
Parte de nossa
sociedade tem um jeito peculiar de lidar com a violência contra a mulher. Em 2014,
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostrou que 26% dos
brasileiros acreditam que a “mulher que exibe seu corpo merece ser atacada”. Vimos
com provas, não com convicções, que o estupro é legitimado entre nós. O IPEA demonstrou
que muitos creem que “se a mulher se comportasse, haveria menos estupros”. Agora,
o Fórum Brasileiro de Segurança Publica (FBSP) trouxe dados atualizando nossa mentalidade
obscura. Como nada é tão ruim que não possa piorar, vemos que 30% dos
entrevistados concordam que a “mulher que usa roupas provocativas não pode
reclamar se for estuprada”. Pior, é que 37% aceitam a ideia anacrônica, tosca, de
que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”.
Envergonha-me compartilhar
minha nacionalidade com pessoas que fingem não saber que é crime tentar ou
manter relações sexuais com uma mulher sem que ela consinta. É como se a mulher
gostasse de ser violentada e provocasse o homem para que ele lhe atacasse. A
ideia de que um padrão de comportamento, determinado à mulher pela sociedade,
evita que ela seja estuprada é de uma estultice colossal. Quase 40% dos
brasileiros dizem: “dê-se ao respeito e não serás estuprada”. Assusta-me saber
que há quem concorde com tal parvoíce. Com temperaturas tão altas, a mulher tem
que usar roupas compostas para não ser violentada?

Em 2014 o IPEA
revelou que 82% dos brasileiros concordaram que “o que acontece entre o casal
em casa não interessa aos outros”. Seguimos achando que em briga de marido e
mulher não se mete a colher. A maioria de nós entende que não se deve
intrometer no caso do marido espancar sua esposa desde que isto aconteça no santo
recesso do lar. O primado do homem sobre a mulher ainda é aceito por nós.
Seguimos sendo os trogloditas de sempre!
Assisti o
documentário “Half the sky” (O céu pela metade), produzido para televisão
americana, filmado em países como Camboja, Índia, Somália e Afeganistão, que
trata de mulheres vítimas de coisas como tráfico de pessoas, violência sexual,
fome, guerra, escravidão. É desesperador ver que, em nome da tradição, mulheres
são estupradas e prostituídas pelos seus pais e maridos. Mostra, por exemplo, a
depauperante tradição da infibulação. Um hábito medieval desprovido de
racionalidade.

IPEA e FBSP concluem
que a brasileira ainda não se equiparou econômica, política e socialmente em
relação ao brasileiro. O IPEA viu que 65% dos entrevistados concordam que
“mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar”. Muitos
ainda acham que “só um tapinha não dói”. Houve um erro na apresentação dos
dados do IPEA. Mas, isso não diminui o sentido nem retira a seriedade do estudo,
pois a questão não é apenas quantitativa. Importa menos se duas mil ou dois milhões
de pessoas concordam que é a mulher quem provoca o estupro. Enquanto tivermos
um único brasileiro pensando assim, temos muito com que nos preocupar. Não
basta supor que “nada tenha haver com isso já que não concordo com essas
opiniões”. Se onde vivo têm pessoas legitimando o estupro tenho, sim, haver com
isso.
Como exemplo,
vejamos o caso da Paraíba onde a realidade confirma os dados do IPEA e do FBSP.
O Centro da Mulher 8 de Março, de João Pessoa, nos mostrou que, por mês, sete paraibanas
são estupradas. A ONG, que acompanhava mulheres violentadas, dizia que entre o
início de 2010 e novembro de 2015 foram registrados 556 estupros na Paraíba,
sendo que 65,4% dos casos foram contra crianças e adolescentes. Sempre
lembrando que os números são ainda maiores, pois nem todas as vítimas vão à polícia.
Será que somos tão diferentes da realidade vista em “Half the sky”?

Outubro/2016.
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