quarta-feira, 25 de março de 2015

SOMOS UM BANDO DE ARAMIS - Parte III


Preciso, ainda, dizer que, no domingo 15/03, fui atingido por uma brutal vergonha alheia, i.e., aquilo que sentimos em nosso intimo quando vemos alguém fazendo algo embaraçoso. É aquela situação contraditória em que você ruboriza com um ato que não concorda. Tive essa sensação quando vi senhoras paulistanas reclamando que está cada vez mais difícil contratar empregada doméstica para dormir no trabalho.

Eu não sei se a cor dessa elite cretina é branca, azul, vermelha, preta ou parda. O que sei é que uma parcela de nossa sociedade se comporta como se estivesse na segunda metade do século XIX participando de organizações contrárias à abolição da escravidão. Elas querem impeachment de Dilma, golpe e intervenção não porque tiveram seus privilégios atacados, mas porque as classes que ficam ao final do alfabeto passaram a ter acesso a coisas como educação superior, moradia e consumo. E isso é inadmissível para quem sempre se alimentou das desigualdades sociais que historicamente tivemos.

As sinhás e senhorios que batem em panelas de teflon, em seus confortáveis espaços gourmet, não se conformam em ter perdido mais uma eleição. É que essa gente não suporta a ideia de saber que parte dos impostos que pagam vai para os programas sociais do governo federal, a exemplo do “Bolsa Família”. Essa gente não está preocupada com a corrupção, nem com o suprapartidário assalto aos cofres da Petrobras. Tal qual os militares e civis, que deram o golpe de 1964, usam o discurso piegas, pretensamente nacionalista, de salvar a pátria da corrupção para maximizarem seus interesses mais comezinhos.
Ainda temos que enfrentar o falso dilema e/ou o mito de que o Brasil estaria dividido em dois grandes grupos: um que defende a democracia e outro que quer militares intervindo na ordem social e politica, tal qual aconteceu em 1964. Na verdade, temos uma visão instrumental dos sistemas políticos. Acostumamo-nos a aceitar este ou aquele tipo de governo a depender dos interesses sociais e/ou políticos que possamos vir a ter. Como diria o ex-primeiro ministro inglês Winston Churchill, eu sou a favor da democracia, porque não conheço nada melhor para por no lugar. Dito de outra forma, nós brasileiros aceitamos viver na democracia desde que ela não nos aborreça, do contrário aceitamos alegremente, vestidos de verde-e-amarelo, enveredar pelos caminhos obscuros do autoritarismo.

Na segunda metade da década de 1930 a sociedade brasileira era toda antidemocrática, dividia-se apenas entre os totalitarismos de esquerda e de direita. Em 1964 o amplo espectro político brasileiro buscava saídas de força para implementar ou não seus projetos. Enquanto a esquerda defendia golpe para realizar as reformas de base, a direita queria tomar o poder para impedir que se fizessem reformas. O resultado disso sabemos bem qual foi: ficamos sem democracia e sem reformas! Assusta-me a facilidade com que se pede golpe e ditadura. Como se pode pedir a volta dos tempos obscuros quando “amigos eram presos ou sumiam para nunca mais”, como dizia Gilberto Gil? Vejo uma direita reacionária, conservadora, pacóvia, pedindo intervenção militar com o mesmo ódio de 1964. Vejo uma esquerda se radicalizando, com anacrônicos projetos revolucionários, e uma rebeldia acéfala. Os dois lados se parecem por não entenderem que a verdadeira luta é pelo fortalecimento da democracia, não pela sua negação.

Mas, como se luta pela democracia num país que subdivide seu sistema politico em dois setores, um que trata dos procedimentos representativos e outro que segue cevando seus entulhos autoritários? Eu sou a favor da liberdade que só a democracia propicia. O que farei? Irei a manifestações vestido de verde amarelo? Baterei panelas em minha varanda cada vez que a presidente aparecer na televisão? Não, nada disso, pois tenho o senso do ridículo. Aprofundar a democracia brasileira é, numa palavra, fazer uma reforma politica séria, descomprometida de interesses menores. Mas, o Congresso Nacional só votará uma reforma contundente se a sociedade lhe pressionar. A questão é: estamos dispostos a isso? Queremos dar um passo adiante, no sentido da consolidação de nosso sistema democrático? Ou vamos ficar na perfumaria trocando de presidentes como quem troca de partido político?

No golpe civil-militar de 1964, parlamentares foram cassados sob acusação de corruptos. Golpes eram (ainda são) racionalizados pela necessidade de se aplicar remédios amargos em doentes graves. Discursos fáceis, tentativas de se perpetuar no poder, asfixia do Congresso e de várias outras instituições acabarão com o pouco oxigênio que nossa democracia ainda respira. Governo e parlamento só são legítimos, se consentidos pela população. Esta anuência se materializado pelo voto, não pela força das armas. Schumpeter se referia à democracia como um método institucional que escolhe os que vão decidir e que tem a capacidade de substituir governos de modo que os escolhidos não se tornem força inamovível. Devemos nos contentar com isso? Não, é insuficiente. Mas, se não consolidarmos nem isso, como avançaremos para um sistema que contemple amplos aspectos do funcionamento de um Estado que seja a um só tempo legal e legítimo, portanto, de direito e democrático? Desde a proclamação da República, ainda não tivemos mais de 35 anos contínuos de democracia, sem que autoritarismos de toda sorte solapassem as instituições. Nossa frágil democracia eleitoral tem muito que evoluir.

Março/2015.

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