É já é hora de explicar porque trato
o processo de impeachment como golpe, considerando que ele é previsto e
regulamentado na Constituição Federal. É que o impeachment só se justifica se
houver o chamado crime de responsabilidade, i.e., as violações do dever legal
cometidas por agentes políticos. Até aqui não se pode apontar, a oposição
assume isso, crimes de responsabilidades no atual mandato de Dilma Rousseff. E
é sempre bom lembrar que as tais pedaladas fiscais deixaram de existir quando o
Congresso Nacional aprovou a nova meta fiscal. Se não há crime de
responsabilidade, não pode haver impeachment, portanto as tentativas de se
apear Dilma do seu cargo não passam de golpes com uma carapaça constitucional.
Para o jornalista Mário Magalhães,
num artigo publicado no site UOL/Folha em 03 de dezembro, as alegações
pró-impeachment desprezam a soberania popular ao negligenciarem o resultado das
urnas de 2014. Gosto sempre de lembrar que o Senador Aécio Neves perdeu a
eleição por uma exata diferença de 3.459.963 votos e que ele deixou de ser
eleito presidente da República por ter perdido em seu próprio estado onde
governou por dois mandatos consecutivos. Magalhães afirma claramente: “A Carta exige crime de responsabilidade
para expulsar um presidente. Foi o que aconteceu com Collor. Inexiste prova ou
indício de que Dilma seja ladra. Quem tem conta secreta na Suíça é o deputado
que deu sinal verde para o impeachment. Com crime de responsabilidade,
impeachment é legal. Sem, é golpe”.
A lamentar temos o fato que estamos
sofrendo de uma paralisia institucional como a muito não se via. Não se governa
e não se legisla, só se pensa em estratégias para se ganhar esse FLA X FLU cuja
troféu é a faixa presidencial. Partidos e atores políticos mandaram às favas
suas consciências e seus, poucos é bem verdade, escrúpulos. Agora se trata de
ver quem leva a cadeira presidencial como troféu mesmo que as próximas eleições
estejam logo ali, daqui a três anos. Mas, louvemos iniciativas em prol da
manutenção da ordem politica e social.
Dezesseis governadores assinaram a
"Carta pela Legalidade" onde se colocam contra o processo de
impeachment. O documento foi escrito pelo governador de Sergipe, Jackson
Barreto, que é do mesmo PMDB que trama o fim do mandato de Dilma. Nele pode-se
ler: "A história brasileira
ressente-se das diversas rupturas autoritárias e golpes de estado que impediram
a consolidação da nossa democracia". O governador da Paraíba, Ricardo
Coutinho, um dos signatários da “Carta pela legalidade”, afirmou que “não está configurado atos da Presidente que
possam ser tipificados como crime de responsabilidade”.
Tudo isso deve nos ensinar que nosso
sistema politico democrático é ainda frágil e pouco republicano. Enquanto
insistirmos em saídas de força para nossas crises e dilemas institucionais não
seremos uma democracia consolidada. De uma vez por todas precisamos aprender a
lidar com as incertezas do jogo democrático. Enquanto partidos e atores
políticos agirem para reverter o resultado das urnas em “terceiros turnos”,
abaixo de toda e qualquer suspeita, seguiremos sendo essa república bananeira
que vive de formalismos democráticos, mas que só se sustenta mesmo com um
conteúdo dos mais autoritários.
Quebrar a legalidade democrática
para privilegiar projetos político-partidários não nos levará ao melhor termo. Estamos
mesmo dispostos a pagar o preço alto pela quebra da legalidade democrática? Se
esse impeachment vingar retroagiremos ao nosso passado ditatorial e nos
distanciaremos do processo democrático que pensávamos próximo, quando as
instituições politicas não sofreriam com os desvãos soturnos de personagens
como esse Eduardo Cunha que bem poderia ter inspirado Chico Buarque em o “Hino
de Duran” da Opera do Malandro: “Se tu
falas muitas palavras sutis/ Se gostas de senhas sussurros ardis/ A lei tem
ouvidos pra te delatar/ Nas pedras do teu próprio lar/ Se trazes no bolso a
contravenção/ Muambas, baganas e nem um tostão/ A lei te vigia, bandido
infeliz/ Com seus olhos de raios X”.