Considerando que atores políticos institucionais se comportam para obter respostas ótimas às condições que lhes são dadas, i.e., são racionais e atuam para maximizar ganhos e minimizar perdas. Assumindo que o imbróglio político paraibano aventa que subsistimos em uma latência eleitoral, onde os resultados das urnas têm que passar pelo crivo judicial, vejamos algumas questões sobre a cassação do governador Cássio Cunha Lima.
Antes, o óbvio – os meios utilizados para captar votos devem ser revistos. Tivéssemos o senador José Maranhão eleito em 2006 e estaríamos, agora, falando de sua cassação. Mostrem um pleito que não se usou a compra de votos e eu direi que políticos são altruístas por definição.
Cassado duas vezes pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) acoimado de distribuir cheques da Fundação de Ação Comunitária (FAC), o governador permaneceu no cargo por força de liminar. Em 20/11 passado, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manteve a decisão do TRE e cassou a liminar. O governador teria apenas que aguardar a publicação do acórdão para deixar o cargo. Ato contínuo, o senador José Maranhão renunciaria a seu mandato e assumiria o governo. Mas, cabia recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF). Como ministros do TSE têm assento no STF e como, em geral, esta corte não contradiz aquela, dava-se como certa a saída de Cássio Cunha Lima do executivo estadual. Não foi o que ocorreu. O STF o manteve no cargo.
Este processo é um látego para a sociedade e fragiliza as instituições. O que se espera é que se tome - e se cumpra - uma decisão, independente de qual seja e a quem beneficie.
Havia dúvidas quanto à culpabilidade do governador? Então não se deixasse o processo chegar ao STF. Porque os ministros do TSE não pediram vistas ao invés de julgá-lo em rito sumário? Poupar-se-ia a sociedade e as instituições paraibanas de muitos contratempos.
O que aparenta é que os ministros recearam dar ao país o precedente. Cássio Cunha Lima é apenas um entre sete governadores com mandato sub judice. Cassá-lo escancararia a porteira. Suas excelências responderiam pela debandada da manada? Cassar vereadores e deputados é fácil; mas, apear governadores de seus cargos é algo a se ponderar. Senão, vejamos.
Os governadores de Santa Catarina - Luiz Henrique (PMDB), Tocantins - Marcelo Miranda (PMDB) e Sergipe - Marcelo Déda (PT) são acusados de uso indevido da mídia, propaganda antecipada e abuso de poder político e econômico. O governador de Rondônia - Ivo Cassol (PPS), denunciado pela compra de votos, foi, também, cassado duas vezes pelo TRE. No Maranhão, o governador Jackson Lago (PDT) foi acusado de distribuir cestas básicas e o governador de Alagoas, Teotônio Vilela (PSDB), teve seu mandato contestado. Cassar um desses é por a mão em um vespeiro de interesses. E, note-se, que dos sete apenas dois (o paraibano e o alagoano) são de um partido de oposição ao governo federal. Os outros cinco apóiam o presidente da República.
O TSE pretendia não mais desgostar a opinião pública, depois de desautorizar os TRE’s que negavam registro de candidatura a políticos “fichas-sujas”. Parecia querer limpar sua própria ficha. Se a cassação de Cássio alertou os outros governadores, o desdobramento mitigou-os.
Foquemos, agora, a atenção nos dois principais atores do mistifório paraibano.
Aprovado por 69% dos paraibanos, o governador Cássio mantém-se no cargo, mas carrega a marca indelével da cassação. Perde tempo dando explicações e chances de projetação em nível nacional. É tratado (pela mídia) como o “governador cassado” e isso poderá servir para que, no futuro, seja preterido em alianças políticas na esfera federal. Sua opção? Terminar o mandato e buscar uma vaga no senado. Óbvio, espera que o tempo, senhor dos esquecimentos, aja.
Ele tem afirmado que a democracia é ameaçada por processos que modificam o resultado das urnas. Certo, o voto é a expressão da vontade popular. Mas, nosso sistema político baseia-se na separação dos poderes. O poder judiciário deve interferir se o executivo infringe leis. A decisão popular é soberana e legal, mas pode equivocar-se e se ilegitimar, daí a intervenção judicial. Se assim fosse, Collor não sofreria o impeachment, já que foi eleito. E, sabemos como eleitores usam o voto como moeda de troca e não para escolher representantes.
O senador José Maranhão exerce seu mandato em Brasília, enquanto aguarda o fim do processo. Seu partido (PMDB) abocanhou a presidência das duas casas do Congresso e, claro, ele se beneficiará disso. Porém, sabe que é temerário assumir um mandato próximo do fim. Lidará com percalços de uma transição onde a equipe que sai não facilita o trabalho da que entra. E, para montar um staff, terá que selecionar aliados, i.e., agradará a uns e desagradará a outros.
Também, se assumir, verá na Assembléia Legislativa a bancada majoritária indo para a oposição. Além do que, restarão dúvidas se ele terá direito a uma ou duas reconduções ao cargo. O seu dilema é sobre as vantagens de trocar de cargo tão próximo da eleição. O fato de, quando perguntado se vai tomar posse, responder, em geral, com evasivas sugere que sua meta não é a de voltar imediatamente ao governo da Paraíba. Ao se colocar como candidato a governador em 2010, Maranhão mostrou uma visão utilitarista da cassação – a vê como forma de desgastar Cássio.
O pior desta tibornice é o modus operandis. A forma como eles se agridem e os métodos utilizados nas últimas eleições, os embates entre as bancadas de oposição e situação na Assembléia Legislativa e na Câmara de Vereadores de Campina Grande - parlamentares que não representam seus eleitores pela sanha de atacar adversários – demonstram que a luta pela hegemonia no poder foi substituída por um combate de vida e morte.
É por isso tudo que vou me contradizer. Desconsiderarei a racionalidade dos atores políticos, pelo menos os da Paraíba. Eles não percebem que essa autofagia política abrirá espaço para novas (digo novas, não recauchutadas) lideranças que possam depurar o oxigênio da política paraibana.
Fevereiro/2009.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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