Publiquei hoje este artigo no Site do
UOL (http://noticias.uol.com.br/opiniao)
a propósito dos 52 anos do Golpe Civil-Militar de 1964 e de nossa atual
conjuntura politica.
Política
GILBERGUES
SANTOS
Atores políticos não podem ceder às tentações de
mudar as regras do jogo e devem concordar com as incertezas democráticas dos
resultados
Gilbergues Santos
Especial
para o UOL 01/04/2016 06h00
Passados 52 anos do golpe civil-militar de 1964 temos que
reavaliar o fato histórico, pois à medida que nos distanciamos temporalmente do
acontecimento nossa visão sobre ele muda. Assim, temos que redimensionar o 31
de março para nossos dias. É preciso refletir sobre a cultura política
pretoriana herdada da ditadura militar, já que em nossa atual conjuntura só
falamos de golpes de toda sorte e das ameaças que nossa frágil democracia segue
sofrendo.
Por que as memórias do golpe e da ditadura militar ainda nos são
tão vivas? Seria pelas feridas ainda não cicatrizadas e por termos uma
sociedade e um Estado recheados de "entulhos autoritários", que um
débil processo de liberalização não foi competente para extrair do nosso
entorno político?
A principal causa para o golpe de 1964 foi a tensão (um falso
dilema) existente entre democracia e mudanças sociais. O amplo espectro
político-partidário nacional antagonizava esses dois fatores,
desnecessariamente. Os atores políticos à direita acreditavam que pela
democracia poderia se chegar às mudanças sociais, e por isso deram o golpe. Os
atores à esquerda defendiam que só teríamos mudanças sociais acabando com a
democracia. O confronto entre as forças políticas contrárias e favoráveis às
reformas de base destruiu as instituições democráticas. O resultado a que se
chegou bem conhecemos: democracia inexistente e nenhuma reforma social!
O processo de liberalização política (notem que não falo em
redemocratização ou transição), efetivado com a eleição de Tancredo Neves, é
torto, pois não afastou do cenário nacional os atores políticos da ditadura. O
que nós tivemos foi um pacto entre as forças políticas, iniciado ainda em 1974
e capitaneado por Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. O resultado foi um
processo em que lentamente se foi inserindo alguns elementos do ritual
democrático nas instituições sem, no entanto, reformá-las e, principalmente,
mantendo intocada a espinha dorsal do regime ditatorial: o poder militar.
Se democracia política são os mecanismos e práticas associados às
formas de decidir em favor dos interesses sociais –além das normas que regem o
bom funcionamento das instituições e as atitudes que marcam a relação entre
elas e a sociedade civil–, veremos que não temos uma democracia consolidada.
Não tivemos um processo em que sociedade civil e Estado pudessem firmar um
compromisso para banir as prerrogativas que os militares atribuíram para si
durante 21 anos. Como na ditadura, e seguindo a lógica da Doutrina de Segurança
Nacional que dizia que o inimigo a se combater estava dentro do território
nacional e não fora dele, as Forças Armadas continuaram mais preocupadas com a
segurança interna do que com a externa.
Vivemos um momento difícil por não percebermos o quanto ainda temos
que avançar no sentido de efetivarmos uma democracia em que aqueles que detêm
as armas irão obedecer aos que não as tem. É preciso, também, que os atores
políticos não cedam às tentações de mudar as regras do jogo político enquanto
ele estiver sendo jogado, além de concordarem em se submeterem às incertezas
democráticas dos resultados. Falta-nos, ainda, aceitar que democracia tem um
valor universal. Infelizmente tinha mesmo razão Millôr Fernandes quando dizia
que "ditadura é você mandar em mim e democracia sou eu mandar em
você!".
GILBERGUES
SANTOS
é cientista político e professor da UEPB (Universidade Estadual da
Paraíba)
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