Há alguns dias
discutia com um grupo de alunos sobre a conturbada conjuntura politica que
enfrentamos. Falávamos das manifestações que pedem o impeachment da presidente
Dilma e/ou intervenções autoritárias. Um dos estudantes, impaciente com minhas
explicações sobre porque temer a volta de uma ditadura, disse que deveríamos
tentar um governo forte já que a democracia não deu certo nos 30 anos que nos
separam do fim do regime militar. Tentado disfarçar minha irritação, para com
uma ideia tão tosca, disse que não acredito em saídas de força para nossos
dilemas e que nossa melhor opção seria o fortalecimento das instituições
democráticas. Mostrei que temos um ordenamento jurídico e coercitivo capaz de
combater a corrupção, se não o faz já é outra questão. Enfim, tentei demover
meu aluno da ideia de que só uma intervenção militar poria fim à corrupção em
nosso país. Claro, não deixei de lembrar que já tentamos a via ditatorial com
resultados nefastos.
Procuro sempre,
em minhas aulas, lembrar que o sistema democrático norte-americano se
consolidou por ter oferecido a tese de que para males republicanos só remédios
republicanos são eficazes. Os Federalistas propuseram que a democracia deveria
ter seus próprios mecanismos para solucionar seus problemas, sem que fosse
preciso buscar “ajuda” em outros sistemas, principalmente os autoritários. O
processo que nos levou a República teve um leve verniz federalista e uma sólida
base positivista, conservadora, militarizada, que nos legou essa sociedade
autoritária infensa a um sistema verdadeiramente democrático. Uma sociedade,
mal formada, despolitizada, que pensa que os venenos de uma ditadura são
solução para os males de um sistema representativo frágil por culpa nossa,
diga-se de passagem.
O fato é que um
país que enfrentou duas longas ditaduras (a do Estado Novo e a militar) não
poderia abrir mão do uso continuado de procedimentos democráticos e de um
sistema representativo que, bem ou mal, nos servem mais por permitir a
liberdade de manifestação tão cara aos que querem o fim da democracia. Aliás,
eis a mãe de todos os paradoxos - os que são a favor de golpe, impeachment,
intervenção militar e outros itens ditatoriais usam os procedimentos próprios
do regime, que querem o fim, para se manifestar. Vi uma imagem que bem expressa
essa contradição. Sobre a foto de um jovem pendurado em um pau-de-arara, sendo
torturado, aparece a seguinte frase: “Na
democracia você pode pedir tudo, inclusive ditadura. Mas, experimente pedir
democracia numa ditadura para ver o que te acontece...”.
Escrevo este
artigo deprimido, envergonhado, irritado, abismado com o que vejo nos canais de
televisão, redes sociais e portais de notícias. O domingo, 15 de março de 2015,
foi o dia em que parte da sociedade brasileira foi as ruas exercitar sua
mentalidade pretoriana e seu oportunismo travestido de nacionalismo. Mas, que
não se pense que os que foram às ruas na sexta-feira, 13 de março, são os
arautos da democracia, pois o próprio PT não se furtou a pedir, contra FHC, o
mesmo que os tucanos pedem agora contra Dilma. Atire a primeira pedra quem
nunca achou que só um regime de força resolveria nossos problemas. Minha
depressão, além da irritação, é por não conseguir mais argumentar contra a tese
de que só um regime de força cura os males da democracia. Logo eu que,
historiador, me especializei em estudar as ditaduras que enfrentamos durante o
século XX. Tenho me perguntado para que tanto li, sobre nossa história politica,
se aqueles que não viveram os tempos da ditadura militar não se constrangem em
pedir que o Exército intervenha na ordem social e politica do país.
A primeira coisa
para qual atentei nas manifestações, que mais pareciam comemorações de quando a
Seleção Brasileira era sinônimo de vitórias, foi que se pedia o impeachment da
presidente Dilma Rousseff por ela estar, supostamente, envolvida no caso da
Operação Lavo Jato, mas não se defendia a destituição dos presidentes da Câmara
dos Deputados, Eduardo Cunha, e do Senado Federal, Renan Calheiros, já que
ambos foram citados no relatório do Procurador Geral da República, Rodrigo
Janot, sobre as primeiras investigações já feitas no escabroso caso do “petrolão”.
Se o problema é com a corrupção que se enquadre todos os “achacadores” da
República como já gosta de dizer o ex-ministro da educação, Cid Gomes.
Eu não deveria,
mas fico abismado quando vejo essa gente estulta pedindo “intervenção militar já!” ou afirmando que “nossa última chance está nas mãos das Forças Armadas” (SIC). Na manifestação
no dia 15/03, no Rio de Janeiro, o estudante de engenharia Aramis Farias dizia
a reportagem do UOL/Folha: “Não defendo
ditadura, mas uma intervenção militar para restabelecer a ordem e combater a
corrupção, pois intervenção é diferente de ditadura. O que quero é que os
militares entrem e corrijam o que está errado". O discurso de Aramis
confirma a regra.
Não se iluda,
caro leitor, Aramis não está só. Ele faz parte do grupo que sabe bem o que
aconteceu nos últimos 50 anos. Ele diz que quer intervenção e não ditadura por,
talvez, ter conhecimento que brasileiros foram presos, torturados e mortos
durante o regime militar. Eu não sei se Aramis receia um governo, que adote a
tortura como politica de Estado, tanto quanto eu. É que Aramis gosta de pensar
que, tendo pedido intervenção, não seria atingido pela repressão de um Estado
militarizado. Já eu temo intervenções e ditaduras, pois jamais as apoiaria já
que tenho a liberdade como oxigênio. A mais frágil das democracias é sempre
melhor do que a mais eficiente das ditaduras.
Continua amanhã...
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