Passados 44 anos do golpe civil-militar de 1964 duas questões merecem destaque.
(1) Reavaliar o golpe como fato histórico, pois à medida que nos distanciamos temporalmente do acontecimento a nossa visão sobre ele muda e, então, temos que redimensionar o 31/03 para a nossa visão atual.
(2) Uma reflexão sobre a cultura política pretoriana herdada da ditadura militar.
Mesmo não desconsiderando a primeira questão, prefiro me deter na segunda, pois ela remete a nossa realidade.
Por que as memórias do golpe e da ditadura ainda nos são tão vivas? Seria pelas feridas ainda não cicatrizadas? Ou por termos uma Sociedade e um Estado recheados de “entulhos autoritários”, que o nosso débil processo de liberalização não foi competente para extrair do nosso entorno político?
A principal causa para o golpe de 64 foi a tensão (um falso dilema) existente entre democracia e mudanças sociais. O amplo espectro político-partidário nacional antagonizava estes dois fatores desnecessariamente. Os atores políticos à direita acreditavam que pela democracia se chegaria às mudanças sociais - por isso mesmo deram o golpe. Os atores à esquerda defendiam que só teríamos mudanças sociais acabando com a democracia.
O confronto entre as forças políticas contrárias e favoráveis às reformas de base destruiu as instituições democráticas. O resultado a que se chegou bem conhecemos: nenhuma reforma social e democracia inexistente!
O processo de liberalização política (notem que não utilizo os termos redemocratização e transição política), efetivado com a eleição de Tancredo Neves, é torto, pois não afasta do cenário nacional os atores políticos da ditadura. O que nós tivemos foi um pacto entre as forças políticas - iniciado ainda em 1974 e capitaneado por Geisel e Golbery.
O resultado foi um processo em que lentamente se foi inserindo alguns elementos do ritual democrático nas instituições sem, no entanto, reformá-las e, principalmente, mantendo intocada a espinha dorsal do regime ditatorial: o poder militar.
Se democracia política são os mecanismos e práticas associados às formas de decidir em favor dos interesses sociais; além das normas que regem o bom funcionamento das instituições e as atitudes que marcam a relação entre elas e a sociedade civil, veremos que não temos uma democracia consolidada.
Não tivemos um processo em que Sociedade Civil e Estado firmassem um compromisso para banir as prerrogativas que os militares atribuíram para si durante 21 anos. Como na ditadura, e seguindo a lógica da Doutrina de Segurança Nacional que dizia que o inimigo a se combater estava dentro do território nacional e não fora dele, as Forças Armadas continuam mais preocupadas com a segurança interna do que com a externa.
Vivemos um momento difícil por não percebermos o quanto ainda temos que avançar no sentido de efetivarmos uma democracia em que aqueles que detêm as armas irão obedecer aos que não as tem. É preciso, também, que os atores políticos não cedam às tentações de mudar as regras do jogo político enquanto ele estiver sendo jogado, além de concordarem em se submeterem às incertezas democráticas dos resultados.
Falta-nos, ainda, aceitar que democracia deve ter um valor universal em nosso país e rejeitarmos aquele dito do humorista Millôr Fernandes que diz que “ditadura é você mandar em mim e democracia sou eu mandar em você!”.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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