Recentemente Bresser-Pereira assertava, na Folha de São Paulo, que “o desenvolvimento político no Brasil torna inviável um 3° mandato”. Se isso fosse crível o debate sobre reformas nas atuais regras eleitorais não estaria instalado no Congresso e o Projeto de Emenda Constitucional que trata de um 3° mandato (para cargos executivos nas três esferas) não teria sido desarquivado.
Sendo a alternância no poder um dos elementos da democracia, isso não deveria nem ser cogitado. Mas, nossa democracia é imatura e aceita mudanças ao bel prazer dos atores políticos que interferem nas regras dos jogos eleitorais e, como de hábito, o fazem enquanto jogam. Criam certezas antes mesmo do fim da contenda o que só fragiliza o sistema democrático brasileiro.
Bresser chama os cientistas políticos de cínicos por “suporem que os políticos agem em interesse próprio”. Recuso-me a crer que um experiente ex-ministro seja um incauto. Devo ser impudico. Muitos políticos não têm espírito republicano, do contrário não se empenhariam em criar instrumentos legais para se perpetuarem em seus cargos. Numa ingenuidade angelical, Bresser diz que “só teme um 3° mandato quem avalia negativamente a democracia e que o Congresso não a violentará”. Teria esquecido o estupro que ela sofreu na aprovação da reeleição em 1997, quando deputados ganharam vultosas somas para votar a favor da reeleição de FHC? Mesmo com os fatos que aqui apresento, torço que o ex-ministro esteja correto e eu enganado. Do contrário, espero que ele tenha honestidade intelectual e refaça sua avaliação.
O fato inolvidável – o cogito, ergo sum – é que políticos e partidos querem se perpetuar no poder. Eles se igualam na capacidade de sobrevivência ante as adversidades e em agir maximizando lucros e minimizando perdas. Bresser chama isso de cinismo. Eu, de escolha racional, pois lido com a realidade político-institucional, além das questões normativas. Considerando que a nossa regra foi sempre mudar as regras, vamos aos fatos que desmascaram o otimismo do ex-ministro Bresser.
Floriano Peixoto assumiu, com a renúncia de Deodoro da Fonseca, até as novas eleições, mas manipulou o Congresso e ficou até o fim do mandato. Vargas esteve 15 anos no poder pela força e pela lei. Castello Branco não encerrou o mandato de Goulart, emendou a constituição e foi ficando. Geisel, que teve mandato de 05 anos, somou mais um ao de seu sucessor. A Constituição de 88 fixou o mandato em 4 anos, mas Sarney (dando concessões de rádio e TV) teve mais um ano. Em 93, se restabeleceu o mandato de 4 anos, mas em 97 o Congresso emendou a reeleição.
Lula tem, ainda, 2 anos e 8 meses na presidência, mas só se fala em postergar mandatos. Ele rejeita o 3° mandato e ameaça romper com o PT se seus líderes não mudarem de assunto. Acertadamente, avalia que isso gera desconfianças e dificulta negociações. Mas, sabe-se que o PT negocia (com PMDB e PSDB) o fim da reeleição e a criação do mandato de cinco anos.
Lula diz não querer um 3° mandado colado ao 2°. Mas, quer voltar à presidência em 2015. Ele não fala em quando dela sair, mas em tirar férias. Na sua ótica, vale eleger seu lugar-tenente em 2010 e voltar em 2015 para outro mandato. O sucessor “tiraria” suas tais férias! Corrobora com isso o anúncio do líder do PR na Câmara, Luciano Castro, que não concorda com o 3° mandato, mas que apóia a volta de Lula em 2015. O presidente não se sente lá tão seduzido pelo continuísmo, pois pensa em sua biografia e em sua imagem internacional. Teme ser confundido com o caudilhismo-ditatorial latino-americano e com Hugo Chávez. Convenhamos isso é uma vantagem.
Quando saem pesquisas atestando a alta popularidade do presidente e os índices elevados de aprovação do governo, surgem propostas de um plebiscito que referende o 3° mandato. A lógica, tosca, é que se a população está satisfeita, porque não continuar com Lula? Implícito a isso, o temor de muitos em deixarem o poder. Com Lula, ascenderam política, econômica e socialmente. Calcula-se algo como 10.000 petistas em cargos e o que eles irão fazer se o PT deixar o governo? Por isso, o clamor por um 3° mandato está ensurdecedor.
Last but not least, figuras de proa defendem o 3° mandato. O prefeito de Recife, João Paulo Lima, disse que a prioridade é aprovar a emenda que cria o 3° mandato e que (SIC) "este é o plano A; Dilma é o plano B; e o C é quem Lula quiser". Antecipando-se aos críticos, disse que o 3° mandato é igual à emenda que permitiu FHC se recandidatar e até admitiu que isto é golpe, mas justificou que “golpe maior foi o 2° mandato de FHC”. Já José Alencar também defende o 3° mandato, quer ser vice-presidente por 12 anos, obviamente.
Se a lógica do prefeito estiver correta, teremos uma espécie de “círculo vicioso do golpismo eleitoral”. Os atos da situação se justificarão pelos da oposição e vice-versa. Uns vão querer mudar as regras do jogo porque outros assim o fizeram. Dessa forma, vamos mal, muito mal, obrigado....
Temos um sistema presidencialista fortíssimo, onde o executivo dispõe de um instrumento (Medida Provisória) que fragiliza o legislativo dilacerado pelo corporativismo e fisiologismo. Já o judiciário é por vezes instado a tomar atitudes que não lhes cabe. No Brasil, a separação do poderes é deficitária mesmo. E temos um presidente popularíssimo e seu partido sem candidatos palatáveis para a sucessão. Assim, as tentações em torno de uma re-reeleição são manifestas.
O fim da reeleição e o mandato de cinco anos geram um argumento temerário – o de que novas regras zeram o jogo. Isso permitiria a Lula, e tantos outros, disputarem mais uma vez, como se fosse à primeira. Por-se-ia em prática a tautológica regra de mudar as regras para reiniciar o jogo. Assim, eleição - algo básico para a democracia – nunca será um hábito com regras definidas acima e além dos interesses mais comezinhos. E nossa democracia não amadurecerá, pois terá sempre que voltar ao tempo em que aprendia a andar, onde só existe uma regra, a de cair para levantar.
Post-Scriptum:
O Brasil é bem mais complexo do que querem os incautos e um incidente pode vir a dar um basta nas articulações para um 3° mandato. Após criticar a política indigenista do governo, o General Augusto Heleno não será punido. O Clube Militar e a alta hierarquia do Exército se solidarizaram com ele e oficiais mobilizaram-se para serem presos caso houvesse punição. Ato contínuo, o Vice-Presidente o elogiou e o Ministro da Defesa emudeceu ante as hostilidades vindas da caserna. O governo, como de hábito, recuou da intenção de puni-lo e Lula ainda assinou decreto dando aumento para os militares federais.
A questão não está nas opiniões do General Heleno, mas em ele ter declarado que não deve lealdade ao governo e sim ao Estado. Pasme! Um general do Exército afirmou que não deve lealdade ao seu Comandante-em-Chefe, o Presidente da República. Este, ao invés de puni-lo, deu-lhe aumento salarial. Inclusive, na solenidade do Dia do Exército, o Comandante Militar do Leste, General Luiz Cesário Filho, disse que (SIC) “Dutra reduziu seu mandato em um ano, enquanto outros procuram se manter no poder”. Note, que quando os militares depuseram Goulart, o fizeram sob a justificativa de que não deviam lealdade ao governo e sim ao Estado.
O recado não podia ser mais claro. O alto escalão das Forças Armadas parece ter perdido a paciência com o governo Lula. Não irá buscar saídas golpistas, mas daí aceitar um 3° mandato é outra coisa bem diferente e, agora, os articuladores políticos precisam lidar com esta significante variável em seus cálculos políticos. Fiquemos atentos.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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