Certo. Se a
crise é de tal monta, que afeta a estabilidade do país e diz respeito às Forças
Armadas, o que fazer então? Cumprir a Constituição Federal e intervir na ordem
social e politica? Ou deixar que os civis ponham ordem no frege que eles mesmos
causaram? A entrevista do Gal. Villas Bôas é algo dúbia. Num momento ele diz,
numa provável resposta ao senador Serra, que é a “sociedade que tem que aprender com seus erros e ter consciência que
cabe a ela solucionar esses problemas”. Já em outro ponto da entrevista
afirma que “as Forças Armadas têm que
estar em condições de atender às demandas da população”.
É como se ele
estivesse dizendo que o Exército não vai intervir para corrigir os erros da
sociedade, mesmo que possa vir a atender uma demanda de intervenção vinda da
população. Nunca é demais lembrar que quase a metade da população brasileira se
mostra simpática a volta dos militares ao poder central do país, segundo
pesquisas do Datafolha e do Ibope realizadas neste ano. É preciso atentar para
os perigos de costumeiramente se pedir, aos que detém o monopólio da força,
para que intervenham no poder político (civil, por excelência). Nossa história
nos exemplifica que não raras vezes vivandeiras terminaram sendo perseguidas
pelos que tomaram o poder a força dos sabres e tanques de guerra – Carlos
Lacerda, a Igreja Católica e a classe média brasileira que o digam.
Em democracias
frágeis agitações politicas na caserna querem sempre dizer algo. Agora, no mês
de outubro, o Ministro da Defesa, Aldo Rebelo, teve que exonerar o Comandante
Militar do Sul, Gal. Antônio Hamilton Martins Mourão, por ele ter dito que:
“mera substituição da presidente não trará mudanças significativas (...)
mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção (...) toda
consciência autônoma, livre e de bons costumes precisa despertar para a luta
patriótica, contribuindo para o retorno da autoestima nacional”. Com tais
comentários o Gal. Mourão incorreu em vários erros: (1) desrespeitou a (sua)
comandante em chefe das Forças Armadas; (2) atingiu a ordem hierárquica das
instituições coercitivas; (3) opinou sobre uma seara que não lhe diz respeito;
(4) induziu civis e militares a atuarem em defesa de valores pouco democráticos.
Para piorar a
situação, se promoveu no quartel da 3ª Divisão do Exército, em Santa Maria
(RS), homenagem póstuma ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, notório
torturador da ditadura militar que chefiou o DOI-CODI de São Paulo. Homenagear
figura tão abjeta, num país governado por uma ex-militante que foi presa e
barbaramente torturada, soa como um escarnio, mas não deixa de ser uma
movimentação política da caserna. Os militares gaúchos quiseram enviar um
recado ao governo que acusou o golpe e tomou uma atitude drástica, coisa rara
nos dias de hoje, mandando o general boquirroto realizar tarefas burocráticas
em Brasília.
O ímpeto
golpista das manifestações de rua arrefeceu, mas o ativismo autoritário nas
redes sociais segue firme, forte, bem articulado em que pese não conseguir
disfarçar uma contundente estupidez quando o assunto é a recente história
politica brasileira. Não passa um dia sequer sem que alguém cite um caso de
corrupção para logo em seguida pedir aos militares para nos salvarem (SIC) “do horror
de viver numa democracia”, frágil, mas uma democracia. Se é verdade que os
militares não estam interessados em fazer cumprir o art. 142 de nossa
Constituição, é bem verdade, também, que quase metade da população cansou de
viver sob os dilemas da democracia. O problema é que essa metade não viveu os
tempos obscuros da ditadura e se recusa a travar conhecimento a cerca do que
acontecia com aqueles que se oponham ao regime militar.
Brasileiros
apontam a possibilidade de termos uma nova ditadura por não considerarem a
democracia como o único sistema político possível. Essa insistente lembrança
que temos da ditadura quer dizer que não apostamos todas as nossas fichas na
democracia. Sérgio Buarque de Holanda já dizia que a “democracia, no Brasil,
foi sempre um lamentável mal entendido”. Foi, e continua sendo, para pelo menos
45% da população que pensa ser bom viver num sistema onde as liberdades e os
procedimentos democráticos são artigos de luxo para bem poucos.