CARTA CAPITAL - Diálogos sobre a tortura - 02/12/2008 - Celso Marcondes
Foi realizado nesta segunda-feira um Ato Público exigindo a punição dos torturadores da época da ditadura militar. Na Assembléia Legislativa de São Paulo, sob coordenação dos deputados Paulo Teixeira e Simão Pedro, do PT, dezenas de pessoas, representantes de entidades sindicais e defensoras dos direitos humanos fizeram seu protesto. O ministro Paulo Vannuchi discursou, reafirmando sua expectativa de que presidente Lula determine a abertura dos arquivos da ditadura antes do final de seu mandato. Disse também que ele e o ministro Tarso Genro não são vozes solitárias no ministério em defesa desta posição e da necessidade da punição dos torturadores.
Porém, não é isso que tem sido veiculado na imprensa. Ficamos na torcida de que este isolamento dos dois ministros deixe de transparecer. O tema punição dos torturadores tem sido tratado regularmente por Carta Capital em suas páginas e site. É da maior relevância.
Nesta coluna tem gerado diálogos com nossos leitores que ilustram bem os eixos da polêmica. Um debate tem sido caloroso, aquele com o leitor Antônio F. Nas próximas edições desta coluna ele será compartilhado com os leitores, na ordem exata em que acontece. A primeira carta, Antônio F. escreveu logo depois que publiquei um artigo em defesa da punição aos torturadores:
Quarta-feira, 12 de novembro de 2008 Assunto: Tortura
Senhor Celso,
Para o senhor, o torturador tem que ser punido. E quanto aos terroristas? Terroristas esses que hoje na sua maioria estão aí no poder? Dilma, Genoíno e muitos mais? Que lei é essa que só ver um lado? Tem muitos jornalistas por aí que tão com a bunda gorda sentado numa confortável poltrona metendo o pau nos militares (militares esses muitos mortos por atentados terroristas) e recebendo uma gorda pensão do Estado. Falar é fácil, não é, meu senhor?
Antônio F.
Quarta-feira, 12 de novembro de 2008
Prezado Antônio F.,
Obrigado pela mensagem. Esclareço meu ponto de vista: torturadores de ontem e de hoje têm que ser punidos.
E os “terroristas”? Se o senhor chama assim os guerrilheiros que pegaram em armas contra a ditadura militar que tomou o poder pela força das armas, eu avalio que eles estavam errados ao tentar responder desta forma ao regime de terror que o País viveu desde 64. Tão errados que não obtiveram apoio popular e foram literalmente massacrados pelos militares. TODAS as organizações guerrilheiras (as que o senhor chama de “terroristas”) FORAM DIZIMADAS entre 71 e 75. Não sobrou NADA delas.
Centenas de “terroristas” – e muitos que nem o senhor poderia enquadrar nesta nomenclatura, porque não usaram da força contra as Forças Armadas – foram assassinados ou presos e torturados ou perseguidos ou obrigados a sair do país durante muitos anos. Entre eles, a ministra Dilma e o deputado Genoíno. Os dois em particular pagaram muito caro pela opção que escolheram ambos foram presos e torturados. Hoje, é verdade, estão no poder. Mas estão fora dele outras centenas que não sobraram para contar a história. Ou seja, creio que os opositores ao regime militar já pagaram um alto preço por suas ações. Os que não pagaram foram anistiados, junto com os militares que apoiaram o golpe de 64 e derrubaram um governo eleito democraticamente.
Já os torturadores (que não eram todos os militares e policiais civis), inclusive os de Dilma, Genoíno, andam soltos entre nós e nunca receberam qualquer punição. Isso não é justo. Quanto aos jornalistas que receberam indenização do Estado: sou jornalista, combati o regime militar sem colocar uma arma na mão e acho que os únicos que merecem alguma indenização são os que sofreram torturas dos representantes do Estado ou os parentes dos mortos nas masmorras da ditadura. Mais difícil que falar, foi enfrentar aquele regime de terror há 40 anos.
Naqueles tempos qual era o seu lado senhor Antônio?
Na coluna de ontem iniciei a publicação do meu debate com o leitor Antônio F. sobre a questão da tortura durante a ditadura militar. Publiquei uma primeira carta do leitor, contestando um dos artigos desta coluna, em 10 de novembro, intitulado Torturadores de “terroristas” e minha réplica.
Abaixo publico o segundo “Diálogos”, com a tréplica de Antônio F. e um pequeno comentário meu. Amanhã tem outro.
Posições mais que explicitadas e acaloradas, aguardando uma decisão do governo sobre o tema e revelando fissuras e feridas latentes da nossa história.
Quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Senhor Celso,
Defendo seu ponto de vista, mas não abro mão do meu. O senhor Genoíno, Alfredo Sirkis, Dilma e outros mais, que lutaram contra a ditadura, ou dizem que lutaram, a meu ver nem tinham ideologia, eram mais uns agitadores, hoje estão aí se vangloriando de coisas que não fizeram; Fizeram sim: seqüestrar, roubar, matar em nome de seus ideais (será que os ideais dos mesmos estavam corretos?).
A ditadura na época não existia só no Brasil, era um regime adotado em quase toda a América Latina, na África (até hoje) e outros países do Oriente Médio e Ásia. Mas o que era a ditadura? Será que era tão ruim assim? O que os militares fizeram de tão mal a não ser defender os interesses do País e não permitir que fosse implantado um regime comunista? Regime esse que já se viu, não é benéfico para nenhuma Nação?
Não sou militar, mas SOU PATRIOTA, e posso dizer que: entre a DITADURA MILITAR e essa ESCULHAMBAÇÃO QUE TÁ AÍ, prefiro a primeira opção.
José Genoíno, pelo que sabe nunca foi torturado. Não sentiu nem uma dor na unha, o que se sabe dos militares (Sebastião Curió que diz que tem uma copia de declaração assinada de próprio punho pelo Genoíno) e que ele foi sim UM TREMENDO DEDO DURO, entregou todo mundo, as células TERRORISTAS, sem ser preciso tocar no mesmo, demonstrando o quão covarde foi o mesmo.
Os anistiados, políticos, jornalistas e muitos mais que tão aí mamando nas tetas da Nação, muitos não perderam nada no regime, tais como CARLOS HEITOR CONY E muitos mais que tão aí recebendo sua gorda pensão; Os que morreram no Araguaia e nas zonas urbanas, os que realmente lutaram, sou a favor de que suas famílias recebam pensão. Mas também sou a favor que as famílias dos militares que morreram combatendo esses BANDIDOS (não todos,claro), também recebam uma justa PENSÃO; SE FOR PRA PUNIR, QUE PUNAM TODOS, NÃO SEJA VISTO SÓ UM LADO, POIS ISSO É UMA MANEIRA DE SE PROMOVEREM À CUSTA DO OUTROS, COM INTERRESES PURAMENTE INDIVIDUAIS.
Nunca vi um presidente militar morrer milionário e as Forças Armadas está entre as instituições de mais respeito e idoneidade nesse país.
Obrigado.
Antônio F.
Quinta-feira, 13 de novembro de 2008
Prezado senhor Antônio,
Acho que nossas posições estão claras, não chegaremos num acordo. Democracia é isso que taí: todos podem se posicionar. Concordar ou discordar.
Nos tempos da ditadura isso não era possível. Continue expondo seus pontos de vista sobre este ou outros assuntos, nosso site está aberto para isso.
Obrigado,
Celso Marcondes
Este é o terceiro artigo da série que começou anteontem.
Desta vez meu interlocutor só mandou o fac-símile de uma pretensa ficha da ministra Dilma Rousseff, originária de um órgão da repressão não identificado. Infelizmente, por problemas técnicos, não conseguimos reproduzir a “ficha” tal como ela nos chegou, mas ela rodou bastante pelas caixas postais de muitos jornalistas há duas semanas.
Sua transcrição, na íntegra está abaixo. Só falta a foto da ministra quando jovem, com “sua” marca digital do polegar direito e o carimbão no alto, escrito “CAPTURADO”. Se você ainda não recebeu tal preciosidade, leia e avalie.
Foi uma das principais contribuições do leitor Antônio F. ao nosso profícuo debate. Revela bem os métodos dos que tentam impedir que a discussão sobre a necessária punição dos torturadores da ditadura militar prossiga. Por coincidência, encontrando como alvo uma pessoa pouco importante do governo.
Quarta-feira, 19 de novembro de 2008
De: Antônio F.
Para: Celso Marcondes
Transcrição da “ficha” da ministra Dilma Roussef
Nome: Dilma Vana Rousseff Linhares
Alcunha: Estela
Número de código: 00237 – terrrorista/assaltante de bancos
Outros nomes: Luiza, Patrícia Wanda
Filiação: Pedro Roussef e Dilma Roussef
Endereço: Av. João Pinheiro, 85, apto 1001
Naturalidade: Belo Horizonte – MG
Data nascimento: 14/12/47
Profissão: desconhecida
Estado Civil: casada (Lobato?)
Atividade:
1967 – militante da Política Operária (POLOP)
MG - 06/10/68 – assalto ao BANESPA, Rua Iguatemi: NCR$ 80 mil
12/10/68 – planejamento assassinato Cap. Charles R. Chandler (?)
11/12/68 – assalto à casa de Armas Diana, r. do Seminário; 48 armas ??
04/69 – Comando de Libertação Nacional (COLINA)
24/01/69 – Assalto ao 4º. RI Quitaúna, Osasco, SP: 63 FAL, 3 INA, 4 cunhetes munição 18/07/69 – Assalto casa Gov. Adhemar de Barros
01/8/68 – assalto ao Banco Mercantil de São Paulo ??
09/69 – Congresso VAR Palmares (Teresópolis)
20/09/69 – assalto ao quartel da Força pública, Barro Branco (cont.)
Quarta-feira, 19 de novembro de 2008
Caro Antônio F.,
Agora fica ainda mais claro que o senhor é militante “antiterrorista” e defensor juramentado da ditadura militar.
Por favor, já que tem tantos contatos que te permitem acesso às “fichas” daquela época, consiga também a ficha dos torturadores da ministra Dilma.
Celso Marcondes
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
Nenhum comentário:
Postar um comentário