quarta-feira, 11 de junho de 2025

O FASCISMO SUPREMACISTA NA AMÉRICA (IT'S NOT DEMOCRACY, STUPID!)

 

"A situação está bem feia, mande as tropas!". Essa ordem não foi dada por Vladimir Putin, Volodymyr Zelensky, Recep Erdoğan, Viktor Orbán ou por Idi Amin Dada, Rafael Trujillo, Jean-Claude Duvalier ou mesmo Augusto Pinochet - sanguinários ditadores que matavam por lazer em seus países nos tempos da Guerra Fria. Na verdade, ela foi expedida por Donald Trump, o 47º presidente eleito nos Estados Unidos da América. Viva a democracia no “império da liberdade”, que se porta como uma república bananeira sul-americana!

Estamos na metade da terceira década do século XXI nos comportando como se vivêssemos nos anos 1930, pois não há um dia em que não se questione se é melhor viver em uma sociedade e um Estado democráticos ou em uma estrutura ditatorial. O caso grotesco, burlesco, dos EUA que implodiram, com bombas do fascismo supremacista, o sistema que já foi tido como modelo para o mundo ocidental é algo lancinante.

Levitsky e Ziblatt (2018) mostram como as democracias mais sólidas e tradicionais vão legalmente se enfraquecendo, “por dentro”, até perecerem. Fazem-nos pensar sobre porque as democracias se deixam dominar pelo fascismo e de como a crise política e econômica dos EUA propiciaram a ascensão de Trump. A questão é recorrente, ainda que deva ser enfrentada: por que se renuncia à democracia para se viver sob o tacão de ditaduras? Porque brasileiros, argentinos, estadunidenses, turcos, húngaros, austríacos, poloneses, russos, ucranianos, etc, aceitam que o fascismo ascenda pela via eleitoral?

Em “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, Marx analisa como a burguesia francesa aceitou perder a liberdade política, pela via de um golpe de Estado, para não perder sua propriedade ante um processo revolucionário. Ler o “18 Brumário” é iminente e impreterível para entendermos as limitações e contradições da democracia liberal, sendo a principal delas o que chamo de a mãe de todos os paradoxos – quando se usa procedimentos democráticos para pedir o fim da democracia. Marx analisa as sociedade forjadas pelas revoluções burguesas do século XVIII:

(elas) precipitam-se rapidamente de sucesso em sucesso, um efeito dramático é suplantado pelo próximo, pessoas e coisas parecem refulgir como brilhantes, respira-se diariamente o êxtase; porém elas têm vida curta, logo atingem o seu ponto alto e uma longa ressaca toma conta da sociedade antes que, novamente sóbria, aprenda a apropriar-se dos resultados do seu período impetuoso e combativo (Marx, 2012, p. 62).

Aqui, Marx trata da democracia que não passa de uma efemeridade em países capitalistas baseados na exploração do capital sobre o trabalho. Ele quer mesmo nos fazer ver que liberdade e igualdade são nada em um sistema que só pode funcionar se esta não existir e aquela for tão somente um direito da classe que detém os meios de produção. James Davidson demonstra essa questão na prática, quando discute o dilema da escravidão e da liberdade ocuparem o mesmo espaço, algo que atormenta o povo estadunidense desde o início do século XIX.

Quando os Estados Unidos tomaram 1,2 milhão de quilômetros quadrados de terras do México, o território recém adquirido forçou os norte-americanos a lidar com a questão [de se] escravidão e a liberdade podiam existir lado a lado? Durante anos a maioria dos norte-americanos brancos disse que sim. Eles tocavam seus negócios, conviviam com a escravidão de um jeito ou de outro e toleravam opiniões divergentes (Davidson, 2016, p. 142)

Os estadunidenses são dilemáticos, paradoxais, pois dizem venerar a liberdade, mas a contrariam desde quando forjaram um sistema republicano (democrático e federalista) no final do século XVIII. Para isso, basta ver que em nome da liberdade promoveram guerras, invasões, golpes de estado, ditaduras e intervenções de toda sorte em todo e qualquer país que lutasse por .... liberdade. Outrora modelo a ser imitado, a democracia estadunidense agoniza, pois seus princípios foram trocados por interesses de classe e do Complexo Industrial Militar que James Cook chama de um Estado total, com estratégia de guerra total, dedicado ao poder do dólar e das armas. Ele cita Eisenhower que alertou para “um colosso que domina vastas áreas da vida americana (que) é a verdadeira ameaça à democracia” e relata como os EUA adotaram, nos anos 1950, o modelo prussiano militar industrial que produz ditadores como Hitler e faz da guerra sua própria razão de ser. Trump aí está para não deixar Cook mentir.

Os EUA provam que não existem democracias imunes ao fascismo. A ironia é ver o berço da democracia moderna, o império da liberdade, agindo como república bananeira com um ditador bufão que arregimentou seguidores para invadir o parlamento. O escárnio é que, colérico com a revolta do povo preto, pobre e imigrante dos EUA, Trump (e sua malta supremacista) tenha lançado mão da ideia Coringa: "quando tudo estiver perdido, estabeleça o caos". Aceitemos a verdade sine-qua-non: a democracia não é mais hegemônica no ocidente, se é que um dia foi!

É risível que o “Império do Norte” prefira usar o toque de recolher ao invés dos procedimentos democráticos. Agora mesmo estamos vendo o governo de Trump pondo soldados da Guarda Nacional nas ruas de Los Angeles para conter protestos e manifestações contra as operações anti-imigração. A terra da liberdade não suporta ver sua população lutando por liberdade e adota despudoradamente o modus operandi das ditaduras. Trump mandou as Forças Armadas atacarem imigrantes que protestam em várias cidades da California. Na verdade, ele está hostilizando as bases da democracia porque, tal qual Hitler, quer mais é por fim nela. Comparemos as situações, pois a pregação hitleriana baseava-se na disseminação do ódio contra todos os que vinham de fora da Alemanha. O fato, é que o fascismo odeia visceralmente todos os que não são de dentro, que vem de fora.

Jamil Chade assim relatou a situação nos EUA: “Neste final de semana, a decisão da Casa Branca de usar tropas para garantir que prisões e deportações possam ser conduzidas abriu caminho para uma militarização da ação contra estrangeiros. Em postagens nas redes sociais, Trump afirmou que os manifestantes estavam liderando uma "insurreição" e que, portanto, a resposta seria determinada pelo Pentágono”.

Desde a invasão ao Capitólio, os estadunidenses veem seu sistema político derretendo sob o fogo do autoritarismo. Os Vargas, Peróns, Arbenzs, Jangos, Allendes, Dilmas, experimentam o agridoce sabor da vingança vendo o “stupid white man” tocando fogo em suas instituições democráticas. O Estado profundo dos EUA (deep state) evita falar em golpe de estado, até porque não conhece um termo, em inglês, para designar o ato de se tomar, pela força das armas, o poder conquistado pelo voto – é que nunca tinha havido um golpe de estado nos EUA. É por isso que usam a expressão francesa “coup d’état”. Poderiam até o “putsch” alemão – combinaria mais...

Como no Brasil a democracia é apenas uma fina camada sobre um espesso extrato de autoritarismo, dizemos com todas as letras que tivemos e temos golpe de Estado, intervenção militar, quartelada, ditadura. Os acadêmicos estadunidenses precisam criar uma expressão para o que pode virar regra, pois o fascismo supremacistas não se converterá à democracia liberal. O que Trump e seus bisões amestrados fizeram não difere tanto do putsch nazista de 1923. Na verdade, o fascismo precisa dessas ações teatralizadas para vir a público atestar suas reais intenções e arrecadar a simpatia popular.

Hoje, 5ª feira (12\06), parte da cidade de Los Angeles está sob toque de recolher, sitiada por Forças Militares, numa tentativa do governo de impedir que ocorram novos atos e protestos contra as operações federais de imigração de Trump que nem cogita pacificar a situação, pelo contrário, está escalando o morro autoritário em busco do cimo onde impera a violência. A ação de Trump, contra o seu próprio povo, serve para que estadunidenses parem de uma vez por todas de falar em liberdade e passem a falar de segurança, força, repressão, perseguição aos imigrantes, combate a corrupção, enfim, a pauta da direita fascista mundo afora.

 Benjamin Franklin dizia que “os que abrem mão da liberdade essencial, por um pouco de segurança temporária, não merecem nem liberdade nem segurança”. Um dos “Pais Fundadores” dos EUA, Franklin fez parte do “iluminismo estadunidense” que defendia princípios liberais, republicanos e federalistas, se contrapunha à autoridade centralizadora, absoluta, e aos privilégios da aristocracia. Se vivo fosse, seria chamado de comunista e mandado à Cuba, pois o país que exportou um modelo de democracia não suporta ouvir falar em liberdade.

 

COOK, Fred James. O Estado militarista. São Paulo: Civilização Brasileira, 1965.

DAVIDSON, James West. Uma breve história dos Estados Unidos. 2ª ed. Porto Alegre: L&PM, 2016.

LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

JINKINGS, Ivana; SADER, Emir. [Orgs]. As armas da crítica – antologia do pensamento de esquerda. São Paulo: Boitempo, 2012.

domingo, 4 de maio de 2025

Minha bandeira não será o que ela nunca foi


        Polêmicas são como músicas, existem as boas e as ruins. Mas, isso é subjetivo e eu não vou cansar ninguém com minhas idiossincrasias, mesmo que não resista a uma polêmica. Essa contenda de se a camisa da seleção da CBF deve ser vermelha é considerável.

Devo dizer que não torço mais pela seleção desde o final dos anos 1990. É que ela deixou de ser brasileira ao ser “adquirida” pela CBF que chafurda num charco infestado por “Bichos Escrotos”, como diriam os Titãs. O uso da seleção para a exploração de um nacionalismo (estúpido) me tornou um apátrida futebolístico. “Ainda bem que eu sou Flamengo”, diria Djavan.

Não me importa se a cor da camisa da seleção vai ser verde, amarela, azul, vermelha, terracota, âmbar, fúcsia ou a do burro quando foge. Mas, pondero que o rubro tem relevância singular para ser banalizado numa camisa símbolo da extremosa destra nazifascista.

Gostemos ou não disso, e eu não gosto, o amarelo foi sequestrado pela extremosa bolsonarista. Como a sociedade resolveu não pagar o resgate, para ter o amarelo de volta, pois sofre de síndrome de Estocolmo, i.e., têm sentimentos positivos em relação ao sequestrador, que fique com o amarelo e faça dele péssimo proveito.

O que importa não é a camisa da seleção, que de tão desmoralizada não consegue contratar um técnico de respeito na Europa. Convém falarmos da bandeira nacional, pois ela segue emprestando o tal amarelo à seleção. O que deve ser discutido é a simbologia de nossa bandeira com tantas cores, estrelas e com aquele frase pavorosa. 

Esqueçam a baboseira de que o “verde são as matas e o amarelo é o sol”, pois essas eram as cores da monarquia portuguesa que dominou o Brasil por 4 séculos. O verde era a cor dos Bragança e o amarelo dos Habsburgo da Imperatriz Leopoldina. Já o azul não representava céus e rios e sim a esfera armilar, símbolo da navegação portuguesa.

A questão é: porque, quando do golpe de Estado que depôs Pedro II e proclamou a República, se manteve símbolos da monarquia na bandeira, mesmo que o brasão dos Bragança tenha sido substituído pelo desafamado “Ordem e Progresso”. Na verdade, o mote era: "O Amor por princípio. A Ordem por base. O Progresso por fim". Não colocaram o amor na bandeira, pois estavam implantando uma “ditadura positivista” como dizia Benjamin Constant. Além do mais, o que elite queria mesmo, ainda quer, era manter a ordem e promover o progresso. Para ela, claro!

O fato é que cultuamos uma farsa! Nossa bandeira referencia uma monarquia e um ideal tosco, que lastreou ditaduras em nossa época republicana, além de ser o símbolo maior de um movimento reacionário, conservador, autoritário, golpista e simpático ao nazifascismo. O que temos que fazer é retirar esse amarelo monárquico\positivista\bolsonarista de nossa bandeira.

Precisamos adotar cores que nos representem. E, por favor, não proponham a cor da pele da classe dominante que nos colonizou, pois o branco eurocentrista é a cor da paz que a elite escravocrata desse país sempre buscou. Que tal adotarmos o preto em nossa bandeira e na camisa da seleção, a cor da pele dos povos que foram aqui escravizados e que representa a dor e a beleza do que fomos e somos?


sábado, 26 de abril de 2025

AS POSTAGENS DA SEMANA.

 


 



COLLOR DO ALTO DE SUA DECREPITUDE É, FINALMENTE, CONDENADO EM ALGUMA COISA.

 Collor não foi julgado, condenado e culpado pelas situações, como diria Chico Buarque, criminosas de seu governo. Ele não vai vai começar a cumprir uma pena pelos casos escabrosos de corrupção de seu governo, que o levaram ao impeachment. Muito menos está sendo penalizado por ter confiscado a poupança do povo brasileiro. Collor foi condenado numa ação que é um desdobramento da Lava Jato. Ele foi denunciado pela PGR em 2015 por ter recebido R$ 20 milhões em propinas (entre 2010 e 2014) para viabilizar, por meio de indicações políticas, um contrato de troca de bandeira de postos de combustível celebrado pela BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. É isso! Quem sabe se agora a justiça não resolve abrir a questão do estelionato eleitoral que Collor aplicou no povo brasileiro quando confiscou a poupança mesmo tendo prometido que não o faria. 


RINDO FEITO DOIS CONDENADOS.

 Eles tem muito em comum! Ambos são de direita, essencialmente anticomumistas e simpatizantes do nazifascismo. Eles são absolutamente corruptos e contra eles pesam crimes de toda sorte. Ambos cultuavam o hábito de andarem de Jet Ski enquanto o povo padecia das mazelas criadas por eles e pela classe dominante. Ambos fizeram governos desastrosos após serem ELEITOS com apoio decisivo de vários setores da sociedade, a mídia corporativa principalmente. Ambos enfrentam o ocaso de suas carreiras. Collor está sendo recolhido hoje para cumprir sua pena. Espero que Bolsonaro vá preso em breve. Hoje experimento uma sensação de conforto ao ver esse criminoso do Collor sendo preso, pois vivi a época do confisco da poupança, sei bem o que foi aquilo.

 


E QUEM SERÁ O PRÓXIMO?

sexta-feira, 25 de abril de 2025

CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA - Parte 4.

SOARES, Gilbergues Santos. CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA -  Gilbergues Santos Soares. In: GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque; NORMANDO, Roberto Jeferson. ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS: Histórias, memórias e perspectivas da esquerda em Campina Grande. Campina Grande (PB): Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2025.


PARTE 4

 

Tratava-se de uma entidade com mecanismos e reivindicações específicas, mas que pautava sua atuação pelas lutas políticas nacionais. O CEC possuía um “mini-legislativo” com 21 representantes [79] que semanalmente se reunia. Esses representantes, que podiam ser ligados a partidos políticos, debatiam ideias e apresentavam projetos (Nascimento, 1990). É sintomático que muitos deles tenham enveredado para a política institucional, como é o caso de Ronaldo da Cunha Lima, para ficar em um exemplo. Talvez seja por isso que a entidade fosse chamada, para o bem e para o mal, de “escola de líderes” (Santos, 2015).

Media-se a relevância do CEC, para a cidade de Campina Grande, pela forma como as eleições para sua diretoria mexiam com a cidade. Os partidos e políticos tradicionais se envolviam na disputa, lutando aberta ou disfarçadamente em prol das chapas ligadas às suas agremiações. Os candidatos à presidência iam às salas de aula dos diversos colégios, públicos e privados, participavam de debates e comícios à porta das escolas ou na Praça da Bandeira. Ainda se faziam passeatas e distribuíam boletins e panfletos, além dos carros de propaganda circulando pela cidade. No dia da eleição, ônibus e automóveis transportavam os “eleitores” dos bairros para os locais de votação (Nascimento, 1990).

Até meados de 1963, o CEC era, em geral, presidido por estudantes ligados aos partidos e políticos tradicionais. Com golpe de 1964, ou por causa dele, estudantes de esquerda, ligados em sua grande maioria ao PCB, passaram a dirigir a entidade. Como nos diz Oliveiros: “O CEC era grande, por isso mesmo fecharam e acabaram com ele. Naquele tempo, não havia cursos universitários e os secundaristas mandavam na cidade” (Oliveira, 1999, p. 9). Atenta à conjuntura, a entidade se concentrou em ações, como os protestos públicos contra a ditadura militar e manteve-se ativa até a edição do Ato Institucional Nº 5. Com uma intervenção, em 1969, o CEC fechou suas portas para nunca mais abri-las, até porque muitos de seus militantes partiram para outros tipos de atuação política (Santos, 2015).

Como o movimento estudantil, as Ligas Camponesas também se organizaram em Campina Grande. A mais relevante delas foi a Liga do Bairro do Tambor, liderada pela advogada Ofélia Amorim, ligada ao deputado federal Francisco Julião que esteve algumas vezes em Campina participando de manifestações e reuniões (Almeida, 1999). Importa enfatizar que militantes do PCB, juntamente com membros da Igreja Católica, atuavam junto às Ligas. “Não é coincidência que o processo de formação inicial das Ligas ocorreu no início da década de 50, quando o PCB começou a trabalhar no sentido de capacitar teoricamente seus militantes, ou seja, criar quadros para a luta política” (Aued, 1986, p. 53).

Campina Grande, como todo o país, entrou em ebulição em 1963. Na eleição desse ano, Newton Rique foi eleito prefeito pelo PTB com uma plataforma nacionalista e popular. Rique aprovava as propostas reformistas de João Goulart e mantinha clara mensagem desenvolvimentista, influenciado que foi pelos economistas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), onde ocupou o cargo de diretor entre 1960 e 1962.

Após a posse de Newton Rique, nacionalistas da cidade promoveram manifestações em favor das reformas de base e pressionaram deputados federais do Estado para que votassem a favor delas no Congresso Nacional. Mas, com o golpe civil-militar, eles foram desarticulados e já, em junho de 1964, Rique teve seu mandato cassado por um decreto do governo militar de Castelo Branco. A justificativa para sacá-lo da prefeitura foi a acusação, nunca comprovada, de ele ter cometido irregularidades nas contas da administração pública (Sylvestre, 1988).

Cassar Newton Rique foi a forma dos militares para desarticular o movimento nacionalista campinense. Militantes do MNB local, que atuaram junto a Rique efetivando projetos reformadores, foram afastados da administração municipal, pois o prefeito que assumiu, João Jerônimo da Costa, havia se comprometido com o governo militar que implantava uma ditadura. Campina Grande entrou nos anos 1970 sobre intervenção militar, sendo governada por um major do Exército.

Os movimentos e organizações políticos aqui descritos foram todos desarticulados por uma brutal repressão estatal. Isso foi o começo do fim. Foi a partir da ditadura militar que Campina Grande foi deixando de ser “sinistra” para se tornar “destra”, mas isso já é história para outro momento.

 [79] Cada escola secundária de Campina Grande elegia um representante para compor o conselho da entidade.

Referências
ALMEIDA, Ana Rita. Ana Rita Almeida: entrevista [ago. 1999]. Entrevistador: Gilbergues Santos Soares. João Pessoa. 284 min.
ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964/1984). 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1984.
ARROXELAS, Antônio Augusto. Antônio Augusto Arroxelas: entrevista [jul. 1999]. Entrevistador: Gilbergues Santos Soares. João Pessoa. 222 min.
AUED, Bernardete W.  A vitória dos vencidos (Partido Comunista Brasileiro - PCB - e Ligas Camponesas). Florianópolis: Ed. da UFSC, 1986.
BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda. São Paulo: Editora Unesp, 1995.
 CARONE, Edgar. O PCB - 1922/1943. v. I. São Paulo: Difel, 1982a.
 _______________. O PCB - 1943/1964. v. II. São Paulo: Difel, 1982b.
 _______________.  O PCB - 1964/1982. v. III. São Paulo: Difel, 1982c. 228
FERREIRA, Jorge e DELGADO, Lucília de A. Neves. (Organização). O Brasil Republicano – O tempo da experiência democrática, da redemocratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.
GURJÃO, Eliete de Queirós. Morte e vida das oligarquias. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1994.
NASCIMENTO, Gilmar dos Santos. O Centro Estudantal Campinense: 1955/1960 - Estudo sobre uma geração de lideranças políticas de Campina Grande. Dissertação apresentada no curso de Mestrado em Sociologia da UFPB: Campina Grande, 1990.
OLIVEIRA, Oliveiros Cavalcante. Oliveiros Cavalcante de Oliveira: entrevista [ago. 1999]. Entrevistador: Gilbergues Santos Soares. João Pessoa. 263 min.
SANTOS, Gilbergues. Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido? A atuação das organizações de esquerda em Campina Grande – 1968-1972. Campina Grande-PB: Editora da UEPB, 2015.
SOUZA, Mª do Carmo Campello. Estado e partidos políticos no Brasil (1930/1964). São Paulo: Alfa-ômega, 1983.
SYLVESTRE, Josué. Nacionalismo e Coronelismo (1954 a 1964) - Fatos e Personagens da História de Campina Grande. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico. 1988.
 ________________. Lutas de vida e de morte (1945 a 1953) – Fatos e Personagens da História de Campina Grande. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico. 1981.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

CIÊNCIA COM CONSCIÊNCIA - O ANTÍDOTO DAS EXATAS AO ÓDIO


Após os acontecimentos na Universidade Estadual da Paraíba, com as repugnantes manifestações onde o ódio é a tônica, e com as suásticas nazistas sendo desenhadas pelas paredes da UEPB, além da descoberta de células, na Paraíba, em que pessoas se preparavam para atos terroristas, o pessoal do Projeto de Extensão Química na Rede preparou a roda de conversa "CIÊNCIA COM CONSCIÊNCIA - O ANTÍDOTO DAS EXATAS AO ÓDIO".
Será no dia 30 de abril, quarta feira, às 09 horas no Centro de Ciência e Tecnologia (CCT) da UEPB - Campus I (Campina Grande).

CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA (parte 3).

SOARES, Gilbergues Santos. CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA -  Gilbergues Santos Soares. In: GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque; NORMANDO, Roberto Jeferson. ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS: Histórias, memórias e perspectivas da esquerda em Campina Grande. Campina Grande (PB): Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2025. 


PARTE 3

 

As teses nacionalistas entraram em Campina Grande através do “Grêmio Literário Machado de Assis”, frequentado por intelectuais de esquerda e seguidores do deputado federal José Joffily do PSD e da FPN. O Grêmio serviu de base para a criação, em agosto de 1957, do Movimento Nacionalista Brasileiro – Seção de Campina Grande, que tinha, como o nacional, uma composição heterogênea. O MNB local participou dos movimentos políticos da cidade de 1958 até o golpe de 1964 e das eleições municipais de 1959 e 1963 (Sylvestre, 1988).

Os militantes do MNB campinense atuavam para inserir os problemas da cidade no contexto das questões nacionais. Dessa forma, o alvo de suas ações eram as empresas estrangeiras Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro SA (SANBRA) e Anderson Clayton, que possuíam filiais em Campina Grande, e atuavam no processo de industrialização do algodão e do sisal, produtos caros à economia da cidade. O MNB acusava essas duas empresas de impedirem que pequenos industriais paraibanos comercializassem seus produtos e de se apropriarem da produção local. Devido a desleal concorrência que promoviam, graças ao poder econômico que possuíam, as empresas criavam problemas para os produtores locais, como a dificuldade de manter e renovar maquinário. Segundo o MNB, “a força monopolista da ‘SANBRA’ e ‘Clayton’ é dirigida contra agricultores na imposição dos preços do algodão e do sisal de acordo com interesses estrangeiras” (Sylvestre, 1988, p. 77).

O MNB campinense se desenvolveu a ponto de criar, em 1958, o Jornal Evolução que chegou a circular diariamente no início de 1960. Possuía, também, um programa semanal de rádio chamado “Voz Nacionalista”. Os dois divulgavam as ideias e ações do movimento nacionalista, em nível local, estadual e nacional. O jornal Evolução se ocupava, também, do sindicalismo. Os apresentadores do “Voz Nacionalista” enfatizavam que “numa cidade onde o entreguista Assis Chateaubriand conta com duas emissoras de rádio e um diário, um programa desse tipo é uma verdadeira arma popular!” (Sylvestre, 1988, p. 104). De fato, entre as décadas de 1950 e 1960, o movimento nacionalista campinense funcionava como uma espécie de caixa ressonância, para a sociedade local, do que ocorria no país (Santos, 2015).

Porém, é na década de 1960 que se vê bem a característica campinense de asorver movimentos políticos nacionais. Um bom exemplo foi quando do impasse institucional criado pela renúncia do presidente Jânio Quadros em 1961. Setores das Forças Armadas, e da sociedade civil, não aceitaram a posse do vice-presidente eleito João Goulart. Criou-se, então, a “Cadeia da Legalidade”, liderada pelo governador do Rio Grande do Sul Leonel Brizola e pela União Nacional dos Estudantes (UNE) (Ferreira, 2016).

Em Campina Grande, aconteceram movimentos em defesa da legalidade. O CEC decretou greve geral dos estudantes e lançou, junto com sindicatos, o “Manifesto ao Povo Campinense”, onde o nacionalismo é a marca. A Câmara Municipal de Vereadores aprovou moção em defesa da legalidade e se declarou em sessão permanente até que fosse selado o acordo político-militar que permitiu a posse de João Goulart (Sylvestre, 1988).

Inclusive, existia, no legislativo campinense, um bloco nacionalista composto por sete vereadores. Um deles, Ronaldo da Cunha Lima [76], apresentou projeto de lei para que o espaço físico entre os edifícios da Câmara dos Vereadores e da Prefeitura Municipal fosse denominado “Largo da Legalidade”, com aposição de um busto de Leonel Brizola. Já o vereador Williams Arruda [77] apresentou um requerimento à Mesa Diretora da Câmara Municipal para que as emissoras de rádio da cidade integrassem à “Cadeia Nacional da Legalidade”. Além dessas ações, durante os dias 26 e 27 de agosto de 1961, foram organizados comícios e passeatas pela cidade contra as tentativas de impedir a posse de Goulart (Sylvestre, 1988).

A década de 1960 iniciou-se movimentada em todo o país. Eclodiam movimentos políticos e sociais tendo as reformas de base como objetivo central e em Campina Grande não era diferente. (Santos, 2015). Entre 1960 e 1968, o movimento estudantil ganhou força devido à atuação do CEC, fundado, em 1937, por estudantes que conheceram o Centro Estudantil Cearense, numa viagem a Fortaleza, e resolveram fundar uma entidade análoga em Campina Grande. [78] Já na década de 1940, os militantes do CEC participaram de manifestações a favor da redemocratização e da anistia. Na década de 1950, realizaram passeatas em protesto ao assassinato de Félix Araújo e em favor dos movimentos nacionalistas (Nascimento, 1990). 

A atuação do CEC se intensificou com a campanha pela posse de Goulart. A partir daí liderou greves contra os aumentos das passagens de ônibus e das entradas de cinemas. Claro, o CEC focava suas atenções nas questões da educação. Assim, organizou movimentos a favor da equiparação do curso básico de comércio ao ginasial e para que os concluintes do Curso Técnico e de Comércio pudessem prestar vestibular para faculdades. Pelo seu nível de organização, influenciava, e até mediava, questões sociais e políticas da cidade, além de “importar” discussões e movimentos que aconteciam nos grandes centros urbanos do país. Por isso mesmo, funcionava como uma espécie de porta-voz das demandas e problemas comunitários, sem, no entanto, perder de vista as questões nacionais (Nascimento, 1990).


[76] Ronaldo da Cunha Lima foi vereador e prefeito de Campina Grande nos anos 1960, tendo sido cassado por força do Ato Institucional nº 5 de dezembro de 1968. [77] Foi prefeito de Campina Grande entre os anos de 1964-1969. [78] Esta versão é apresentada por Josué Sylvestre. Mas, existe outra versão, não documentada, que diz que os fundadores do CEC resolveram mudar a grafia da palavra estudantil já que o país vivia sob a ditadura do Estado Novo. Os estudantes teriam optado por uma grafia diferente como forma de burlar a vigilância dos órgãos de repressão. Para eles, “estudantil” teria conotação comunista, já “estudantal” remeteria a uma entidade esportiva, cultural ou mesmo de lazer.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

SOARES, Gilbergues Santos. CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA -  Gilbergues Santos Soares. In: GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque; NORMANDO, Roberto Jeferson. ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS: Histórias, memórias e perspectivas da esquerda em Campina Grande. Campina Grande (PB): Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2025. 

PARTE 2

 

Afastado do PCB, Félix Araújo atuou como vereador até julho de 1953, quando foi assassinado por João Madeira, segurança do então prefeito da cidade Plínio Lemos. Ao que parece, o crime teve implicações políticas, já que Félix presidia uma comissão investigativa que vinha encontrando irregularidades nas contas da administração municipal. O fato é que o assassinato ganhou proporções políticas. Identificado com as lutas da esquerda, além das manifestações nacionalistas que cresciam país afora, Araújo tornou-se símbolo desses movimentos em Campina Grande (Sylvestre, 1981, p. 70).

Importa encorpar a discussão sobre o PCB, pois falar em movimentos políticos e ideológicos em Campina Grande, entre os anos 1940 e 1960, e não relevar a atuação do PCB local é algo temerário. Interessa notar que o partido cresceu na cidade desde que passou a defender uma atuação pacífica e reformista, valorizando a participação nas instituições democráticas, principalmente no parlamento. Com esse espírito, e lastreado pela atuação que vinha sendo feito desde a democratização de 1945, o PCB elegeu (em 1955) Oliveiros Cavalcanti de Oliveira o primeiro vereador comunista de Campina Grande (Oliveira, 1999). Apesar de ter sido candidato pela Coligação Social Trabalhista, composta por PSD e PTB, Oliveiros era membro do Comitê Municipal do PCB e foi eleito com os votos desse partido. [70]

Os comunistas campinenses atuavam no meio sindical, no movimento estudantil e nas Ligas Camponesas. Como tinham o gabinete do vereador Oliveiros na Câmara Municipal, dispunham de facilidades, sobretudo financeiras, para promover atividades como a organização da celebração do 1º de Maio e para criarem entidades como as Associações de Amigos de Bairro. Além disso, desenvolviam atividades de agitação e propaganda, como o pichamento de muros e a distribuição de panfletos nas portas das fábricas existentes na cidade, mesmo que a atividade central fosse a realização de reuniões e assembleias (Oliveira, 1999).

Os sindicatos mais atuantes, e que estavam sob a liderança de militantes do PCB, eram os dos trabalhadores na indústria, no comércio e nos bancos. No Sindicato das Indústrias atuava-se, principalmente, pela manutenção de direitos trabalhistas, como 13º salário, férias proporcionais remuneradas e assinatura da carteira de trabalho. A estratégia dos comunistas era organizar pequenas paralizações nas fábricas [71], através da mobilização que as células do partido, compostas por operários, conseguiam realizar (Oliveira, 1999). O PCB campinense orientava seus militantes sindicalizados a levarem para os sindicatos as palavras de ordem do partido, sendo que a recíproca nem sempre deveria ou poderia ser verdadeira (Santos, 2015).

No movimento estudantil, os estudantes ligados ao PCB, participavam de diretorias do Centro Estudantal Campinense (CEC) entre 1955 e 1964, bem como de diretórios acadêmicos universitários, como o da Faculdade de Direito da Universidade Regional do Nordeste (URNE) onde, segundo o ex-militante do PCB Antônio Arroxelas, dispunha-se de um núcleo bem-organizado para liderar atividades políticas (Arroxelas, 1999). O PCB atuava, ainda, junto às Ligas Camponesas, deslocando militantes para o trabalho político na cidade de Sapé [72]. Foi assim que teve contatos com outras organizações e lideranças da esquerda. No final da década de 1950, o advogado Francisco Julião despontou em Pernambuco como liderança do movimento camponês. Sua atuação contribuiu para que o PCB campinense tivesse contato com discussões travadas entre reformistas e revolucionários em nível nacional. É o próprio Oliveiros quem fala das discussões sobre como se junto às Ligas Camponesas. É onde se percebe como se dava a luta pela hegemonia do movimento em torno da reforma agrária.

Nas Ligas, o partido atuou pelo comando e pela ação parlamentar de seus representantes. [...] tinha divergências porque Julião era radical e intervinha no processo, provocando a luta armada sem possibilidades de vitória. O partido não se afastava para não perder o contato com as massas, mas sentia que não daria certo. Quando Julião entrou, muitos membros do partido aderiram, era o grupo que defendia a reforma agrária na lei ou na marra. Durante os primeiros anos das Ligas, na Paraíba, o partido conquistou grandes vitórias: acabou com formas feudais de exploração da terra - meia, terço, cambão, pagamento do salário em comida, o barracão (Oliveira, 1999, p. 9-10).

Mas, os militantes comunistas locais ainda se incumbiam de outras tarefas mais restritas, principalmente a partir do golpe civil-militar de 1964, como a rganização de reuniões orgânicas e o acolhimento de militantes, vindos de outros Estados para desenvolverem atividades políticas ou por estarem sendo perseguidos pela polícia. Antônio Arroxelas conta como acolheu, em sua residência, um dirigente nacional que veio, clandestinamente e com pseudônimo, a Campina Grande participar de uma reunião representando o Comitê Central do PCB em meados de 1967 (Arroxelas, 1999).

Havia, ainda, a militância do dia a dia, corriqueira, que demonstra um nível de organização bastante avançado: “O trabalho aqui era de pichamento de muro, lançamento de foguetes e faixas, ajudar movimento operário na celebração do 1° de maio, transformar clubes em organismos de defesa dos interesses populares” (Oliveira, 1998, p. 12).

Após o golpe de 1964, os comunistas locais estruturaram gráficas clandestinas para confeccionar material de propaganda, boletins e jornais que eram distribuídos em Campina Grande ou enviados para outras cidades (Oliveira, 1999). Em duas oportunidades, segundo reportagens do Diário da Borborema, foram apreendidos materiais de organizações de esquerda em ônibus que se dirigiam para outras cidades, saindo de Campina Grande. Na primeira matéria, fala-se de livros de autores marxistas encontrados em um ônibus que ia de Campina Grande para João Pessoa. [73]. Na segunda reportagem, relata-se a apreensão de farto material, como panfletos, jornais do PCB e material de estudo em um ônibus com destino à cidade de Caruaru. [74]. Já em setembro de 1971, o mesmo Diário da Borborema trouxe a seguinte reportagem:

Fontes da Polícia Federal, dão conta que todos os seis membros do aparelho terrorista, desbaratado no mês de agosto passado, estão presos incomunicáveis, a disposição da auditoria da 7ª Região Militar, no Recife, aguardando julgamento. Eles eram responsáveis pela publicação de um jornal clandestino, ‘Voz Operária’, de caráter subversivo, que era impresso em Campina Grande e distribuído para todo o Nordeste. [75]

A estrutura orgânica do PCB de Campina Grande se assemelhava a do partido em nível nacional. Existia um Comitê Municipal que se encarregava da direção e células que se organizavam de acordo com o local de trabalho, estudo ou moradia dos militantes. Nas épocas em que a repressão política estava mais acirrada, as células podiam ser subdivididas, ou somadas, de acordo com as necessidades de segurança de seus militantes. Inclusive, havia total subordinação da estrutura local em relação ao Comitê Central do partido. Oliveiros Oliveira relata como se dava o processo decisório no partido:

O partido tinha suas organizações de base, sua direção regional e nacional, mas todas as diretrizes vinham de cima. Em 1950, lançaram o Manifesto de Agosto, e eu fui a uma reunião em João Pessoa para discuti-lo. Lá disseram que quem discordasse seria expulso, que não tinha nada a adicionar e disseram: ‘Dê uma opinião’. Eu respondi: ‘Não, tem opinião não. Se discutir não vai ser expulso? Então é aceitar. É crer ou morrer (Oliveira, 1998, p. 9, grifos do autor).

Na volta dessa reunião, Oliveira reuniu militantes do PCB de Campina Grande e comunicou que existia um documento intitulado Manifesto de Agosto. Nele, determinava-se que o caminho para a transformação social seria a luta armada, que o dever dos comunistas era organizá-la e que não deveria haver divergências. Segundo Oliveira, todos aceitaram a diretriz, mas, convencidos de sua nulidade, mantiveram suas atuações em seus respectivos sindicatos, ocupados com as questões trabalhistas. Quando questionado por que os comunistas locais aceitavam permanecer num partido que não levava em consideração a opinião das bases, Oliveira foi lacônico: “Pela crença e pela fidelidade ideológica” (Oliveira, 1998, p. 11). Na década de 1950, a tese de que o subdesenvolvimento do Brasil era fruto da dependência econômica que o país tinha perante o capital financeiro internacional ganhava adeptos. Vários setores da sociedade começaram a defender que o Brasil deveria se tornar independente, de fato, para ter total alcance sobre suas riquezas e sobre seu desenvolvimento. O exemplo disso foi a campanha em defesa do monopólio estatal do petróleo (Ferreira, 2016). Defendendo ideias como essas, surgiram em Campina Grande entidades como a Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), reunindo deputados de vários partidos, e o Movimento Nacionalista Brasileiro (MNB), que reunia militares, liberais, comunistas, socialistas e católicos (Sylvestre, 1988).

[70] PCB não tinha registro no Tribunal Superior Eleitoral que lhe permitisse funcionar legalmente. A estratégia dos comunistas era filiar seus candidatos em partidos de centro esquerda ou afins. Os partidos aceitavam tal estratégia, pois ganhavam votos dos comunistas para suas legendas e candidatos a cargos majoritários (Carone, 1982a). [73] “Material considerado subversivo apreendido no ônibus”. In: Diário da Borborema, 25 de setembro de 1969. [74] Manchete do Diário da Borborema, em 24 de junho de 1971: “Exército apreende material subversivo no Tambor”. [75] Manchete do Diário da Borborema, em 07 de setembro de 1971. “Terroristas do jornal já estão presos”.

sábado, 19 de abril de 2025

"CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA"

SOARES, Gilbergues Santos. CAMPINA GRANDE: UMA CIDADE QUE JÁ FOI SINISTRA -  Gilbergues Santos Soares. In: GAUDÊNCIO, Bruno Rafael de Albuquerque; NORMANDO, Roberto Jeferson. ENTRE LUTAS E RESISTÊNCIAS: Histórias, memórias e perspectivas da esquerda em Campina Grande. Campina Grande (PB): Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2025.

 

PARTE 1


Ao final das eleições de 2014, com a presidenta Dilma Rousseff reeleita e Aécio Neves ficando em 2º lugar, a distribuição dos votos pelas regiões brasileiras pedia nossa atenção. Enquanto o Norte e o Nordeste apareciam majoritariamente em vermelho, as cores do Partido dos Trabalhadores (PT) de Dilma, o Sul e o Sudeste mostravam-se na cor azul, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) de Aécio. Na época, muito se falou daquele pontinho azul, “perdido” no mapa eleitoral nordestino, absolutamente encarnado [62]. Era Campina Grande única cidade paraibana onde o candidato do PSDB ficou em 1º lugar [63]. Isso já tinha acontecido em 2010 e se repetiu em 2018, quando o candidato da extrema-direita de tipo fascista, Jair Bolsonaro (PL), defensor da tortura e da ditadura militar, do racismo, da homofobia, dentre outras coisas, venceu nos dois turnos em Campina Grande. 

Mas, nem sempre foi assim! Esse viés conservador e de “la destra” do eleitorado campinense é relativamente recente. Neste artigo, pretendo demonstrar como historicamente Campina Grande apresentou características políticas e ideológicas progressistas e de “la sinistra”. [64]. A intenção é reunir informações para que possamos entender como a cidade pôde, por exemplo, abrigar organizações de esquerda revolucionárias que lutaram contra a ditadura, implementada com o golpe civil-militar de 1964. Importa analisar a ambiência política que deu lastro à atuação de uma entidade que congregava estudantes, de um movimento nacionalista e de organizações em defesa das Reformas de Base e das Ligas Camponesas. Também, interessa atentar para como o Partido Comunista Brasileira (PCB) se organizou e atuou na cidade, considerando a efeméride dos 100 anos de sua fundação.

Até o início dos anos 1940, Campina Grande não se diferenciava de outras cidades do interior nordestino. A política local era marcada pela presença de grupos políticos tradicionais que se alternavam no poder, sempre a serviço de seus próprios interesses. Como não existiam os partidos nacionais, cada grupo local/regional criava sua agremiação para poder controlar a distribuição de favores. Em “Morte e Vida das Oligarquias” vemos que “são pequenos partidos organizados, sob o esquema clientelístico, mantendo-se, assim, a forma de autoridade fundamentada na máquina coronelística”. (Gurjão, 1994, p. 27). Assim, existiam o Partido Republicano da Parahyba e o Partido Progressista da Parahyba. Foi tentando se libertar disso que a sociedade campinense chegou ao início da segunda metade do século XX.

Como em todo país, as mudanças causadas pelo final da 2ª Guerra Mundial e da ditadura do Estado Novo (1937 e 1945) alteraram a vida da cidade e trouxeram novos atores políticos para o cenário municipal. Setores da sociedade brasileira reivindicam o fim da ditadura getulista, que era associada ao nazifascismo derrotado na Europa. Queria-se, também, anistia para presos políticos, falava-se em eleição e em uma nova constituição. Os brasileiros pareciam cansados dos autoritarismos totalizantes, pareciam querer algo democrático. Atores políticos nacionais mais relevantes, a exemplo de Getúlio Vargas e Luis Carlos Prestes, entenderam bem as demandas políticas da sociedade e passaram a de fender eleições (Santos, 2015).

Em maio de 1945, a anistia política foi aprovada, libertando os que tinham feito oposição ao governo ditatorial de Vargas. O caso mais famoso é o de Prestes, que estava preso desde 1935, com o fracasso da “Intentona Comunista” (Souza, 1994). A democratização de 1945 encontrou partidos nacionais como União Democrática Nacional (UDN), Partido Social Democrático (PSD) e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em processo de organização em Campina Grande. O PCB [65] é um deles, aparecendo inicialmente com outra identificação. Primeiro em João Pessoa e logo depois em Campina Grande, surgiu, em 1945, a União Socialista da Paraíba (USP) que um ano depois já seria o PCB. Para marcar seu aparecimento, no cenário político da cidade, a USP lançou um manifesto no jornal A Voz Diária, em 24 de maio de 1945:

O povo de Campina Grande não poderia permanecer alheio à renovação política nacional e mundial, oriunda da derrota do fascismo e da crescente importância das massas na vida dos povos. Por isso mesmo, acaba de organizar-se o núcleo local da União Socialista da Paraíba, com o fim de, oportunamente, filiar-se ao Movimento Socialista Nacional, liderado por Luís Carlos Prestes (Sylvestre, 1981 p. 38).

As intenções dos manifestantes, em nome de um “Comitê Provisório”, eram claras. Pretendiam, a partir da nova conjuntura política, participar de forma organizada dos movimentos liderados pelos comunistas. O trabalho da USP começou cedo a render dividendos políticos em Campina Grande. Já nas eleições de dezembro de 1945, Yedo Fiúza, candidato a Presidente da República pelo PCB, teve 1.455 votos na cidade. Na mesma eleição, Prestes [66] e João Santa Cruz [67] tiveram 1.501 e 1.494 votos, respectivamente. Em 1947, nas eleições para o legislativo estadual, Félix Araújo, ligado ao PCB, teve 885 votos, ficando na 1ª suplência de João Santa Cruz, eleito com 1.654 votos. Considerando que Campina Grande tinha 18.304 eleitores neste período, e que estamos tratando de um movimento em formação, essas não deixam de ser, relativamente, boas votações. [68]

Em 1951, Félix Araújo foi candidato a vereador em Campina Grande, sendo eleito em primeiro lugar com 2.797 votos. [69] O curioso é que ele não foi candidato pelo PCB, e sim por um certo Partido Libertador. O motivo é que a permanência de Araújo no PCB foi muito curta. Segundo Sylvestre (1981), ele teve os primeiros contatos com o partido comunista e com o marxismo-leninismo alguns anos antes de ir para Itália, como voluntário da Força Expedicionária Brasileira, lutar na 2ª Guerra Mundial. Na volta, participou, sempre em Campina Grande, de campanhas a favor da anistia e pelo fim do Estado Novo. Mesmo não sendo oficialmente filiado ao PCB, Félix recebia votos que o partido dispunha em setores sindicalizados, estudantis e em bairros populares.

Todavia, constantes desentendimentos entre Félix Araújo e a direção estadual do PCB vinham ocorrendo desde as eleições de 1947, pois ele enfrentava os dilemas de receber “ensinamentos da filosofia marxista-leninista, sendo de formação cristã” (Sylvestre, 1981, p. 65). Considerando uma manifesta vocação libertária e democrática, saiu do PCB para “livrar-se da rígida disciplina partidária” (Sylvestre, 1981, p. 66). A saída dele, em outubro de 1948, foi o ápice de uma polêmica travada, pela imprensa, com as “figuras da ortodoxia do PC paraibano”. Na oportunidade, divulgou uma nota em que justificou seu afastamento nos seguintes termos: “Em face da campanha de calúnia e de injúrias desfechadas pelos comunistas contra minha dignidade pessoal, declaro ao povo paraibano que, por uma questão de honra, desligo-me, neste momento, do PCB” (Sylvestre, 1981, p. 68).


[62] No Atlas das Eleições Presidenciais, no Brasil, é possível encontrar dados sobre processos eleitorais municipais, estaduais e federal a partir de 1945. Atlas das Eleições Presidenciais no Brasil (google.com). [63] A imprensa paulista alcunhou Campina Grande de “A Ilha Tucana”. Para ver maissobre isso: https://www.uol.com.br/eleicoes/2014/noticias/2014/10/25/nordeste--tem-ilha-tucana-em-cidade-conhecida-como-a-sao-paulo-da-regiao.htm[64] Norberto Bobbio, pensador político, discute os significados de ser de direita e de esquerda em “Destra e Sinistra – Razões e significados de uma distinção política”. [65] Uma explicação semântica, mas que importa nos estudos sobre a esquerda brasileira. O que surgiu em março de 1922 foi o Partido Comunista do Brasil (PCB) - Seção da 3ª Internacional Comunista com sede na URSS. Em 1947, PCB passou a se chamar Partido Comunista Brasileiro, mantendo a sigla. No início dos anos 1960, um grupo deixou o PCB e fundou (ou refundou) o Partido Comunista do Brasil, com sigla PC do B, existente até hoje. Por cerca de 40 anos, tivemos dois partidos com legendas parecidas, PCB e PC do B. (Carone, 1982). [66] Legislação eleitoral da época permitia que um mesmo candidato concorresse tanto à Câmara como ao Senado Federal. Prestes foi candidato a senador pelo Rio de Janeiro e a deputado por vários Estados, inclusive a Paraíba. [67] Militante comunista da cidade de João Pessoa, candidato a senador da República. [68] Dados do Arquivo do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba. Departamento de Imprensa, 1973. [69] Idem.

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