terça-feira, 25 de março de 2008

1968 – O ANO QUE TEIMA EM NÃO TERMINAR.

Parte II: A crônica da morte anunciada de um mundo que não existiu.


Em 2008 temos os 50 anos da Bossa Nova e os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. E temos, também, os 40 anos de 1968. Então, veremos os seus sublimadores afirmarem que ele mudou o mundo e nossas vidas, e seus detratores preferindo esquecê-lo.

Reflitamos se 68 merece ter essa aura mágica em torno de si mesmo. Vejamos se ele efetivamente contribuiu para mudar o mundo e a cosmovisão das gerações subseqüentes. Elio Gaspari afirmou que 68 “será revisitado como aquele grande ano da aurora de suas (nossas) vidas, que o tempo não traz mais. Virão as doces lembranças das passeatas e dos festivais de música.”

Porque 68 insiste em não terminar? Porque aqueles que não o viveram sentem saudades dele? Porque 68 deve ser para nossas vidas como o ano-zero que pariu um novo tempo?

Se a história é um continuo processo e não um simples suceder de fatos estanques, 68 não pode ser isolado em detrimento do que de mais relevante aconteceu em todos os outros anos da década de 60. É até compreensível o saudosismo de muitos, pois se lembram de coisas caras as suas emoções. Mas, parecem sentir, também, falta daquilo que não ocorreu ou deturpou-se.

Como falar de 68 como o ano das utopias libertárias se os seus atores (à esquerda) não tinham a democracia como alvo? É possível falar dos valores libertários de uma geração que defendia a ditadura do proletariado? Vejamos que quase toda a esquerda brasileira apoiou a invasão da URSS na Tchecoslováquia que esmagou a Primavera de Praga.

Interessante perceber que os jovens que lutavam por liberdade no Brasil apoiavam aqueles que passavam tanques de guerra por cima dela no leste europeu!

No trecho de um documento de uma organização da década de 60, retirado do livro “Imagens da Revolução” de Daniel Aarão, vê-se a visão instrumental de democracia e de liberdade dessa geração. Não por acaso, o documento é de 1968: “Ao lutarmos contra a ditadura, o objetivo é a conquista de um Governo Popular e Revolucionário e não a redemocratização. A luta pelas liberdades democráticas é de grande importância na situação atual, não significa um fim em si, mas um meio para aglutinar forças contra a ditadura”. (grifos, em negrito, meus).

A sacralização de 68 tem uma função implícita: mistifica o culto que as organizações de esquerdas faziam à violência revolucionária. As perdoa por terem apoiado a Revolução Cultural de Mao Tse-Tung, que tentava (pela força) livrar a China de suas heranças milenares, e a ditadura que os vietcongs implantaram depois de vencerem a guerra contra os EUA. As absolve da defesa aos fuzilamentos praticados em Cuba, tidos como necessários por aniquilarem os “inimigos do povo”, e por terem tentado (pasme!) justificar a ditadura sanguinária de Pol Pot no Camboja.

Legou-se uma visão de que uns queriam o melhor e outros o pior. Não se deve negar os atos criminosos cometidos pelos militares e seus asseclas. Mas a violência incivil da ditadura encobriu o caráter autoritário das idéias e dos projetos à esquerda. Os atos dessa geração voluntariosa se justificam pelos seus ideais – mesmo o justiçamento, um eufemismo criado pela própria esquerda para justificar a eliminação de “indesejáveis”.

Um erro crasso sobre 68 é o de achar que suas causas e conseqüências aconteceram ao mesmo tempo e em vários lugares. É querer que o “Maio francês” tenha tudo haver, ao ponto de influenciar, com as passeatas estudantis brasileiras. Pode-se até insistir em traçar uma linha entre os vários acontecimentos pelo mundo afora. Mas os riscos são vários, pois aqui e acolá algumas semelhanças apareceram e podem enganar os incautos.

Na França, 68 se resumiu aos opostos e suas representações: a revolta dos estudantes em maio e a vitória eleitoral do ultra-conservador Charles de Gaulle em junho. Nos Estados Unidos a questão girava em torno da Guerra do Vietnã e da explosão dos movimentos hippie, feminista e racial. No Brasil, 68 começou com o assassinato do estudante Edson Luis, experimentou as passeatas e o Congresso de Ibiúna e terminou melancolicamente com a decretação do AI-5 – o endurecimento do regime militar, instalado em 1964, ou o golpe dentro do golpe como muitos preferem acertadamente tratar.

Aqui um grande momento foi a passeata dos Cem Mil, ocorrida no Rio de Janeiro em 26 de junho – os mais diversos setores da sociedade, liderados pelos estudantes, foram às ruas dizer que não aquentavam mais a ditadura.

Sintomático que neste dia 26, durante a passeata, a esquerda tenha gritado por liberdade e a noite demonstrado que não a queria. Um comando da Vanguarda Popular Revolucionário (VPR), liderada pelo Capitão Carlos Lamarca, jogou um veículo com explosivos contra o QG do 2º Exército, em São Paulo, matando o soldado Mário Kozel Filho. Usou do mesmo remédio (violência) que os militares utilizavam para combatê-la.

Não havia o desejo tácito de um retorno à democracia e sim a vontade latente de uma escalada ditatorial. O AI-5 foi recebido pelas organizações como uma coisa inevitável. Foi, até, a justificativa que faltava para que muitos mergulhassem de vez na clandestinidade e na luta armada.

Se eu tivesse que dar um sinônimo, para não ter que utilizar os chavões idealizadores, diria que o “68 brasileiro” foi o ano da radicalização política. Naquele momento todo o espectro político brasileiro era contra a democracia e todos defendiam a violência como instrumento de ação política.
A diferença é que enquanto uns a queriam para fazer revolução, outros a utilizaram para evitá-la.

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