A presidente, contrariando os que a
tomam como estulta, fez a leitura correta da situação. Pode parecer um
paradoxo, mas Dilma viu algo de positivo no desvario oportunista de Cunha
quando afirmou que “foi melhor assim,
pois a indefinição que imobilizava o governo acabou”. É que finalmente
ficou claro que não se pode esperar nada de bom de alguém que só tem a
chantagem, a barganha e a voracidade por cargos como arma politica. O governo
entendeu que se os deputados petistas votassem a favor de Cunha no Conselho de
Ética num dia, ele se voltaria contra o governo no dia seguinte. Foi por isso
que Rui Falcão pediu pela admissibilidade do processo. Afinal, o que esperar de
quem acatou o pedido de impeachment apenas para retaliar o governo?
Cunha não é republicano. Ele vive
num mundo pré-medieval, onde a “coisa pública” ainda não era utilizada. Cunha é
um golpista cínico que só pensa em salvar seu mandato, seu status e o dinheiro
que esbulhou dos cofres públicos. Ele não passa de um joguete nas mãos dos que
jamais cruzariam o rubicão para se jactarem como heróis. Cunha será manuseado
por seus pares e cúmplices, para fustigar Dilma e o PT, e quando não mais for
útil será cuspido do Congresso Nacional como foi Severino Cavalcanti, por
exemplo.
Dilma quer apressar o andamento do
impeachment para ver se governa em águas menos revoltas e para estancar as
articulações golpistas, revestidas de alguma legalidade e/ou legitimidade, que
permeiam o ambiente contaminado pelo inconformismo antidemocrático dos que
perderam a eleição de 2014. Mas, a imobilidade segue, pois o espírito cívico
republicano sumiu de Brasília. A situação é a pior possível e só confirma a
tese de Luis Fernando Veríssimo de que “no
Brasil, o fundo do poço é tão somente uma etapa”.
Vejamos que se estabeleceu um dilema
institucional. É que o governo não tem maioria no Congresso para governar e a
oposição não possui maioria qualificada para dar célere prosseguimento ao golpe
disfarçado de impeachment. No episódio da formação da Comissão, na Câmara dos
Deputados, que analisará o pedido de impeachment se viu isso. A oposição teve
272 votos, mas precisa de 342 para aprovar o impedimento. A situação teve 199
votos quando precisa ter 172 para barrar o processo. Essa vantagem de 27 votos
se esvai rapidamente num Congresso onde se parlamenta à base de chantagens,
cinismos, ameaças, barganhas e toda sorte de comportamentos nada republicanos.
Como farsa não como tragédia, o
vice-presidente Michel Temer também cruzou o rubicão ao criar o fato que
declarou seu rompimento com a presidente Dilma. Ele a enviou uma carta
lamuriada pelos interesses do PMDB que só enxerga cargos. O estadista, expert
em constitucionalismo, que acreditávamos ser o vice-presidente sucumbiu a uma
cantilena onde se regateia a atenção da presidente e se cita atos comezinhos da
vida palaciana. Temer vem manobrando, pelos braços de Eduardo Cunha, a
defenestração de Dilma seja pelo impeachment, seja pela renúncia forçada. A
carta, instrumento de chacota nas redes sociais, queria provar uma fragilidade
do vice-presidente que jamais foi real.
Temer está para Dilma assim como
muitos dos que cercavam João Goulart em 1964- faziam parte do seu governo, eram
seus mais diletos aliados, mas tramavam sua derrubada junto aos militares. O
bloco civil golpista de 1964 tinha um pé na oposição e outro na situação tal
qual o PMDB que governa e é oposição tudo ao mesmo tempo agora. Temer diz na
tal carta que a "desconfiança (de
Dilma em relação a ele e ao PMDB) é
incompatível com o que fizemos para manter apoio ao seu governo". Como
se Eduardo Cunha, Renan Calheiros e o baixo clero medicante de verbas e cargos
fossem de outro mundo.
A Carta de Michel Temer é
pateticamente mesquinha na direção do rompimento com Dilma. Temer não temeu a
ridicularizarão a que se expôs, pois confessa na carta que tudo gira em torno
de cargos, favores, homenagens e status. Subliminar ficou que Temer parece
disposto a embarcar nas aventuras golpistas que se tramam no Congresso
Nacional. Quem melhor definiu essa situação foi o jornalista Xico Sá em sua
coluna semanal no site do Jornal El País: “O
vice que versa em latim — de velha missa — quer reza. Ego inflamado na paquera
com as sinhazinhas da Casa Grande e federações das indústrias, tentou inverter
a cabeça da chapa mais de um ano depois das eleições. Tomou a pílula azul do
golpismo”.
Continua amanhã...
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