Em junho de
1950, numa entrevista ao Jornal paulista "Folha da Noite", Getúlio
Vargas disse: "Conheço meu povo,
tenho certeza de que serei eleito. Mas, sei que não chegarei ao fim do meu
governo. Se não me matarem, não sei até onde meus nervos aguentarão, mas não
tolerarei humilhações”. Tirante o tom messiânico, o sentimentalismo
populista e a extorsão emocional próprios de Vargas, temos a resposta do então
candidato a presidente a um editorial do jornalista Carlos Lacerda publicado no
Jornal carioca “A Tribuna da Imprensa”. O artigo é o suprassumo do
autoritarismo. Dizia “O Corvo”, alcunha que uns usavam para denegrir Lacerda e
outros para destacar sua sagacidade politica, que: "O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à
presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito não deve tomar posse.
Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.
Inclementemente simples.
No Brasil era
assim: onde houvesse a palavra revolução logo se lia golpe, assalto ao poder,
intervenção militar. Carlos Lacerda liderava a União Democrática Nacional (UDN)
uma espécie de PSDB só que bem mais conservadora, autoritária e sem viés
liberal algum. A UDN era para Vargas e seu PTB o que, guardando as devidas e
enormes proporções, o PSDB é para Lula, Dilma e o PT – uma feroz oposição
disposta a tudo para derrubá-lo. Com seu libelo golpista, Lacerda expressava a
impaciência de setores elitizados cansados de verem seus interesses represados
pelo nacional-desenvolvimentismo. Fruto de uma sociedade desacostumada a
praticar ritos democráticos, Lacerda pedia golpe aos militares ao invés de
pedir votos para UDN.
O resto desse
imbróglio é história que nos ensina muito sobre nosso presente. O governo
Vargas foi tumultuado desde o começo, com a oposição implorando aos militares
para tomarem o poder, com o presidente se suicidando em agosto de 1954 e com
Lacerda tendo o desfecho autoritário que tanto ansiava dez anos depois, em
1964. Não pretendo fazer ilações entre este período com o momento critico em
que vivemos, mas lembro que, como nas décadas de 1950 e 1960, muitos seguem
acreditando que a força é solução única para nossas crises institucionais. A
tese de que nossa democracia representativa se consolidou ruiu de vez! Fôssemos
uma sociedade que reconhecesse os valores da democrática (liberdade e igualdade
em doses equilibradas) e não veríamos vivandeiras rondavam os quartéis.
Vivandeira vem
do francês “vivandière” e significava (na Guerra de Canudos, por exemplo) a
mulher que seguia a tropa levando mantimentos para os soldados. O jornalista
Elio Gaspari, numa coluna para a Folha de São Paulo em janeiro de 2010,
afirmava que o marechal Humberto Castello Branco chamava de vivandeiras os
políticos que iam aos quartéis conchavar com a oficialidade. Dizia Castello
Branco: “São os que, como vivandeiras
alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar
extravagâncias ao Poder Militar”.
Se déssemos o
real valor que a democracia tem, vivandeiras seriam coisas do passado e não
assistiríamos a deplorável cena de brasileiros vestidos de verde-e-amarelo,
cantando o hino nacional e pedindo aos militares para intervirem na ordem
política e social do país enquanto, frenética e pateticamente, batem panelas em
suas luxuosas varandas. De fato, quase a metade de nossa população aceitaria
alegremente trocar nossa frágil democracia por um regime de força.
Este cenário de
crise político-econômica não se agravou por causa da corrupção que grassa
instituições e sociedade. Temos uma moralidade seletiva na politica, onde se
escolhe como e porque ser ou não desonesto. Onde o presidente da Câmara dos
Deputados, Eduardo Cunha, não é criticado pelo envolvimento em negócios
escusos, mas por ter se deixado flagrar com tanta facilidade. Também não
indicaria as pedaladas fiscais do governo Dilma como fato gerador da crise.
Aliás, o que vem a ser este "crime bárbaro" que se quer usar para
golpear as instituições? “Pedalar” é quando o governo toma dinheiro emprestado
aos bancos para pagar contas. Como a dívida pública brasileira é sempre alta,
governos usam este expediente para manter o equilíbrio financeiro. Até 2014,
pedaladas eram vistas como mal necessário. Houve quem se gabasse de pedalar
para não arrombar as contas. Pedaladas se tornaram motivo para impeachment como
estratégia de quem não consegue chegar ao poder pelas urnas.
Continua amanhã...
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