quarta-feira, 14 de maio de 2008

VOCÊ ACREDITA NA DEMOCRACIA - Preleções para uma eleição próxima.

Uma breve explicação:
Frequentemente sou solicitado a escrever sobre a relação entre eleições e corrupção. Em geral, as pessoas querem que eu expresse nossa indignação sobre a corrupção que grassa as instituições políticas e a sociedade. No entanto, me incomoda saber que eleições são um meio de levar corruptos ao poder e me dói os ouvidos escutar coisas do tipo "político é tudo igual, eu vou votar no primeiro ladrão que aparecer". Estou convencido que esse estado de coisas só mudará pela nossa iniciativa e, abaixo, demonstro como devemos proceder, por isso falo em preleções. Boa leitura!

Os nascidos em 1992 votarão nas eleições deste ano. A maioridade política é polêmica, pois se o jovem de 16 anos é responsável para votar por que não sê-lo para responder por crimes cometidos? Esse é só um sintoma das indefinições de nossa democracia que, parida da liberalização iniciada na ditadura, só tem 23 anos. Quando os atuais jovens de 16 de idade nasciam, havia apenas 7 anos que a ditadura acabara. Convenhamos tudo é muito recente e são latentes em nosso entorno os entulhos autoritários da ditadura como a Lei de Imprensa de 1967. A Constituição de 1988 é igualmente jovem e traz os germes da ditadura, vide os artigos 142 e 144 que dão prerrogativas aos militares inexistente em várias democracias. A questão é: como viver em uma democracia inexperiente? Como prezar a política quando ela não serva para entender a realidade? Não dá para valorizar as instituições políticas se elas não estão presentes na vida do cidadão.

Como respeitar uma eleição, se vemos que a maioria dos eleitos não vão cumprir as funções que lhes delegamos? Não é possível pedir ao cidadão que creia na democracia, se sua memória política o remete sempre a uma ditadura. Não faz sentido exigir que honremos as instituições se fomos habituados a fazer valer nossos direitos e opiniões pela força e não pelo convencimento. Para se exercer direitos políticos é preciso bem mais do que preleções. É necessário vivenciar a democracia cotidianamente. Eleições permanentes e alternância no poder são importantes, diria essenciais. Mas, o cidadão tem que entender que é responsável pelas escolhas feitas. É imprescindível que se tenha consciência que os eleitos poderão se apoderar do erário.

O eleitor precisa, também, ser responsabilizado. Não criminalmente, mas sim politicamente. Precisa introjetar que também é responsável pelos acertos e erros cometidos pelo político que ele mesmo consentiu ocupar um cargo público. Não adianta fazer discursos enfurecidos diante dos escândalos de corrupção e depois dar ao corrupto o conforto de ter um mandato e foro privilegiado.

Adianta pouco termos eleições em profusão se não temos accountability - o processo que inicia-se com a prestação de contas dos gestores da res publica e que demonstra suas sensibilidades e responsabilidades diante dos cidadãos. Accountability pressupõem a existência de mecanismos institucionais efetivos, que permitem que os que descumprem suas funções sejam responsabilizados de acordo com um entendimento ético-jurídico e com pressupostos penais que causem punibilidade. Nossas instituições estariam maduras para levar a cabo um processo de tal magnitude?

Nosso processo eleitoral evoluiu com dificuldades. Em 1960, na última eleição presidencial antes do golpe de 64, 6 milhões de eleitores votaram. Na eleição seguinte, 29 anos depois, foram 120 milhões de eleitores. Crescíamos quantitativamente enquanto desaprendíamos a votar. Já em 2004, os eleitores entre 16 e 18 anos foram cerca de 3 milhões e os entre 18 e 25 anos 22 milhões. Quantos destes estão hoje suficientemente amadurecidos para participarem de um processo eleitoral e para atentarem para a responsabilidade de se eleger um reconhecido corrupto?

Para filósofos da política dos séculos XVII e XVIII o governo e o sistema representativo deveriam ter o consentimento dos indivíduos para serem legítimos. Esta anuência viria pelo contrato social, materializado pelo sufrágio universal, onde os cidadãos dariam autoridade para que leis fossem decretadas. Schumpeter, na metade do século XX, se referia à democracia como um método político. Uma estrutura institucional que escolheria os que teriam o poder de decidir. A sua essência seria a capacidade dos cidadãos de substituir um governo por outro para se protegerem dos riscos dos escolhidos se tornarem uma força inamovível. Dizia ele: “A democracia significa apenas que o povo tem a oportunidade de aceitar ou recusar os homens que a governam”. Devemos nos contentar com isso? Não, é insuficiente! Mas, se não consolidarmos nem isso, como avançaremos para um sistema que contemple aspectos mais amplos do funcionamento de um Estado que seja a um só tempo legal e legítimo, portanto, de direito e democrático.

Hoje o impeachment de Collor já é assunto dos livros didáticos, a ditadura parece coisa de um passado remoto e eleições se sucedem a cada dois anos. O que nos falta? Ter a política como algo que oriente as relações sociais e uma mentalidade democrática que substitua essa pretoriana visão de mundo que temos. Mas, isso não se faz com discursos e sim pela prática. Eleições podem ser uma via para isso. Se é ruim conviver com elas, o que dirá sem?

Pela educação, não pela força, nosso passado autoritário deve ser revisto. Na ditadura, Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política do Brasil e Estudos dos Problemas Brasileiros constavam nos currículos escolares para afirmarem os interesses do regime militar. Mas, paradoxalmente, eram subvertidas por professores que driblavam a censura e o medo para ensinar “assuntos diferentes” para seus alunos. Foi assim que muitos, como eu, tiveram acesso às coisas da filosofia, da política, da história, da sociologia, etc.

Os que se lembrarem disso são menos jovens do que esses que vão votar pela primeira vez este ano e podem contribuir num processo de educação política. Se não estamos em uma ditadura e temos liberdade de expressão por que não utilizar os espaços devidos para educar para a cidadania, não essa burocratizada, mas aquela que ensina como funciona e para que servem as instituições políticas. O que é a República, a Federação, a Constituição, os poderes e suas funções, as Eleições e os Partidos, os direitos e os deveres, o papel da Imprensa, etc. Munir o jovem para que ele entenda o funcionamento da democracia e possa valorizá-la como algo útil para a sua existência.

No século XX vivemos 36 anos sobre ditaduras, a fora os anos onde vestígios de democracia coexistiam sob uma couraça de autoritarismo. Desde a Proclamação da República ainda não conseguimos ter mais de 35 anos contínuos de democracia sem que ditaduras e autoritarismos de toda sorte solapem as instituições. Do fim do regime militar, em 1985, até aqui ainda somamos menos anos do que os vividos sob as duas ditaduras do século passado. Nossa jovial e festiva democracia eleitoral ainda tem muito que evoluir. É preciso ter instituições maduras e responsáveis, com cidadãos respeitados em seus direitos e igualmente responsáveis. Somos, agora, instados a educar os jovens para a cidadania e para a pluralidade democrática, senão ficaremos sempre a perguntar: VOCÊ ACREDITA NA DEMOCRACIA?


PS: Uma luz no fim do túnel?


Anualmente, os TCEs (Tribunal de Contas do Estado) encaminham aos TREs (Tribunal Regional Eleitoral) listas com os prefeitos que tiveram suas contas reprovadas. O objetivo é instruir os processos que requerem registro de candidaturas. Os relatores ficam sabendo os postulantes que, como gestores de seus municípios, tiveram suas contas rejeitadas pelo TCE. À luz dessas informações o pedido pode (ou não) ser negado. O fato alvissareiro é que o eleitor, antes de definir-se por um candidato, pode ir até o site do TCE e verificar a situação de suas contas. Se o resultado da consulta for positivo, porque insistir no erro? Melhor não (re)conduzir o mau gestor ao posto onde ele pode continuar a cometer culpas e/ou dolos. Este é, sem dúvida, um instrumento eficaz para subsidiar nossas escolhas nas próximas eleições.

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