante do parlamentar do Partido Social Cristão que não crê na democracia, trabalha sistematicamente para acabar com ela, e que instrumentaliza seus procedimentos para maximizar os mais comezinhos interesses. Bolsonaro se compraz em publicar as opiniões mais torpes sobre questões como a tortura praticada na ditadura militar do Brasil.

Cartaz no gabinete do Deputado Jair Bolsonaro onde se lê "Quem procura osso é cachorro". Trata-se de um escarnio às buscas, feitas pela Comissão Nacional da Verdade, por corpos de guerrilheiros que lutaram contra a ditadura militar na região do Araguaia.

Relaciono abaixo ideias pronunciadas pelo mais ardoroso defensor do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos chefes do aparato de repressão política e tortura do regime militar, conhecido por ter, dentre outras coisas, enfiado um rato na vagina da ex-presidente Dilma Rousseff quando a torturava nas dependências do DOI-CODI de São Paulo no início da década de 1970. As declarações abaixo foram compiladas a partir da conta “Bolsonaro Cristão”, criada na rede social TUMBLR por Fernando Paladini e Guilherme Eufrásio, ambos estudantes da Universidade Federal de Santa Catarina.

Se você, como eu, não aceita estes disparates não vá ao show de horrores que certame Bolsonaro propiciará. Se você sofre da síndrome de São Tomé, que só após ver e ouvir é que passa a crer, a solução é assistir a tal palestra, mas não deixe de levar consigo carradas de senso critico. Se você não vê a hora de votar em Bolsonaro para presidente, por que concorda com as estultices dele, então vista sua camisa verde-e-amarelo (ou aquela blusa preto-fascista, tanto faz) e vá para a palestra desse Josef Mengele redivivo. Mas, se você quer ir à palestra tentar fazer com que incautos de toda sorte vejam mais e melhor a realidade das coisas ou mesmo para mostrar quanto os “bolsonazis” que por aí pululam estam equivocados sugiro refletir sobre a frase: “Nunca discutas com um idiota. Ele arrasta-te até ao nível dele, e depois te vence em experiência.” (Autor desconhecido).


Na sessão da Câmara dos Deputados, em 17/04/2016, que aprovou a abertura do impeachment contra Dilma Rousseff, Bolsonaro disse: "Nesse dia de glória para o povo tem um homem que entrará para a história. Parabéns presidente Eduardo Cunha. Perderam em 1964 e agora em 2016. Pela família e inocência das crianças que o PT nunca respeitou, contra o comunismo, o Foro de São Paulo e em memória do coronel Brilhante Ustra, o meu voto é sim”.

Numa participação no programa Pânico, da rádio Jovem Pan (em 08/07/2016) Bolsonaro afirmou: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”. Já na Revista Veja de 02/12/1998, recriminou um de seus mentores: “Pinochet devia ter matado mais gente”. Como todo ditador, Bolsonaro é um censor e numa entrevista a repórter Manuela Borges da Rede TV provocou: “Você é uma idiota. Você é uma analfabeta. Está censurada!”. Claro, ele crê na tese do “bandido bom é bandido morto”, pois afirmou, sobre o massacre do Carandiru, que “a PM devia ter matado 1.000 e não 111 presos”.


Não se sabe bem porque, mas o fato é que homossexualismo, racismo e mulheres são temas recorrentes na transcursão bolsonariana. Na Revista Playboy, em julho de 2011, disse que: “Seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”. Em outra oportunidade disse “Eu não corro esse risco, meus filhos foram muito bem educados”, sobre um dos seus se relacionar com uma mulher negra ou com homossexuais. E quando FHC segurou a bandeira com as cores do arco-íris, Bolsonaro disparou: “Não vou combater nem discriminar, mas, se eu vir dois homens se beijando na rua, vou bater”. Ele parece concordar com o estupro, pois disse para a deputada federal Maria do Rosário: “Não te estupro porque você não merece”.

Em 28/03/2011, numa entrevista ao programa CQC da TV Bandeirantes, Bolsonaro estava inspirado em sua logomania. Primeiro afirmou que: “se eu pegasse meu filho fumando maconha, o torturava”. Sobre cotas raciais, disse: “Eu não entraria em um avião pilotado por um cotista nem aceitaria ser operado por um médico cotista.”. Sobre a presidente Dilma afirmou: "O kit gay não foi sepultado ainda. Dilma Rousseff pare de mentir. Se o teu negócio é amor com homossexual, assuma". E arrematou: “O governo não faz planejamento familiar porque acha que quanto mais pobre existir melhor. Porque serão mais eleitores amarrados nos seus programas assistencialistas”.


Post scriptum: O título desse artigo foi emprestado do livro “Nazistas entre nós – a trajetória de oficiais de Hitler depois da guerra” (Ed. Contexto) escrito pelo historiador e jornalista Marcos Guterman que “tenta compreender a indiferença de uma parte do mundo em relação aos crimes nazistas, algo que beirou a cumplicidade”. Guterman quer explicar porque criminosos de guerra encontraram “um lugar entre nós, desfrutaram da vida em liberdade como se nada tivessem feito, como se fossem parte da sociedade civilizada que eles se esforçaram em destruir”. De minha parte tento entender como um defensor da “banalidade do mal” pode transitar entre nós com tanta naturalidade.


Fevereiro – 2017.

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