Contou-me um jornalista, duvidando que a reforma política seja feita, que um político paraibano de projeção nacional afirmou-lhe que (SIC): “a reforma política não sai porque não faremos algo que se voltará contra nós mesmos”. Constatarei, pois, o que a muito reluto em fazê-lo. A propalada e decantada reforma política não acontecerá a médio e longo prazo, posto que se feita de forma séria e republicana, considerando a necessidade de evoluirmos na qualidade de nosso sistema democrático, alterará a distribuição de poder hoje existente e aumentará o poder da população no sistema representativo. Os atores e partidos políticos não farão reformas que os levem a atuar republicanamente e a se submeterem as incertezas do jogo democrático.
Da forma como é tratada a reforma política me deixa abúlico. Numa exaustiva repetição os atores políticos vão discutindo a reforma para nos momentos definidores nada fazerem ou realizarem diminutas mudanças que alteram as regras do jogo eleitoral quando ele já está sendo jogado. Da forma recorrente como é (mal) tratada ela não gera dentro de seu próprio sistema modificações a partir dos efeitos gerados pelos impulsos que recebe, i.e., ela não se retroalimenta.
Em artigo, o Presidente da Câmara dos Deputados Michel Temer afirmou que: “Não é que não se queira fazer. É pelas dificuldades para realizá-la. Enquanto uns pedem urgência para os projetos de reforma, outros fazem obstrução para nada votar”. Temer revela que (1) usa-se o regimento da Câmara para não se fazer reformas e (2) o que se quer são mudanças pontuais para atender a interesses conjunturais. Não esqueçamos que os projetos de reformas, tramitando no legislativo, devem cumprir prazos para serem utilizados na eleição seguinte, i.e., para que mudanças feitas este ano valessem em 2010 teriam que ter sido promulgadas até setembro passado. Os deputados discutiram bastante e ao final saiu uma tosca tentativa de controlar o incontrolável – a divulgação de candidatos na internet. Reforma política relevante para 2010 não teremos. A ululante constatação de Temer me faz ímpio: “Discute-se a reforma desde 1998. Houvéssemos legislado entre 1998-2002, já poderíamos tê-la utilizado na eleição de 2006”.
A elite política não quer a reforma e, ao que parece, a sociedade também não, do contrário se mobilizaria como na campanha das Diretas-Já e no Impeachment de Collor. Afinal, que reforma desejamos e para que a queremos? Como ela será feita? Republicanamente, modificando a Constituição, ou via acordo palacianos. Reformas não devem ser feitas para atender a interesses comezinhos e filáucias de atores políticos. Devem ser um meio para se qualificar nossa democracia. A questão não se reduz a fazê-la ou não e sim a qualidade do processo que a implementará.
O menu da reforma política é complexo. Temos lista partidária fechada, com voto proporcional; voto distrital, misto ou puro; voto majoritário para eleger deputado; voto proporcional, com quociente eleitoral; financiamento público de campanha para partidos com lista fechada ou aberta. E o financiamento privado de campanhas, quem poderia fazê-lo – apenas pessoas jurídicas ou só as pessoas físicas? Ou tudo ficaria como está com ambas podendo contribuir? Permitir-se-ia financiamento público apenas para cargos majoritários? Que reforma acabaria o tal caixa dois dos partidos e coligações? Alguns itens são especulações casuísticas. Fala-se em fazer coincidir as eleições para todos os cargos do executivo e do legislativo e nos níveis federal, estadual e municipal. Defende-se o fim da reeleição, mas acrescentando um ano aos mandatos nos três níveis governamentais. E existem os que, teimosamente, defendem a re-reeleição presidencial e a proposta de que os suplentes de senadores sejam também eleitos pelo voto. Etc, etc, etc...
Os governos investem no desenvolvimento econômico, mas não se esforçam para que uma consequente reforma política seja efetivada. Não se movem em prol dela e abdicam da prerrogativa de propor projetos reformistas. Governantes turvam suas visões quando se trata de aprimorar mecanismos que podem tornar as instituições mais responsivas e dóceis aos mecanismos de accountability (a obrigação de se prestar contas aos órgãos controladores e/ou a sociedade) e ao sistema de freios e contrapesos, que existem em democracias onde o accountability é pleno. Este sistema trata da independência e harmonia entre os poderes, define suas obrigações e o que podem ou não fazer, além de regulá-los, limitá-los e impedir abusos. Quando uma lei é aprovada no legislativo, segue para a sanção do presidente que pode vetá-la se. Mas, se ele não o fizer, o Judiciário poderá decretar sua ilegalidade. Estes mecanismos serão habituais no Brasil se uma reforma político criar o lastro para que eles possam funcionar sem sobressaltos.
Claro está que a questão central da democracia é sua qualidade. Ela compreende aspectos de forma (procedimentos) e de conteúdo (substância) e reúne os mecanismos e práticas associados às formas de decidir em favor dos interesses sociais; além das normas que regem o bom funcionamento das instituições e as atitudes que marcam a relação entre elas e a sociedade civil. A qualidade da democracia avança quanto mais ela consegue aproximar e conciliar seus aspectos formais e substanciais. Pouco adiantará que a democracia seja de direitos se ela não for, também, de fato. A democracia tende a ser cada vez mais apoiada se ela funcionar bem para as pessoas comuns. Ela não pode ser desassociada do contexto socioeconômico em que as pessoas vivem.
É assim que a reforma política deve ser tratada – como um meio para que o sistema democrático brasileiro seja qualificado e não como um mero arranjo conjuntural para aumentar ou diminuir a fatia de poder de atores políticos. Se tratada de forma consequente e responsiva ela pode contribuir sobremaneira para que nossa frágil democracia se consolide.
Dezembro/2009.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário