Nunca foi novidade para nós
brasileiros vermos os poderes constituídos se enfrentando para, literalmente,
ver quem pode mais. No passado, volta e meia, o Poder Executivo costumava
mandar o Exército fechar o Congresso Nacional.Mais recentemente, os poderes
legislativo e judiciário passaram a ser enfrentar, pois nunca aceitamos que a Separação
dos Poderes fosse algo praticável. A colocarmos em nosso modelo republicano,
mas daí a efetivá-la já vai uma enorme distância.
Faz parte de nossa cultura política
aceitar pacificamente que um poder tente, e até consiga, emparedar o outro.
Quando o Poder Judiciário passa por cima do Poder Legislativo para implementar
reformas nas instituições políticas ninguém reclama. Quando o Poder Executivo edita
suas Medidas Provisórias, i.e., quando o governa faz o papel do legislativo
nada é dito. Quando o Congresso Nacional se recusa a acatar decisões judiciais
o máximo que se vê são os discursos raivosos e ocos de sempre. Mas, agora houve
o que eu chamo de uma tentativa institucional, desastrosa, autoritária e
oportunista da Câmara dos Deputados de encaçapar, emparedar, enfim, de limitar
os poderes do STF que vem a ser a suprema corte desse país. O que aconteceu já
se sabe.
A Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados tornou admissível uma Proposta de
Emenda à Constituição, uma PEC, que muda as regras para que se declare a inconstitucionalidade
de uma lei. Espertamente, os deputados membros da CCJ tornaram possível que as
chamadas súmulas vinculantes, editadas pelo STF, se submetam ao Congresso
Nacional. Na cara dura, eles inverteram a ordem das coisas. Viraram a mesa! Pois,
se o STF é a suprema corte desse país, além de ser o guardião da Constituição,
todos os outros poderes, e a própria sociedade, devem se submeter as súmulas
vinculantes do STF. Claro, considerando que existem os recursos.
A crise entre o STF e o Congresso
vem se acirrando já algum tempo. O caldo entornou quando o Ministro Gilmar
Mendes brecou a tramitação do projeto que inibe a criação de novos partidos. Os
nossos representantes ficaram revoltados! Deputados acusaram o STF de invadir e
de se intrometer na pauta legislativa. Senadores afirmaram que o STF deve se
limitar a revisar e interpretar atos legislativos, sob o risco de passar a
exercer um suprapoder e abalar o funcionamento da democracia. Interessante, que nossos
representantes não acham que a democracia está sendo ameaçada quando o STF
trata de assuntos, como a reforma política, que eles mesmos não querem tratar
por puro oportunismo.
Foi aí que a CCJ
resolveu retaliar ao aprovar um expediente que pretende alterar a ordem dos
fatores. A ideia, esdrúxula e estapafúrdia, era tirar o STF de seu devido
lugar, i.e., fazê-lo descer alguns degraus para se submeter às vontades do
Congresso Nacional. Rodrigo Haidar, editor da revista Consultor Jurídico, disse
que a tentativa da CCJ de enquadrar o STF é um retrocesso institucional
histórico de quase 80 anos. Se aprovada, essa PEC levaria o Brasil de volta à
ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas.
Existia na
Constituição de 1937 o artigo 96 que em tudo se assemelha à malfadada PEC da
CCJ. Como se sabe, essa Constituição era uma cópia da “Carta del Lavora” – a constituição fascista da Itália de Benito
Mussolini. Esse artigo 96 dizia que só por maioria absoluta de votos, da
totalidade dos seus juízes, poderiam os tribunais declarar a
inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato do presidente da República. Ou
seja, era quase impossível reverter um ato do presidente.
A CCJ aprovou, sem
qualquer discussão, que as decisões do STF, que declarem inconstitucionalidade de
emendas à Constituição, não podem gerar efeitos até que o Congresso se manifeste
sobre sua legitimidade. E tem mais. Caso, os parlamentares viessem a rejeitar a
decisão, ela teria que ser submetida à consulta popular. Ou seja, se uma
decisão do STF pode ser rejeitada de alto a baixo, então não precisaria que a
Suprema Corte a tomasse.
O fato é que existe
uma crise entre os poderes. E é fato, também, que a CCJ usou da cultura
política autoritária que a ronda para tentar emparedar o poder que, por
exemplo, julgou parlamentares na Ação Penal 470, a do Mensalão. A crise é
contundente, pois fazer a reforma política pela via judicial, ao se declarar a inconstitucionalidade
da cláusula de barreira e da fidelidade partidária, foi clara intervenção do
judiciário sobre o legislativo.
A muito que o Congresso vinha
ensaiando uma intervenção no judiciário. Os membros da CCJ julgaram que esse
era o melhor momento, apenas esqueceram que não mais vivemos em uma ditadura e que,
bem ou mal, vivemos num sistema democrático.