segunda-feira, 23 de março de 2015

SOMOS UM BANDO DE ARAMIS - Parte I.


Há alguns dias discutia com um grupo de alunos sobre a conturbada conjuntura politica que enfrentamos. Falávamos das manifestações que pedem o impeachment da presidente Dilma e/ou intervenções autoritárias. Um dos estudantes, impaciente com minhas explicações sobre porque temer a volta de uma ditadura, disse que deveríamos tentar um governo forte já que a democracia não deu certo nos 30 anos que nos separam do fim do regime militar. Tentado disfarçar minha irritação, para com uma ideia tão tosca, disse que não acredito em saídas de força para nossos dilemas e que nossa melhor opção seria o fortalecimento das instituições democráticas. Mostrei que temos um ordenamento jurídico e coercitivo capaz de combater a corrupção, se não o faz já é outra questão. Enfim, tentei demover meu aluno da ideia de que só uma intervenção militar poria fim à corrupção em nosso país. Claro, não deixei de lembrar que já tentamos a via ditatorial com resultados nefastos.

Procuro sempre, em minhas aulas, lembrar que o sistema democrático norte-americano se consolidou por ter oferecido a tese de que para males republicanos só remédios republicanos são eficazes. Os Federalistas propuseram que a democracia deveria ter seus próprios mecanismos para solucionar seus problemas, sem que fosse preciso buscar “ajuda” em outros sistemas, principalmente os autoritários. O processo que nos levou a República teve um leve verniz federalista e uma sólida base positivista, conservadora, militarizada, que nos legou essa sociedade autoritária infensa a um sistema verdadeiramente democrático. Uma sociedade, mal formada, despolitizada, que pensa que os venenos de uma ditadura são solução para os males de um sistema representativo frágil por culpa nossa, diga-se de passagem.


O fato é que um país que enfrentou duas longas ditaduras (a do Estado Novo e a militar) não poderia abrir mão do uso continuado de procedimentos democráticos e de um sistema representativo que, bem ou mal, nos servem mais por permitir a liberdade de manifestação tão cara aos que querem o fim da democracia. Aliás, eis a mãe de todos os paradoxos - os que são a favor de golpe, impeachment, intervenção militar e outros itens ditatoriais usam os procedimentos próprios do regime, que querem o fim, para se manifestar. Vi uma imagem que bem expressa essa contradição. Sobre a foto de um jovem pendurado em um pau-de-arara, sendo torturado, aparece a seguinte frase: “Na democracia você pode pedir tudo, inclusive ditadura. Mas, experimente pedir democracia numa ditadura para ver o que te acontece...”.

Escrevo este artigo deprimido, envergonhado, irritado, abismado com o que vejo nos canais de televisão, redes sociais e portais de notícias. O domingo, 15 de março de 2015, foi o dia em que parte da sociedade brasileira foi as ruas exercitar sua mentalidade pretoriana e seu oportunismo travestido de nacionalismo. Mas, que não se pense que os que foram às ruas na sexta-feira, 13 de março, são os arautos da democracia, pois o próprio PT não se furtou a pedir, contra FHC, o mesmo que os tucanos pedem agora contra Dilma. Atire a primeira pedra quem nunca achou que só um regime de força resolveria nossos problemas. Minha depressão, além da irritação, é por não conseguir mais argumentar contra a tese de que só um regime de força cura os males da democracia. Logo eu que, historiador, me especializei em estudar as ditaduras que enfrentamos durante o século XX. Tenho me perguntado para que tanto li, sobre nossa história politica, se aqueles que não viveram os tempos da ditadura militar não se constrangem em pedir que o Exército intervenha na ordem social e politica do país.

A primeira coisa para qual atentei nas manifestações, que mais pareciam comemorações de quando a Seleção Brasileira era sinônimo de vitórias, foi que se pedia o impeachment da presidente Dilma Rousseff por ela estar, supostamente, envolvida no caso da Operação Lavo Jato, mas não se defendia a destituição dos presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, e do Senado Federal, Renan Calheiros, já que ambos foram citados no relatório do Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, sobre as primeiras investigações já feitas no escabroso caso do “petrolão”. Se o problema é com a corrupção que se enquadre todos os “achacadores” da República como já gosta de dizer o ex-ministro da educação, Cid Gomes.

Eu não deveria, mas fico abismado quando vejo essa gente estulta pedindo “intervenção militar já!” ou afirmando que “nossa última chance está nas mãos das Forças Armadas” (SIC). Na manifestação no dia 15/03, no Rio de Janeiro, o estudante de engenharia Aramis Farias dizia a reportagem do UOL/Folha: “Não defendo ditadura, mas uma intervenção militar para restabelecer a ordem e combater a corrupção, pois intervenção é diferente de ditadura. O que quero é que os militares entrem e corrijam o que está errado". O discurso de Aramis confirma a regra.

Não se iluda, caro leitor, Aramis não está só. Ele faz parte do grupo que sabe bem o que aconteceu nos últimos 50 anos. Ele diz que quer intervenção e não ditadura por, talvez, ter conhecimento que brasileiros foram presos, torturados e mortos durante o regime militar. Eu não sei se Aramis receia um governo, que adote a tortura como politica de Estado, tanto quanto eu. É que Aramis gosta de pensar que, tendo pedido intervenção, não seria atingido pela repressão de um Estado militarizado. Já eu temo intervenções e ditaduras, pois jamais as apoiaria já que tenho a liberdade como oxigênio. A mais frágil das democracias é sempre melhor do que a mais eficiente das ditaduras.

Continua amanhã...

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