Mais um artigo, da série "eu não aguento mais tanta baboseira, tanta alienação, preciso escrever se não vou ficar louco...", em que nossa realidade é exposta para poucos, claro. Este artigo, de Fernando Barros e Silva, na Folha de São Paulo de hoje (16/06) demonstra tão bem porque a campanha "Cala boca, Galvão" faz tanto sucesso na internet.
O momento mais emocionante do jogo entre Brasil e Coreia do Norte, ontem, aconteceu antes que a bola rolasse. Foi durante a execução do hino do país adversário, quando as câmeras flagraram o atacante Jong Tae-se se debulhando em lágrimas. A expressão de choro permaneceu em seu rosto durante a partida. Se ele jogasse como chora, estaríamos fritos.
Medíocre, sem brilho, apático, previsível. O Brasil fez uma estreia sofrível na Copa do Mundo. Tostão e Paulo Vinícius Coelho saberão explicar mais e melhor as deficiências dessa seleção de gladiadores. Mas mesmo aí, nessa identidade de "guerreiros da pátria" que foi forjada, com a mão de Dunga, para fins de mercado, há um abismo entre o que a propaganda vende e a mercadoria que foi entregue em campo.
A culpa, claro, não é dos atletas que lá estão. Vários deles, meninos assustados, visivelmente no limite das suas capacidades. A seleção de Dunga é inimiga da fantasia. Isso torna mais flagrante, como ficou claro mais uma vez, o divórcio entre o que acontece dentro de campo e a parafernália de expectativas e entretenimento que se cria em torno dele. O business da Copa pede algo que o jogo não dá. Mas que é preciso arrancar dele ainda assim, nem que seja no gogó. E ninguém exprime melhor essa necessidade do que Galvão Bueno, dublê de locutor esportivo e animador do país. Mal termina o jogo e a Globo nos oferece uma sequência de imagens tediosamente iguais da massa espremida em praça pública e se acabando ao som de alguma música ruim país afora.
Os clichês da brasilidade então inundam a tela: é o bundalelê do cantor Latino em São Paulo, é "essa coisa gostosa nas areias de Copacabana que contagia o país inteiro", é "a chuva que não esfria o coração pernambucano". Tudo somado, é muita fantasia na TV para um espetáculo tão miserável. Ou muita miséria na TV para tão pouca fantasia em campo. Confundir tudo é a alma do negócio.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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