À pergunta se vamos ou não ter golpe, responderia sim e não,
pois podemos ter mais um golpe de Estado a qualquer hora e podemos nem mais
precisar de um, posto que há muito abrimos mão da democracia que para nós foi “sempre
um lamentável mal entendido”, como diria Sérgio Buarque de Holanda. Discordo dos
que dizem ser improvável, mas não impossível que tenhamos um golpe
em 2020, pois numa república bananeira, empestada de vírus e vermes, golpes são
prováveis e possíveis como o sol parido a cada novo dia.
Com os feitos e defeitos do presidentizinho (para quem
coronavirus é uma “gripezinha”), quem neste país réprobo já não perguntou aonde
andam os militares que não dão um golpe e botam essa delinquente da lei, da
ordem e do bom senso na rua? O caro leitor se assustou em desejar um golpe de
Estado para que, finalmente, nos livremos do fascista celerado e seus filhos ardilosos?
Desculpe-me ser o portador da má notícia, mas é que, para nós, querer golpe é
como o desejo de comer chocolate, todo mundo tem ou vai ter.
Em 1992, quando se soube que Collor sofreria o impeachment,
a pergunta que se fazia era se teríamos um golpe. Só depois é que se pensava se
Itamar Franco, o vice, assumiria. Às vésperas da posse de Lula para seu 1º
mandato era corrente a dúvida de se os militares o deixariam subir a rampa do Planalto.
Nos governos de Dilma Rousseff a pergunta não era se os militares a deporiam,
mas quando. E vejam que nem falo do ritual golpista, no século XX, regiamente
cumprido com ou sem eleições. Fôssemos uma república assentada nos princípios
do federalismo e da democracia e não faríamos essas perguntas.
Quando um inimigo da democracia, adulador de torturadores,
ocupa o Palácio do Planalto e, ensandecido, tenta instituir sua própria ditadura, cabe mesmo perguntar se teremos um golpe. Há uns dias um bajulante José Luiz Datena perguntou a um cáustico Bolsonaro se
ele pretendia dar um golpe e fechar o país. A resposta foi quase
um sim: “Quem quer dar golpe jamais vai falar que quer dar”. Se vivemos
em uma democracia porque se pergunta tanto sobre golpes? O presidente falastrão
só não deu um golpe de Estado ainda porque os militares parecem só aceitar
subir nos tanques se for para depô-lo.
Postei no Twitter, em tom de pilhéria, que temos que declarar
Bolsonaro incapacitado e tirá-lo do governo antes que babe, rasgue dinheiro e se
auto nomeie Napoleão Bonaparte XVII. Pelo andar do tanque de guerra, digo da carruagem,
o deboche pode ser real, pois segundo a jornalista Thaís Oyama, autora do livro
Tormenta - O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos, o antipresidente está à beira de um ataque de nervos. Oyama diz que ele chega
a chorar no expediente, afirmando que mundo está contra ele.
A Folha de São Paulo pediu a psicanalistas
uma análise do atormentado presidente e o resultado é apavorante. Os
especialistas apontam, numa personalidade teatral e histérica, questões como
insegurança, lógica paranoica, messiânica e delirante, narcisismo desmedido, agressividade,
além do sentimento de onipotência e da ideia do “eu sozinho” contra o mundo. Assim
temos um governante “psicopatologicamente acometido” e eu acrescentaria a esse “diagnóstico”
uma perversidade de chefe de campo de concentração. Isso tudo agrava a situação
política e soma mais um argumento ao fato de que Bolsonaro não reúne mais as condições
objetivas para seguir na presidência.
Sim, este facínora, que não poderia ser eleito, já deveria
ter sido chutado da presidência. O conglomerado golpista de sempre não pestanejou
em depor João Goulart e Dilma Rousseff do poder, por que, agora, se revestiria
de tantos pruridos aparentemente democráticos? O que ainda parece sustentar o
caviloso na presidência é o fato de Mourão não inspirar credibilidades na
caserna mesmo com essa moderação que até os pombos candangos sabem ser falsa. Mourão
é mesmo da tradição da linha dura do Exército. Quem não lembra dele em 2015 pedindo intervenção militar para depor
Dilma? Sem contar que o alto comando das Forças Armadas, que gosta do poder mas
detesta governar, não quer assumir o país - é que o Exército ainda lida com o
ônus de ter governado nos 21 anos da ditadura.
Na Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964, os chefes das Forças
Armadas dizem que cumprem “sua missão constitucional e estão submetidos ao
regramento democrático”. Paradoxalmente, ao tempo em que fazem lembrar de um
golpe de Estado, falam em defender a democracia. Os militares dão uma no cravo,
ao se colocarem como guardiões da democracia que nunca tivemos, e outra na
ferradura, quando se põem a postos para qualquer eventualidade que passe ao
largo dos procedimentos democráticos.
Na verdade, os militares preferem mesmo é malhar a ferradura,
pois quando o inominável presidente convocou seus apoiadores para irem às ruas,
no 15 de março, pedirem o fechamento do Congresso Nacional, o Clube Militar do
Exército publicou um comunicado anunciando o apoio da instituição ao ato, numa clara
demonstração que quando os militares se mobilizam politicamente não é para
defender a democracia. A Mafalda do Quino já diria que não se salva a
democracia com golpes.
Concordo com Priscila Perazzo, doutora em História
Social pela USP, que diz que os “ideais autoritários refloresceram (...) a
população legitima um governo forte, armado, opressor, de ideias únicas
impostas. A ditadura já está na população. Agora só falta ser implantada no
governo”. A prova disso é que desde 2013 não há uma única manifestação,
dessas onde se usa a liberdade de expressão para pedir o fim da democracia,
onde não se queira intervenções militares e a instituição de uma ditadura. No surto antidemocrático do 15 de março ficou
evidente que parte da sociedade até aceita ficar sem o seu Hitler de meia
tigela, mas não abre mão de um retorno a uma ditadura militar.
O conglomerado golpista receia que numa possível renúncia/deposição
do aviltador mor da república, a esquerda possa assumir após uma futura eleição.
Entre o Bozo surtado e Lula fazendo reformas, para diminuir a desigualdade
social, com quem você acha que a elite fica? A direita se pergunta com que
roupa irá na próxima eleição, se é que teremos uma, pois seus quadros foram todos
detonados, Aécio Neves que o diga. Assim o conglomerado irá mesmo é de golpe e
ditadura, afinal é para isso mesmo que ele existe.
Finalizo esta coluna lendo matéria da Revista FORUM dando
conta que o La Reppublica fala em golpe
branco no Brasil e confirma Braga Netto como “presidente operacional” no lugar
de Bolsonaro. O jornal italiano fala de um “suposto golpe de estado” e que
o chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, seria o “presidente operacional” após
acordo entre ministros, comandantes militares e o próprio Bolsonaro para que o
mesmo se afaste das decisões sobre tudo que se relacione a pandemia do
Coronavírus. Braga Netto seria uma espécie de primeiro ministro militarizado. Duvido
que Bolsonaro tenha aceitado de bom grado passar adiante suas funções, se o fez
foi premido por algum tipo de força exercida sobre ele, ou seja, ele foi golpeado!
Presidente Operacional seria o eufemismo de quem vai de fato, não de direito,
desempenhar as funções de governante.
Segundo o La Reppublica, ele “terá a direção e
centralização de toda a administração do governo enquanto durar a crise do
coronavírus com o título de Chefe do Estado Maior do Planalto”. Dito de outra
forma, Braga Netto seria uma espécie de presidente de uma junta militarizada
que governaria a partir de uma intervenção silenciosa. Neste caso, Bolsonaro
figuraria num misto de rainha da Inglaterra com bobo da corte.
A se confirmar a informação, minha resposta para a pergunta
se teríamos ou não um golpe está dada. Os militares parecem ter encontrado a
solução para o mega impasse gerado (1) pela recusa de Bolsonaro em renunciar, diante
do fato de que ele não tem mais condições legais nem legitimidade para governar;
(2) pelo fato de Mourão não ser bem visto e nem aceito; (3) pelas impossibilidades
de se mover um processo de impeachment neste momento, por causa da crise do
coronavirus; (4) por causa de o alto comando das Forças Armadas não querer mais
um Golpe de Estado em seu currículo intervencionista. Um “golpe branco”
solucionaria todo esse impasse, mas só por enquanto. A médio e longo prazo ele
só serve para que fiquemos cada vez mais longe da democracia.
PS: A cientista política Anna Lührmann é vice-diretora do
Instituto de Variações da Democracia da Universidade de Gotemburgo, na Suécia.
O V-DEM afere a qualidade da democracia no mundo. À Folha de São Paulo,
Lührmann diz que a crise do coronavírus vai acelerar onda
autoritária no mundo. Suas conclusões são pavorosas para quem gosta da liberdade. O
último levantamento do V-DEM mostra que em 179 países, 87 são democráticos e 92
são. A cientista política fala que num quadro de crise econômica, com recessão,
“pode aumentar o apoio a líderes autoritários e populistas”. Ela cita Hungria e
Polônia, onde governos inimigos da democracia, porém eleitos, aceleram a onda
de autoritarismo se valendo do argumento de que é preciso combater o
coronavírus. As democracias consolidadas têm instrumentos, como o “Estado de
Emergência”, para lidar com crises, catástrofes naturais ou não e pademias. Já
as ditaduras e arremedos de democracia se valem desses momentos para acelerar a
centralização do poder, a neutralização da oposição e da imprensa, além de
lançar mão de coisas como censura.