Neste magistral artigo, publicado hoje (13/05/2010) na Folha de São Paulo, Clóvis Rossi reafirma a necessidade de que a democracia seja um sistema político capaz de controlar o mercado e não o contrário como querem os tais "neoliberais". Mas, alto lá bolivarianos e que tais, isso não pode (não deve) significar que o Estado baixará seus tentáculos sobre tudo e todos. Tão grave quanto o Banco Central ter plena autonomia (em relação ao governo) para assentir os quereres do mercado, é ter um Estado que usa sua pesada mão (para o bem e para mal) sem considerar nada mais. Daí, a democracia ser o melhor sistema, pois é o único que tem mecanismos para contrabalancear os interesses do Estado, da sociedade e do mercado - uma democracia consolidada, plena, pujante, não esse frágil arremendo que temos no Brasil.
MADRI - A discussão em torno da autonomia absoluta do Banco Central, levantada por José Serra, é na verdade a propósito da democracia. Democracia pressupõe que o eleitor escolha alguém (no Brasil chamado presidente da República), que tomará as decisões que julgar convenientes, entre elas o nível dos juros, o câmbio, o deficit ou superavit fiscal adequado.
Democracia não pressupõe que um funcionário subalterno tome tais decisões à revelia do presidente. É simples assim. O raciocínio subjacente à tese de que o Banco Central pode fazer o que quiser e o presidente da República não tem que se meter é radicalmente antidemocrático.
Pressupõe que o tal de povo pode, de repente, eleger um maluco para a Presidência (maluco do ponto de vista dos mercados, aos quais o Banco Central presta a maior reverência). Para contrabalançar esse risco, é preciso ter alguém sensato (sensato do ponto de vista dos mercados) para evitar maluquices.
Levado ao limite, tal raciocínio acabará por dispensar o voto popular, transferindo a escolha de uma boa vez para os sábios do mercado -os mesmos que estão na raiz da brutal crise ainda em curso. A primazia da política sobre os mercados apareceu ontem em artigo para "El País" de Felipe González, que pode ser acusado de muita coisa, menos de antimercado. Foi ele quem, como líder do Partido Socialista Operário Espanhol, limou o marxismo ainda existente no programa partidário.
Como presidente do governo, levou a Espanha à Comunidade Europeia, o segundo maior centro capitalista do mundo, após os EUA.González cobrou a regulação do sistema financeiro com este argumento: "Se não os regularmos [os mercados], eles acabam por regular-nos [aos governos e à sociedade], a seu capricho especulativo e com custos insuportáveis". Serra já tem com quem falar.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
Nenhum comentário:
Postar um comentário