Em 14/12/1968 o
antigo “Jornal do Brasil” trazia no alto de sua primeira página a seguinte
previsão meteorológica: “Tempo ruim. Temperatura sufocante. O ar está
irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos”. Mas, fazia naquele
dia um solzão de dezembro. A temperatura na cidade do Rio de Janeiro variava
entre 35º e 38º graus. Outra coisa que chamou a atenção dos leitores foram
fotos publicadas no lugar dos famosos editoriais do Jornal do Brasil. Ao invés
daquela sempre bem elaborada coluna política do jornalista Carlos Castello
Branco, o Castelinho, aparecia uma foto onde um enorme lutador de judô dominava
um pequeno e frágil garoto.
Em “1968: o ano que
não terminou” o jornalista Zuenir Ventura relata essa história para
exemplificar como a sociedade recebeu o Ato Institucional nº 05 que havia sido
baixado, não por acaso, numa sexta-feira, 13. O AI-5 ficou sendo chamado de o
golpe dentro do golpe. Ele foi o recrudescimento, a radicalização, do golpe
civil-militar de 1964. De abril de 1964 até aquele dezembro de 1968, os
militares se mantiveram no poder, à frente da ditadura. Mas, eles pareciam ter
vergonha de estarem no comando autoritário do país. Tanto é que foi neste
período que os estudantes ganharam as ruas cantando “vem vamos embora que
esperar não é saber, quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Naquela aterrorizante sexta-feira (a exatos 55 anos) os militares ocuparam em definitivo o poder e o fizeram de uma forma avassaladora como nunca se viu. Foi por isso que o Jornal do Brasil colocou o lutador brutamontes dominando a criança. Aquilo foi uma metáfora. O lutador era o Estado militarizado dominando seus adversários. O garoto era a própria sociedade que se tornava ínfima, pequenina, diante de um poder colossal. Foi por isso que o Jornal do Brasil afirmou que o tempo estava péssimo, a temperatura sufocante e o ar irrespirável.
A sensação das
pessoas é que não se podia respirar. O país estava, sim, sendo varrido pelo
tufão do autoritarismo desmedido. Acabavam-se as garantias legais do cidadão. O
AI-5 era, literalmente, uma sentença de morte para os que eram contra a
ditadura. Vejam que o artigo 2º do AI-5 dava ao Presidente da República, um
general do Exército, poderes ilimitados acima de tudo e de todos. Ele podia,
por exemplo, decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias
Legislativas e das Câmaras Municipais por tempo indeterminado.
O General-presidente
de plantão poderia, também, decretar estado de sítio a qualquer momento e a seu
exclusivo critério. O ato autorizava o poder executivo legislar em todas as
matérias, exercendo, inclusive, o poder de polícia sobre o legislativo. No
artigo 3º, o ditador-presidente da República poderia decretar intervenção
federal nos Estados e Municípios sem quaisquer limitações de outra ordem. Por
sinal, Campina Grande, na Paraíba, foi um dos municípios a passar por uma
intervenção federal militarizada.
A partir do artigo
4º, o AI-5 mirava o cidadão. Nele se dizia que o ditador de plantão poderia,
sem as limitações previstas na Constituição, ou seja passando por cima dela,
suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos.
Quando uma pessoa tinha seus direitos cassados era, invariavelmente, levada à
prisão, à tortura, ao exílio e até a morte. Cassar direitos políticos era, para
os ditadores, sinônimo de eliminar a própria vida do cidadão.
O artigo 5º era o supra sumo do autoritarismo. Por ele se suspendia o direito de votar e de ser votado; se proibia atividades e manifestações políticas; se impunha a qualquer pessoa um tipo de liberdade vigiada, com a proibição de frequentar lugares públicos. O fato é que ao ter seus direitos políticos suspensos o cidadão ficava impedido de exercer quaisquer direitos públicos e/ou privados. Por exemplo, ele não poderia solicitar quaisquer documentos, inclusive uma nova via de sua cédula de identidade.
Em seu artigo 10º o
retrocesso era total, pois se suspendia a garantia de habeas corpus para os
casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e
social e a economia popular. O AI-5 autorizava os órgãos de repressão, do
governo militar, a prender qualquer pessoa e em qualquer lugar, inclusive em
sua residência, e mantê-la incomunicável por até 120 dias e sem direito a
habeas corpus. Tempo suficiente para se sumir com um corpo.
Os homens que
formavam o Conselho Nacional de Segurança baixaram o AI-5 sem nenhum pudor. O
general Jarbas Passarinho disse “às favas, senhor presidente, neste momento,
todos os escrúpulos de consciência". O AI-5 permitiu a repressão,
intervenção, cassação, suspensão dos direitos, prisão preventiva, demissões,
perseguições e até confisco de bens. E tudo isso em nome da segurança nacional.
Com o AI-5 nos tornamos uma sociedade amedrontada. Mesmo assim, ainda temos
parte considerável da sociedade brasileira supondo que um novo AI-5 seria
solução para muitos dos nossos problemas. Na verdade, os que defendem o AI-5 e
a própria ditadura militar só o fazem porque são frutos disso. São os entulhos
autoritários que somos obrigados a carregar enquanto tentamos erguer uma
sociedade baseada em procedimentos democráticos.