sexta-feira, 4 de abril de 2025

Queria ter 40 anos em 1969 - Parte I

Da Série "Um artigo para chamar de meu" - Publicado em junho 2009 no www.paraibaonline.com.br 


Faço 40 anos como se degustasse um vinho raro, sorvendo sua essência. Aos 40 não se é mais jovem, imprudente, mesmo que ainda não se ganhe lenços e meias. Sinto-me bem, os cabelos brancos não me inquietam e o colesterol está em 166. Tenho esposa e filhos que me amam, um mínimo de experiência, já fiz algumas coisas boas, e outras nem tanto, e ainda não penso na aposentadoria. 


Nasci em 1969, o ano maldito em oposição a 1968, que para muitos não terminou. Se um não findou, o outro não pode ter começado. Já li que 1969 começou na fatídica 6ª feira, 13\12\, quando o AI-5 foi decretado. Nessa excêntrica visão, fatos parecem não se processarem, acontecem de forma estanque ou são randomicamente postos nos anos. Se ‘68’ mudou vidas, ‘69’ fez o quê? Meu apreço por este ano se dá pelo que nele aconteceu e não porque nele nasci. Farei uma seleção, arbitrária como todas, de fatos que queria ter visto in loco, não importando se bons ou ruins, pois a realidade é assim, diferente do ideal. Veremos que o “museu de grandes novidades”, do qual Cazuza falava, começou aqui. 

Em 1969 “Butch Cassidy and the Sundance Kid”, com Paul Newman e Robert Redford, foi lançado, com bela trilha sonora. O 6° filme de James Bond, “007 a serviço de sua majestade”, saiu com George Lazenby – pior, só Daniel Craig que desconhece a psique bondiana. Tivemos ainda clássicos como “Satiricon”, “Macunaíma”, “Meu ódio será sua herança”, “Perdidos na noite”, “Easy Rider”, “Z” de Costa-Gravas e “O dragão da maldade contra o santo guerreiro” de Glauber Rocha. 


Meus heróis, The Beatles, fizeram “Abbey Road” - arte em forma de disco. Nasci embalado por Something, Come Together, Here Come the Sun, Golden Slumbers, Octopus´s Garden. Eles se apresentaram pela última vez, no telhado da Apple Records, em Londres. O show foi encerrado pela polícia, eles riram e John Lennon sentenciou: “the dream is over”. Lennon disse que era só mais uma banda de rock que acabava, pois havia uma nova realidade. Era “apenas” uma banda de rock, mas que banda! Azar meu, cheguei quando eles iam embora. 

Pink Floyd lançou Ummagumma – experimentação e psicodelismo levados as últimas consequências.The Who, com Daltrey & Townshend drogadíssimos, lançou a ópera-rock “Tommy” e em Led Zeppelin II o rock era como tinha que ser: guitarras pesadas e distorções. Caetano Veloso lançou seu “álbum branco” e os Mutantes fizeram seu segundo disco com versos como “a vida é um moinho/é um sonho o caminho” e Gal Costa surgiu com seu primeiro disco solo. Brian Jones, do Rolling Stones, apareceu morto numa piscina. Fiéis ao lema “pedras rolantes não criam musgo”, os Stones lhe dedicaram o show do Hyde Park, em Londres, três dias após a tragédia. Simon & Garfunkel fizeram a turnê de “Bridge Over Troubled Water", gravaram tudo e, 15 anos depois, saiu “Live 1969”, que comprei e ouvi até que minha mãe implorasse para parar.

Chico Buarque foi para a Itália e lançou um disco com músicas em italiano. Lá ficou, pois a obtusidade militar não o pouparia. Ficou seu alônimo Julinho da Adelaide que gravou “Acorda Amor”, mostrando como era o Brasil de 1969. Dizia Julinho: “se eu demorar uns meses convém, às vezes, você sofrer; mas depois de um ano eu não vindo, ponha a roupa de domingo e pode me esquecer”. Caetano e Gilberto Gil foram presos, humilhados e exilados, mas Gil deixou “Aquele Abraço”. 


O IV Festival Internacional da Canção e o V Festival da MPB aconteceram, polêmicos como queria a época e ricos em talentos, apesar de “Dom & Ravel”, o Chitãozinho e Xororó da época, só que pior e a serviço da ditadura. Surgiu o tablóide “Pasquim”, irreverente e debochado, que vendeu 200 mil cópias com Leila Diniz na capa. Enquanto isso, Vinícius de Moraes casava-se pela 5ª vez, tomava seu cachorro engarrafado e compunha, com Tom Jobim, belas canções. Vera Fisher foi eleita Miss Brasil e entrou para o show business. E teve o festival de Woodstock - um desbunde geral, regado a sexo, drogas & rock and roll. Imagine ver Joe Cocker cantando “A Little Help From My Friends”, com aquele vozeirão de bluzeiro do meio-oeste americano?!


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