Este artigo, publicado na FOLHA DE SÃO PAULO de domingo passado (18/05), merece ser lido com um certo distanciamento. Para acima e além das paixões político-partidárias e dos interesses ideológicos e profissionais, acho interessante lê-lo com o olhar atento de quem se preocupa com as consequências dos atos políticos hoje praticados. Interessante, também, notar como as relações civil-militar no governo Lula são frágeis, assim como em governos anteriores. Boa leitura.
CESTA INDIGESTA (JANIO DE FREITAS)
O festival da economia até encobre, mas não torna mais digestivas as situações críticas que o governo tem diante de si. As situações críticas que o governo tem diante de si, estimulando-as a agravar-se por irresponsabilidade ou temor, enchem uma cesta básica de promessas indigestas que o festival da economia e das Bolsas encobre, mas não torna mais digestivas.
Os mais importantes jornais do mundo, pela amostragem disponível, foram unânimes na preocupação crítica com a indução, por Lula, da renúncia de Marina Silva. E com o motivo que o levou a isso, contrário ao meio ambiente que obceca europeus e grande parte dos EUA. Lula vive de imagem, sobretudo no exterior encantado com a fábula do operário, e a cutucada explícita que levou da visitante primeira-ministra alemã, Angela Merkel, é significativa: indica que foram alertadas atenções internacionais para o que já era, com Marina Silva, o desmatamento desatinado e, agora, ameaça agravar-se, com as novas diretrizes da Amazônia como território de crescimento econômico e militar.
Subjacente à má repercussão da renúncia forçada, a solução dada por Lula é, no mínimo, incerta. Desejoso de licenciamento de obras sem perda de tempo com estudos ambientais, Lula escolheu um ministro que até hoje não se mostrou apenas veloz e até afoito em licenciamentos, mas dotado de disposições pouco ou nada conciliáveis com as novas idéias para a Amazônia. Se não obtiver as concessões necessárias, a tendência é de agravar os atuais desgastes internos e preocupações externas, e seus respectivos efeitos.
O problema na área militar, localizado com explicitude no Exército, apenas eclode no confronto motivado pela reserva indígena Raposa/Serra do Sol. Não nasceu daí. Estava incubado, e surgiu a ocasião que o expõe. Lula não faz o gênero dos militares, que não o acompanharam no apagar do seu passado de sindicalista e agitador petista. Nem, aí ainda menos, o acompanham em maioria na política externa alheia à dos Estados Unidos, em especial a relativa a Hugo Chávez, Evo Morales, Irã, agora Fernando Lugo, e semelhantes.
Da oportunidade de Raposa surgiu, porém, uma realidade nova na relação entre militares do Exército, com adesão parcial de outros, e a presidência de Lula.
A divergência ganhou forma de confronto público, com atos ostensivos de contestação a decisões governamentais. Até com a inovação, inimaginada mesmo nos tempos da agitação militar como norma ou profissão, da abertura de um quartel a manifestação e discursos paisanos contra o presidente, o ministro da Justiça e a Polícia Federal. Na inovação estava um dos frutos de uma evidência: o ministro da Defesa, o bravo Nelson Jobim da cassação branca de mandatos na Anac, e Lula mostram-se incapazes, por aturdimento ou por temerosa insegurança, de repor a ordem onde deve estar no regime democrático.
Fraqueza parecida, quando não bastam os comícios para escondê-la, está em episódios simbolizados pelas sucessivas interrupções, por garimpeiros e sem-terra, de atividades da Vale no Pará. O governo Lula, e o próprio mais do que todos, não quer confrontar-se com os (ex)companheiros. Mas o confronto não é necessário se o governo, em vez de contribuir com a omissão para episódios cada vez mais perigosos, adotar a providência simples de reconhecer o problema e solucioná-lo. O problema, no caso, nem é dos complicados, nele presentes mais pretextos do que razões.
E já que, ali atrás, apareceu a Anac, a Agência Nacional de Aviação Civil, aí vai: a bagunça no sistema de aviação comercial e nos serviços aeroportuários continua a mesma, e o provável é que esteja pior, ainda que menos visível nos saguões. A Varig abandona as linhas internacionais, a BRA foi-se, a Ocean Air corta serviços e centenas de funcionários; a TAM e a Gol dividem entre si a exclusividade em linhas a que ambas serviam, e com a redução da oferta aumentam os preços absurdamente, sob indiferença da Anac; passageiros têm ficado longo tempo embarcados à espera de tripulações que, por norma, as empresas devem pôr nos aviões antes dos passageiros.
Sinal interno da desordem na Anac: o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, decidiu não mais indicar representante da FAB na agência, diante da inutilidade de tê-lo (como indicado na recente renúncia do brigadeiro Alemmander, por desentendimentos com a neófita presidente da Anac, amiga de Nelson Jobim, Solange Vieira).
E, para não ir muito mais longe, lembro só o caso do José Aparecido. O que passou o dossiê para proteger Lula, intimidando a oposição com um aperitivo sobre os gastos de Fernando Henrique, e agora está acusado pelo governo de traidor. Daí talvez saiam só bobagens, mas pode sair uma bomba espetacular.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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