terça-feira, 17 de outubro de 2023

Se vivo fosse, o que Sun Tzu diria sobre a guerra?

 

(Foto: Valter Lima)

A guerra, essa milenar atividade tão humana, consiste basicamente no ato de aniquilarmos os que nos estorvam interesses políticos, econômicos, religiosos, culturais, pessoais, etc. Sobre a guerra ainda não se disse tudo, pois parte da humanidade prova que quando este é o assunto nada, nada mesmo, é tão ruim que não possa exponencialmente piorar, até porque os países mais ricos e poderosos do mundo seguem investindo bem mais em armas do que em alimentos, saúde, educação, moradia e na preservação do meio ambiente. O fato é que a guerra segue sendo um negócio dos mais valiosos para os que, claro, vendem armas e não morrem nelas.

Suponho que se Sun Tzu pudesse enviar lá de 530 a.C., para o nosso presente, uma nova edição de “A arte da guerra” manteria a ideia de que bom mesmo é vencer o inimigo sem ter que com ele lutar, que é bem melhor negociar e fazer alianças do que sair por aí matando pessoas por delas discordamos. É que Sun Tzu nunca ouviu falar do Complexo Industrial Militar dos EUA, da OTAN e dos “generais de todas as nações (com) fardas bonitas, condecorações, (que) documentam na nossa história o seu rastro sujo de sangue e glória”, como diria a banda de rock “Uns e Outros”.

Certo, não se disse tudo, mas já se falou bastante. Sempre que vejo imagens de sofrimentos, destruições e desesperos de toda sorte que só uma guerra pode causar lembro do diálogo entre Pablo Picasso e um oficial da SS Nazista. Numa entrevista em 1945, Picasso falou da visita nada agradável que recebeu em seu ateliê, na França em 1940, do oficial com seus soldados. Ao ver uma reprodução da genial tela “Guernica”, retratando horrores da guerra civil espanhola, o oficial perguntou: "Foi o senhor quem fez isso?". Ao que Picasso respondeu: “Não, foi o senhor". Picasso contou ainda que: "alemães vinham me visitar, fingindo admirar meus quadros. Dava-lhes cartões-postais da tela dizendo: levem de lembrança".


Costumo lembrar de inúmeros relatos que já li em tantos livros ou assisti em tantos filmes que dão conta do pavor das pessoas ao saberem que o inimigo está chegando pronto a lhes devorar. Em “Vietnã Norte”, livro-reportagem do jornalista australiano Wilfred Burghett (lançado no Brasil em 1967), vemos civis norte vietnamitas, segregados em suas paupérrimas vilas, apavorados ante a chegada do exército dos EUA, mesmo que Burghett mostre de forma 

duramente realista como foi possível resistir a “imensa sofisticação tecnológica do agressor norte-americano”.

Não que tente imaginar como foi, é impossível, mesmo assim penso no sofrimento das pessoas na aldeia de Mỹ Lai, no sul do Vietnam, ao saberem que soldados do exército estadunidense estavam chegando. O “Massacre de Mỹ Lai” ocorreu em 1968  quando “marines” invadiram a aldeia, assassinando todas e todos os seus 504 habitantes, a maioria mulheres, crianças e idosos. Na época, o governo dos EUA “justificou” o massacre como uma retaliação à formação de um batalhão do Exército Popular do Vietnã, que havia se instalado na região de Mỹ Lai. Porque invadiram a aldeia e mataram todos os seus moradores ao invés de irem atrás do batalhão é a pergunta que nunca calou. Porque exterminar pessoas indefesas, que não ameaçavam um exército tão poderoso, é a explicação que não pode ser dada, pois a maldade, neste caso, não é racional.

O pavor sentido pelos moradores de Mỹ Lai deve ter sido o mesmo que povos (em sua maioria judeus) de variadas cidades de países do leste europeu experimentaram, a partir de 1938, ao saber que tropas da SS Nazista e do exército alemão estavam chegando praticando a política de terra arrasada, para que nada ficasse em pé, e aquilo que depois ficou conhecido como a “solução final”. Igual sensação, de terror, deve ter sido sentida pelas mulheres alemães ao saberem que o Exército Vermelho se aproximava de Berlim, em 1945, praticando o estupro em escala industrial como vingança pela destruição que as tropas de Hitler causaram em solo soviético, por exemplo no cerco à cidade de Stalingrado. Os povos indígenas no Brasil, na região Andina, nos EUA, etc, devem ter sentido bastante medo ao saberem que os colonizadores brancos se aproximavam para lhes tomar a terra, mesmo que estivessem decididos a reagir até a morte.

Imagem do Massacre de Mỹ Lai em 1968. Uma mãe tenta proteger
seus filhos enquanto foge do ataque dos Marines\USA.

Sobre isso, diria Sun Tzu para não se considerar a alternativa do inimigo não vir, pois ele sempre vem, mesmo que demore. Em “Enterrem meu coração na curva do rio”, Dee Brown fala do conselho que os indígenas idosos, do oeste dos EUA, davam aos indígenas mais jovens para não se iludirem, pois o “exército do homem branco do norte” não deixaria de vir para lhes tomar a terra, derrubar a floresta, matar animais e pessoas. Sun Tzu é categórico ao dizer que não se deve confiar na possibilidade de o inimigo não atacar e que, pelo contrário, deve-se manter prontidão para recebê-lo e, se possível, “fazer de nossa posição inexpugnável”. Parece ser essa a disposição do povo palestino, segregado na Faixa de Gaza.

Agora mesmo, esse pavor deve ser a sensação mais sentida pelos palestinos na Faixa de Gaza, ao saberem que o exército de Israel entrará (está entrando) por terra em seu diminuto local de moradia. De fato, os palestinos sabem bem que o inimigo virá, até porque é isso mesmo que ele vem fazendo desde pelo menos 1967.

Tenho visto muitos vídeos, nas redes sociais, de crianças e jovens palestinos aterrorizados ante ao fato de que Israel objetiva fazer na Faixa de Gaza o que os EUA fizeram na aldeia de Mỹ Lai. O que mais me choca é ver Israel impingir ao povo palestino o mesmo tipo de terror e sofrimento enfrentados pelo povo judeu durante a 2ª guerra mundial. É espantoso ver os sionistas partirem do Holocausto para justificarem a política genocida praticada pelo Estado israelita contra o povo palestino. Inclusive, e a rigor, o sionismo nem deveria mais existir, posto que a razão própria de sua existência, a criação de um Estado judeu independente, foi efetivada em 1948.

Após o ataque militar promovido pelo Hamas em cidades de Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu prometeu uma vingança sem precedentes, avisando que o exército israelense iria aniquilar o Hamas. Mas, ao invés de colocar suas forças de segurança no encalço dos líderes e militantes do Hamas, Netanyahu mandou jatos da Força Aérea e a artilharia do Exército submeteram a Faixa de Gaza ao que na 2ª Guerra Mundial se chamava de “bombardeios de saturação”, quando se atacava cidades com bombas aéreas para maltratar, desgastar e, claro, matar a população civil.

Em apenas dois dias, cerca de 3.000 palestinos foram mortos. Os estrategistas militares de Netanyahu devem ter ouvido falar do massacre de Mỹ Lai, pois a ordem dada ao exército de Israel é entrar na Faixa de Gaza para retaliar, para vingar, os ataques do Hamas. A ordem é impingir dor e sofrimento aos palestinos para que eles parem de apoiar grupos como o Hamas, mas é, também, como bem disse Netanyahu, “fazer varrer do mapa a Palestina”.

Importa lembrar que Netanyahu anunciou a “política de aniquilação” da Palestina ao exibir, em setembro passado na Assembleia Geral da ONU, um mapa do que seria, para Israel, o "Novo Oriente Médio". Pasmem, mas no tal mapa não aparecia a Palestina. Era a extrema direita sionista desdenhando das resoluções das Nações Unidas, principalmente a que criou o Estado da Palestina. Provando desconhecer as ideias de Sun Tzu, Israel deixou bem claro que não quer dialogar, negociar, com seu inimigo. Para Israel, Oriente Médio bom, é Oriente Médio sem a Palestina.

A notícia que importa hoje, 16 de outubro, é o anúncio da Organização Mundial da Saúde alertando para a “verdadeira catástrofe” que é o fato de a Faixa de Gaza só ter água, eletricidade e combustível para mais 24 horas. Atentemos para a situação de desespero do povo palestino condenado a morte seja pelos bombardeios seja pela falta de água, alimentos e remédios. A questão é que ajudas humanitárias estão bloqueadas, no Sinai Egípcio, já que Israel e Egito não se entendem para que insumos básicos entrem na Faixa de Gaza. O governo do Egito tem colocado uma questão básica: como se vai entrar com os insumos se Israel não para de bombardear a Faixa de Gaza?

Sun Tzu diria: “Se estás sitiando uma cidade, esgotarás tuas forças. Se mantiveres o teu exército muito tempo em campanha, teus mantimentos se esgotarão (...) Armas são instrumentos de má sorte; empregá-las por muito tempo produzirá calamidades. Como se tem dito: ‘Os que a ferro matam, a ferro morrem". Dito de outra forma, o exército mais poderoso enfraquece à medida que gasta recursos e o Hamas está aí para provar que os que usam bombas para matar, podem morrer atingidos por bombas.

 


CARTA AOS MISSIONÁRIOS - UN E OUTROS -  VÍDEO ORIGINAL (1989).

https://www.youtube.com/watch?v=cMphV9CMXwg


terça-feira, 10 de outubro de 2023

Pelo que luta o povo da Palestina?

A luta do povo palestino é para ter seus territórios de volta, usurpados que foram por Israel

Pelo que luta o povo da Palestina? - Gilbergues Santos Soares - Brasil 247

 

Bombardeio de Israel em Gaza (Foto: REUTERS/Mohammed Salem)

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Os ataques do Hamas, em Israel, são bem mais uma reação às ações do governo de extrema direita de Benjamin Netanyahu, em relação ao povo palestino, pois Israel pratica a mesma política segregacionista e colonizadora em relação a Palestina desde 1947. Mesmo que possamos detectar elementos de uma ação terrorista, os ataques seguiram a lógica dos Estados beligerantes e não de terroristas que saem jogando bombas por aí. Consideremos desde já que lá atrás era o Fatah quem liderava o povo nos territórios ocupados. O Fatah era um movimento com algum viés de esquerda e defendia um acordo diplomático com Israel que levasse à coexistência pacífica de dois Estados. Mas, Israel não aceitava negociar com quem quer fosse e o Hamas foi se efetivando como a saída pela força. Podemos até dizer que o Hamas está para Israel assim como Saddam Hussein e Osama Bin Laden estão para os EUA. São as criaturas que se voltam contra seus criadores com fúria mortal.

 O Site Brasil de Fato trouxe observações interessantes feitas por estudiosos da questão do Oriente Médio. Sugiro que as vejamos sem ter que concordar ou discordar automaticamente, refletindo a partir do que o pensamento contra hegemônico propõe. Interessa não comprarmos a versão fácil de que os ataques foram uma surpresa, que ninguém os esperava. Surpresa mesmo seria se árabes e judeus encerrassem de uma vez por todas seus conflitos e passassem a viver em paz.

 O cientista político Marcelo Buzzeto disse que a ação do Hamas é “coordenada e planejada com objetivos militares e humanitários no sentido de tentar realizar (...) negociação de troca de prisioneiros”. Eu descartaria classificar os ataques como terroristas, pois vejo táticas e estratégias militares, com uso de espionagem, que visam a conquista de territórios, a captura de pessoas para troca de prisioneiros, sem contar que os ataques previam iniciar uma guerra e não fustigar o inimigo com uma investida localizada onde uma pessoa detona uma bomba contra alvos civis.

 A professor de História Árabe da USP, Arlene Clemesha, mostra que os "ataques contra palestinos foram bem piores em intensidade e caráter (neste ano). A gente tem visto a população civil israelense atacar palestinos”. Sempre se poderá dizer que isso não é verdade. É que a mídia corporativa só mostra os ataques feitos pelos palestinos. Clarissa Dri, professora de Relações Internacionais da UFSC, coloca a questão de forma oposta ao que costumam fazer os editorialistas da mídia que compõem o conglomerado golpista de 2016. Para ela, o que temos é um “Estado terrorista em Israel. Ao mesmo tempo, vemos uma tentativa da Palestina de se defender, tentando instalar um Estado na sua parte do território”.

 E já é hora de tentarmos definir melhor o que é terrorismo, pois se tudo o que nos agride é terrorismo, nada é terrorismo. Durante a ditadura civil militar, os militantes que atuavam nas organizações revolucionárias eram chamados de terroristas pela propaganda oficial da ditadura. Agora mesmo dizemos terroristas para a extrema direita nazificada que atacou os poderes da República no 08 de janeiro. Neste Ocidente “otanizado”, controlado pelo Império do Norte, terroristas são os que não mais aceitam viver numa ordem mundial bipolarizada.

 Temos, ainda, o depoimento de Igor Galvão, gestor de políticas públicas, que vive na Cisjordânia a 27 km de Jerusalém: “há um clima de muita comoção e apoio. Existe a possibilidade de manifestações e que a população se levante numa terceira intifada”. Mesmo que possa até discordar (ou não) de Igor, não desconsidero o depoimento de quem vive no olho do furacão. Nos próximos dias veremos palestinos se manifestando contra israelenses, mesmo que para isso seja preciso entrar em sintonia com a mídia contra hegemônica. É que se ficarmos assistindo apenas ao Jornal Nacional ou lendo só o Estado de São Paulo seremos levados a supor que judeus são pobres vítimas da humanidade, que estão apenas se defendendo, e que o Hamas é um ajuntamento de extremistas terroristas que atacam povos indefesos. Notem, como o discurso enviesado leva a verdades questionáveis. Aqui, temos o mesmo caso dos russos demoníacos X ucranianos defensores da liberdade. Lembremos que os EUA falam em defesa da liberdade quando invadem outros países.

 Ainda para a reflexão, temos um gráfico (elaborado pela Fronteira - Revista de Iniciação Científica em Relações Internacionais da PUC/MG), que circula pelas redes sociais após o início dos combates, que mostra como palestinos foram perdendo seus territórios, a partir de 1947, com a partilha deles entre árabes e judeus. O gráfico tem quatro mapas que mostram como os assentamentos judeus (em branco) vão avançando sobre as terras palestinas (em verde) até que o último mapa (de 2010) aparece quase totalmente branco. O que este e tantos outros mapas mostram é como Israel foi realizando sua política segregacionista, sufocando a população palestina em um grande gueto, o maior de todos os tempos, bem maior do que o Gueto de Varsóvia, onde os nazistas faziam com os judeus o que agora eles fazem com os palestinos.

 



A luta do povo palestino é para ter seus territórios de volta, usurpados que foram por Israel apoiado no ocidente “otanista” e nos EUA, porque é isso que vai fazer com que ele tenha o direito de se autodeterminar, ou seja para que tenha liberdade. Mas, Joe Biden já anunciou que vai enviar porta-aviões e caças para ajudar Israel a combater o Hamas. Os “business man” do Complexo Industrial Militar dos EUA, também conhecido como “deep state” (o Estado dentro do Estado ou Estado profundo), estão com sorrisos de orelha a orelha por mais um conflito para fazer girar o negócio da guerra. Agora, eles já podem mandar o ucraniano Volodymyr Zelensky sentar-se lá no fundo da sala de aula, pois outro aluno começou a tirar melhores notas. Falo de Netanyahu que já deixou claro que Israel está em guerra e não apenas contra o Hamas, mas contra a Palestina.

 Isso fica claro na declaração do Ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, determinando o "cerco completo" à Faixa de Gaza com o corte de eletricidade, combustíveis, alimentos, remédios e até água. Ou seja, um cerco para deixar o povo palestino à mingua e levá-los à morte. E importa muito não esquecer que esse cerco vem sendo feito desde 1947 como podemos ver no gráfico da Revista Fronteira. O próprio Netanyahu afirmou que varrerá a Palestina do mapa e que “todos os locais onde o Hamas se esconde e age serão transformados em escombros por nós. Digo ao povo de Gaza: saiam daí agora, porque estamos prestes a agir em todos os lugares com toda a nossa força”. Temos, então, um conflito de grandes dimensões que exigirá muito de nossas atenções, emoções e capacidade de análise. Por fim, gostaria de ponderar que a luta do povo palestino é por territórios, ou seja por TERRA, que é a mesma luta de vários povos ao longo da história, inclusive do povo brasileiro que ainda hoje luta por REFORMA AGRÁRIA, ou seja por TERRA.