quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Do que não me ufano.

Na Copa do Mundo de 1958 o técnico da Seleção Brasileira, Vicente Feola, fazia preleção para o jogo contra a União Soviética. Dizia que bastava fazer a bola chegar aos pés de Garrincha que este garantiria a vitória, quando Mané interveio: “Seu Feola, já combinou isso com os russos?”

Nossos governantes se esqueceram de combinar com os “russos” ao trazerem para o Brasil a Copa de Mundo (2014) e as Olimpíadas (2016). Ao abateram o helicóptero da polícia carioca, os traficantes estavam dizendo que faltou combinar também com eles. Claro que é inadmissível que as instituições fiquem a mercê de criminosos, mas o Rio é uma cidade conflagrada, com o crime organizado dominando áreas cada vez maiores.

Como eventos desse porte podem ocorrer em centros urbanos onde as instituições coercitivas são combatidas com armamento pesado? Pior, quando não demonstram condições de reverter a situação. A solução? Dar poder de polícia ao Exército, a Aeronáutica e a Marinha? Na verdade, quem deve ter poder de polícia é a própria polícia. Esperar que as Forças Armadas garantam a segurança pública é temerário, posto não serem talhadas para isso, mesmo tendo prerrogativas constitucionais, egressas da ditadura militar, e a Doutrina de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), utilizada cada vez mais em operações urbanas.

Devo me regozijar por que o Rio de Janeiro foi escolhido sede das Olimpíadas? Devo envaidecer-me, pois nem Barack Obama impediu que o Rio fosse eleito? Não, não vejo motivos para nos jactarmos. Os governantes devem se blasonar, pois Olimpíadas vitaminam projetos eleitorais. Como se impedirá que os traficantes atrapalhem a organização do evento caso entendam que este trará prejuízos aos “negócios”? Se eles podem derrubar um helicóptero blindado, o que não farão com todo o resto? Como tamanho evento acontecerá com uma polícia corrompida, cooptada e minada pelo crime organizado, com as tais balas perdidas e índices assustadores de criminalidade?

Definido o Rio como sede a polícia subiu o morro. Queria tomá-lo dos traficantes e lá ficar até as Olimpíadas? Instalaram as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em alguns morros e, ato contínuo, os traficantes atacaram para garantir territórios. O governador do Rio afirmou que a segurança será reforçada próximo aos eventos. Mas, fossem os jogos na Dinamarca e a segurança seria, também, reforçada. O comando da PM disse que as UPPs aumentarão a segurança nas favelas, pois forçarão os traficantes a agirem longe das instalações olímpicas, i.e., a preocupação não é combater e acabar com o poder deles, mas estabelecer uma coexistência pacífica. O prefeito do Rio de Janeiro disse que Londres, após ser escolhida sede olímpica (em 2012), sofreu atentados terroristas mais graves do que os fatos no Rio. Apenas não disse que desde então lá não houve mais atentados. Já no Rio eles acontecem diariamente. Por isso mesmo, não posso me ufanar.

Enfim, o que se quer saber é como se retirará os traficantes de seus domínios, forçando-os a depor armas. O monopólio delas, pelo Estado, é requisito essencial para que a população possa sentir-se segura. A polícia tem que fazer o trabalho de inteligência e efetivar políticas de segurança visando o bem estar do cidadão, além de armar-se para poder fazer frente ao aparato bélico dos traficantes. Simples assim. Tudo o mais é verborragia político-eleitoral.

Também, não serão as promessas de medalhas em profusão que me farão esquecer os acontecimentos na organização do Pan-2007. O tal legado social do PAN não existiu (nunca existirá) e o que ficou foi déficit operacional, dívidas gigantescas e denúncias variadas de malversação do dinheiro público. Tendo desperdiçado as oportunidades trazida pelo PAN, aproveitaremos as duas próximas? Temo que não, pois não temos instituições republicanas. A Copa do Mundo é um negócio privado comando pelo inefável Ricardo Teixeira, através de sua possessão - CBF. As Olimpíadas terão Carlos Arthur Nuzman, posseiro único dos haveres, bens e cabedais do esporte olímpico brasileiro, como aquele que ditará todos os procedimentos.

Como sediaremos uma Copa do Mundo, se os projetos para a construção e reforma de aeroportos estão parados? Existem problemas financeiros e as empresas e os governos estaduais não demonstram como pagarão os empréstimos contraídos junto ao BNDES; inexiste controle institucional sobre o fornecimento de insumos para as obras; há desperdício de material e ameaças ao meio ambiente; e pululam pelos tribunais contestações aos processos de licitação de obras feitas.

Se nas férias o tráfego aéreo vira um caos, o que dirá num evento que deve trazer cerca de 500 mil pessoas ao país? O governo quer mudar o status da Infraero – de estatal passaria a sociedade anônima de capital fechado para que não se submetesse à fiscalização alguma, i.e., o governo quer transformar a questão estratégica dos aeroportos em um negócio livre de controle – quer desrepublicanizar a já frágil gestão aeroportuária no Brasil.

Estima-se que só a Copa do Mundo custará ao país algo entre 80 e 150 bilhões de reais. Como esses montantes serão auditados? As transferências de recursos públicos para a iniciativa privada, para que se construam estádios, serão críveis? Ou se farão na base de “para os amigos tudo, para os inimigos os rigores da lei”? Pergunto-me, pasmo, como se pode escolher o Brasil se não temos, hoje, um único estádio em condições de receber jogos em nível do evento.

Ufanar-me-ia se tivesse a certeza de que, com os eventos, teríamos obras que contribuiriam para que problemas crônicos (segurança, transporte, moradia, saneamento, poluição, etc) de nossas cidades fossem sanados. Vestiria uma camisa verde-amarela se visse que isso fortaleceria a capacidade competitiva do Brasil mundo afora. Colocaria uma bandeira em minha varanda se soubesse que esses eventos trariam um consistente legado para a qualidade de vida das pessoas. O ministro das Cidades, Márcio Fortes, afirmou que no dia seguinte à Copa cada empreendimento terá que ser um legado verdadeiro, funcionando sem déficits operacionais ou subsídios do governo. Certo! Concordo. Mas, como isso acontecerá? Sugiro primeiro passar o Pan-2007 a limpo e só depois pensar-se em legados futuros.

Assusta saber que centenas de atletas continuarão a míngua até 2016 e que um ou dois serão pinçados para as vitórias e que ao ganharem uma mísera medalha, não a terão para si mesmo, fruto do seu próprio mérito, mas para o “Brasil-sil-sil!!!!”.

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