Folha de São Paulo de hoje (22/06) traz este artigo de Clóvis Rossi. Com poucas palavras e sem rodeios, ele diz a verdade cristalina: a fragilidade de nossa democracia é tão grande que a Instituição responsável pela segurança de nossas fronteiras foi tragada pelo pragmatismo eleitoral que contagia a elite política brasileira.
Resta-nos questionar o que o Exército ganha aceitando fazer o papel de segurança privada dos interesses eleitoreiros do senador Crivella e seus aliados - aumento salarial, diferenciado dos civis, como sempre? Investimentos tecnológicos? Promessas de verbas polpudas para desenvolver projetos bélicos? Manutenção de todas as suas prerrogativas herdadas dos tempos da ditadura militar? Ou todas as alternativas juntas?
O precedente aberto é assustador! Se o Exército vai mesmo transformar-se no fiador das obras públicas de governos municipais, estaduais e federal contra o crime organizado é bom irmos nos acostumando em ver com freqüência cenas e fatos como aqueles ocorridos no Morro da Providência recentemente.A democracia brasileira continuará sendo meramente de procedimentos e com o agravante de termos as Forças Armadas desenvolvendo as mesmas atividades de quando vivíamos sobre a ditadura militar. Desse jeito vamos mal, muito mal obrigado!
Durante o regime militar, setores da esquerda acusavam as Forças Armadas de serem "a guarda pretoriana da burguesia" (ou da oligarquia, ao gosto do freguês). Diga-se, aliás, que essa acusação era generalizada na América Latina, quase toda ela tomada por governos militares.
É chocante que, na democracia, a frase (ou ao menos uma adaptação dela) perca o seu caráter de propaganda ideológica para se converter em mera descrição de um fato real. O Exército, ainda por cima com aval da Justiça, transformou-se em guarda pretoriana de uma obra, no Rio de Janeiro, de indiscutível cunho eleitoral e partidário (em benefício do senador Marcelo Crivella, candidato à Prefeitura do Rio).
Duplamente chocante, aliás. Primeiro, há o fato de que o poder público assume explicitamente que é incapaz de realizar uma obra em um ponto central da cidade-vitrina do Brasil sem precisar recorrer a uma força armada que, ademais, não é a força armada que constitucionalmente responde pela segurança dos cidadão.
Entre parêntesis: se a entrevista de Marta Suplicy à Folha foi considerada pelos procuradores uma violação da "igualdade de oportunidades" que deveria primar em campanhas eleitorais, por que outros procuradores não representam contra o Exército por violar idêntica norma, ao proteger obras de um único candidato?
Fecha parêntesis para passar ao segundo aspecto chocante: a entrada do Exército como protetor de uma obra se dá em um governo, o de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual abundam ex-esquerdistas, muitos dos quais abusavam da frase citada no primeiro parágrafo.
Alguma surpresa, ante a metamorfose ambulante dessa gente, que o noticiário político tenha virado noticiário policial, envolvendo quase sempre partidos da base aliada ao governo, como, de resto, no caso da obra no Rio?
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
domingo, 22 de junho de 2008
quinta-feira, 19 de junho de 2008
Imprevidência no Providência
Na sessão Tendências/Debates da Folha de São Paulo de 19/06 o cientista político Jorge Zaverucha publicou uma lúcida avaliação sobre as fragilidades de nossa democracia, especificando a problemática presença das Forças Armadas no morro da Providência no Rio de Janeiro. Vale a pena ler.
DESDE DEZEMBRO de 2007, o Exército vem sendo usado partidariamente no morro da Providência (Rio) pelo governo federal com a conivência do governo estadual. A justificativa oficial é estar em vigor uma ação subsidiária do Exército. Ressalte-se que construir estradas e pontes em benefício de todos é diferente de o Exército ser usado para fim particular. Internamente, todavia, o assunto é considerado uma operação de garantia da lei e da ordem, o que demandaria um decreto presidencial para a movimentação de tropas.
Essa medida enfraquece a já frágil democracia brasileira. Espanta que tamanho desatino político tenha demorado tanto tempo a ser percebido pela sociedade civil, pelo Congresso Nacional e pela Alerj. Foram necessárias três vítimas para que a questão viesse à baila. As advertências teóricas contra o uso de militares federais foram desconsideradas. Infelizmente, há os que acham que somente o observável deve ser considerado conhecimento válido.
A novidade não é a presença do Exército nas favelas fazendo atividade de segurança pública. O crescente processo de militarização da segurança pública é "per se" nova amostra da incapacidade de criarmos um Estado moderno sob o ponto de vista das instituições coercitivas. Inexiste no Brasil uma clara separação entre a competência e a identidade da força que é responsável pela guerra (Forças Armadas) e aquela que mantém a ordem interna (Polícia).
A inovação no morro da Providência reside no uso do Exército para ajudar na execução de um projeto político partidário capitaneado pelo senador Marcelo Crivella, candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro. E que ele pertença ao mesmo partido do vice-presidente da República (PRB). A aparência de democracia é uma grande ameaça à democracia brasileira. O projeto Cimento Social é parceria entre o Ministério das Cidades e o da Defesa no valor de R$ 12 milhões.
Trata-se de um retrocesso institucional típico de sociedade pretoriana. Fica-se a esquadrinhar quais interesses são esses que levaram nossas autoridades a bancar o custo político dessa ação militar. Em um contexto de baixa credibilidade dos nossos políticos, tisnar a imagem da instituição laica mais acreditada pelos brasileiros, as Forças Armadas, é uma atitude, no mínimo, temerária.
As Polícias estaduais são mal-equipadas e maltreinadas e já estão significativamente contaminadas internamente. Não são mais capazes de dar conta de sua atribuição de manter a ordem pública.
Esse sistema de duas polícias em um mesmo espaço geográfico fazendo ciclos parciais de policiamento só existe no Brasil. Em vez de extinguir esse falido modelo, os últimos governos federais, e o atual não é exceção, optaram pela alternativa mais fácil: manter o status quo. E, para remedar o problema, acionam cada vez mais o Exército em funções de policiamento.
Só que, dessa vez, o governo Lula deu um passo ainda mais atrás: pôs em prática a promiscuidade político-partidária.
É constrangedor ouvir as repetidas declarações do ministro da Defesa comparando a utilização das tropas brasileiras na missão de paz da ONU no Haiti com o emprego delas em solo brasileiro. As regras de engajamento são distintas.
E, mais, o ministro Nelson Jobim persiste na imprevidência. Tenta transformar em desvio de conduta individual um problema que é de natureza institucional. Em vez de trabalhar para a imediata retirada das tropas militares do morro da Providência, defende o indefensável. Além do risco do poder transversal (e não paralelo!) dos traficantes embrenharem-se nas fileiras castrenses de modo crescente.
JORGE ZAVERUCHA , doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). É autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: Entre o Autoritarismo e a Democracia", entre outras obras.
DESDE DEZEMBRO de 2007, o Exército vem sendo usado partidariamente no morro da Providência (Rio) pelo governo federal com a conivência do governo estadual. A justificativa oficial é estar em vigor uma ação subsidiária do Exército. Ressalte-se que construir estradas e pontes em benefício de todos é diferente de o Exército ser usado para fim particular. Internamente, todavia, o assunto é considerado uma operação de garantia da lei e da ordem, o que demandaria um decreto presidencial para a movimentação de tropas.
Essa medida enfraquece a já frágil democracia brasileira. Espanta que tamanho desatino político tenha demorado tanto tempo a ser percebido pela sociedade civil, pelo Congresso Nacional e pela Alerj. Foram necessárias três vítimas para que a questão viesse à baila. As advertências teóricas contra o uso de militares federais foram desconsideradas. Infelizmente, há os que acham que somente o observável deve ser considerado conhecimento válido.
A novidade não é a presença do Exército nas favelas fazendo atividade de segurança pública. O crescente processo de militarização da segurança pública é "per se" nova amostra da incapacidade de criarmos um Estado moderno sob o ponto de vista das instituições coercitivas. Inexiste no Brasil uma clara separação entre a competência e a identidade da força que é responsável pela guerra (Forças Armadas) e aquela que mantém a ordem interna (Polícia).
A inovação no morro da Providência reside no uso do Exército para ajudar na execução de um projeto político partidário capitaneado pelo senador Marcelo Crivella, candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro. E que ele pertença ao mesmo partido do vice-presidente da República (PRB). A aparência de democracia é uma grande ameaça à democracia brasileira. O projeto Cimento Social é parceria entre o Ministério das Cidades e o da Defesa no valor de R$ 12 milhões.
Trata-se de um retrocesso institucional típico de sociedade pretoriana. Fica-se a esquadrinhar quais interesses são esses que levaram nossas autoridades a bancar o custo político dessa ação militar. Em um contexto de baixa credibilidade dos nossos políticos, tisnar a imagem da instituição laica mais acreditada pelos brasileiros, as Forças Armadas, é uma atitude, no mínimo, temerária.
As Polícias estaduais são mal-equipadas e maltreinadas e já estão significativamente contaminadas internamente. Não são mais capazes de dar conta de sua atribuição de manter a ordem pública.
Esse sistema de duas polícias em um mesmo espaço geográfico fazendo ciclos parciais de policiamento só existe no Brasil. Em vez de extinguir esse falido modelo, os últimos governos federais, e o atual não é exceção, optaram pela alternativa mais fácil: manter o status quo. E, para remedar o problema, acionam cada vez mais o Exército em funções de policiamento.
Só que, dessa vez, o governo Lula deu um passo ainda mais atrás: pôs em prática a promiscuidade político-partidária.
É constrangedor ouvir as repetidas declarações do ministro da Defesa comparando a utilização das tropas brasileiras na missão de paz da ONU no Haiti com o emprego delas em solo brasileiro. As regras de engajamento são distintas.
E, mais, o ministro Nelson Jobim persiste na imprevidência. Tenta transformar em desvio de conduta individual um problema que é de natureza institucional. Em vez de trabalhar para a imediata retirada das tropas militares do morro da Providência, defende o indefensável. Além do risco do poder transversal (e não paralelo!) dos traficantes embrenharem-se nas fileiras castrenses de modo crescente.
JORGE ZAVERUCHA , doutor em ciência política pela Universidade de Chicago (EUA), é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). É autor de "FHC, Forças Armadas e Polícia: Entre o Autoritarismo e a Democracia", entre outras obras.
segunda-feira, 9 de junho de 2008
Que me valha Chico Buarque – Parte III
Pouco importa, inclusive, se Caetano Veloso, Lobão e até o Ministro (de quê mesmo?! – é difícil lembrar!) Gilberto Gil consideram a sedeca do funk como um “movimento musical”, afinal e ainda bem, eles não são perfeitos. Em uma entrevista Lobão, desandou a dizer asneiras. Disse que o funk é maravilhoso e que é uma revolução, que adora Tati Quebra Barraco, que a sua cultura é a maconha e, não satisfeito, atacou quem ele não tem envergadura nenhuma para criticar - Chico Buarque - dizendo que ele é “sinônimo da ditadura militar, que nasceu velho, que suas músicas são depressivas”.
Lobão só acertou quando disse que Chico Buarque é o contrário do funk. Pelo menos nisso, meu caro Lobão, nós vamos concordar. Não tenha a menor dúvida, Chico é o símbolo que se contrapõem, pela qualidade, a tudo que virou moda. Ele está para a música brasileira, assim como seu pai (o historiador Sérgio Buarque de Holanda) está para a historiografia brasileira: fundamental, inovador, revolucionário, enfim, clássico. E se o leitor duvidar, basta ler “Raízes do Brasil” do pai e ouvir “Bye, Bye Brasil”, “Construção” e “A Banda” do filho.
Sempre tive uma especial atenção pelo trabalho musical realizado por Lobão. Inclusive, admirei bastante o fato de ele ter criado seu próprio selo e ter passado a vender seus discos nas bancas de jornal a preços compatíveis com a realidade sócio-econômica de centenas de milhares de brasileiros. Ele conseguiu provar que é possível fugir do pesado esquema das grandes gravadoras e fazer uma música de boa qualidade. Sempre admirei o jeito franco de Lobão, mas dessa vez ele foi longe demais. Como se não bastasse fazer apologia às drogas, ainda desatinou totalmente quando disse que prefere a tal Lacraia a Edu Lobo e que Elis Regina, Tom Jobim e Chico Buarque são o que há de pior na nossa música. Pobre Lobão, esse desatino todo só pode ter sido causado pelo uso excessivo de cocaína e maconha, que deve ter corroído o seu cérebro e a sua sensibilidade.
Alguém me disse: “Essas músicas tocam direto porque o povo não sabe escolher e escuta o que for colocado”. Se for assim, então além do Pagode, do Axé-Music, do Forró Eletrônico, do Funk e de outras “comercialiadades” do ramo, porque não tocar nas rádios MPB, Jazz, Blues, Música Clássica? E que se deixe as pessoas escolherem livremente o que querem escutar! Porque não “impor” ao povo Tom Jobim, Elis Regina, Djavan, Leila Pinheiro, Beatles, Ray Charles, Miles Davis, etc? Se o povão não sabe escolher, então que eles sejam "obrigados" a ouvirem nas rádios Mozart, Beethoven e Tchaikovsky.
Afinal, por que o povo só é obrigado a ouvir o lixo da música? Por que não fazê-lo escutar o luxo que se produz em nossa música?
Boa parte do povo brasileiro não sabe escolher porque não teve oportunidade de estudar, de recolher subsídios e elementos que permitam o indivíduo OPTAR e não simplesmente ACEITAR.
Muitos não têm condição de escolher o que vão ouvir porque não tem poder político, econômico e cultural para decidir. Quem faz isso são os órgãos midiáticos, controlados por grupos que vêem no escatol musical uma excelente forma de lucrar. O mercado cultural se fia na equivocada visão de que não importa o estilo, mas sim se ele está “tocando direto” e se está “na moda”. Fia-se, também, no fato de vivermos em sociedades consumistas, que privilegiam a simplificação em detrimento da elaboração.
Recuso-me a aceitar que valores culturais, como a nossa MPB (que é um dos melhores exemplos de nossa identidade), reduzam-se à dimensão de meros valores comerciais. É por isso que, com um enorme prazer, sempre revejo a obra de Chico Buarque. É pela sua obra que ele merece ser freqüentemente revisitado e é assim que eu recorro a ele: como um clássico, para me valer das “modas” do momento. É por isso tudo que eu “prescrevo” o clássico Chico Buarque como um remédio para a crise em que vivemos. Parodiando o próprio é que eu indico: beba Chico, cheire Chico, fume Chico, use Chico, injete Chico na veia; não tem contra indicação – pode se viciar nele, só vai fazer bem.
PS: Este artigo foi escrito e publicado a cerca de dois anos. Resolvi colocá-lo aqui como uma forma desabafo. É lamentável ser obrigado a ouvir cotidianamente essa debilidade chamada forró eletrônico, considerando que vivemos na terra do Maior São João do Mundo, berço da que há de melhor em termos de música regional. É realmente lamentável!!!!!
Lobão só acertou quando disse que Chico Buarque é o contrário do funk. Pelo menos nisso, meu caro Lobão, nós vamos concordar. Não tenha a menor dúvida, Chico é o símbolo que se contrapõem, pela qualidade, a tudo que virou moda. Ele está para a música brasileira, assim como seu pai (o historiador Sérgio Buarque de Holanda) está para a historiografia brasileira: fundamental, inovador, revolucionário, enfim, clássico. E se o leitor duvidar, basta ler “Raízes do Brasil” do pai e ouvir “Bye, Bye Brasil”, “Construção” e “A Banda” do filho.
Sempre tive uma especial atenção pelo trabalho musical realizado por Lobão. Inclusive, admirei bastante o fato de ele ter criado seu próprio selo e ter passado a vender seus discos nas bancas de jornal a preços compatíveis com a realidade sócio-econômica de centenas de milhares de brasileiros. Ele conseguiu provar que é possível fugir do pesado esquema das grandes gravadoras e fazer uma música de boa qualidade. Sempre admirei o jeito franco de Lobão, mas dessa vez ele foi longe demais. Como se não bastasse fazer apologia às drogas, ainda desatinou totalmente quando disse que prefere a tal Lacraia a Edu Lobo e que Elis Regina, Tom Jobim e Chico Buarque são o que há de pior na nossa música. Pobre Lobão, esse desatino todo só pode ter sido causado pelo uso excessivo de cocaína e maconha, que deve ter corroído o seu cérebro e a sua sensibilidade.
Alguém me disse: “Essas músicas tocam direto porque o povo não sabe escolher e escuta o que for colocado”. Se for assim, então além do Pagode, do Axé-Music, do Forró Eletrônico, do Funk e de outras “comercialiadades” do ramo, porque não tocar nas rádios MPB, Jazz, Blues, Música Clássica? E que se deixe as pessoas escolherem livremente o que querem escutar! Porque não “impor” ao povo Tom Jobim, Elis Regina, Djavan, Leila Pinheiro, Beatles, Ray Charles, Miles Davis, etc? Se o povão não sabe escolher, então que eles sejam "obrigados" a ouvirem nas rádios Mozart, Beethoven e Tchaikovsky.
Afinal, por que o povo só é obrigado a ouvir o lixo da música? Por que não fazê-lo escutar o luxo que se produz em nossa música?
Boa parte do povo brasileiro não sabe escolher porque não teve oportunidade de estudar, de recolher subsídios e elementos que permitam o indivíduo OPTAR e não simplesmente ACEITAR.
Muitos não têm condição de escolher o que vão ouvir porque não tem poder político, econômico e cultural para decidir. Quem faz isso são os órgãos midiáticos, controlados por grupos que vêem no escatol musical uma excelente forma de lucrar. O mercado cultural se fia na equivocada visão de que não importa o estilo, mas sim se ele está “tocando direto” e se está “na moda”. Fia-se, também, no fato de vivermos em sociedades consumistas, que privilegiam a simplificação em detrimento da elaboração.
Recuso-me a aceitar que valores culturais, como a nossa MPB (que é um dos melhores exemplos de nossa identidade), reduzam-se à dimensão de meros valores comerciais. É por isso que, com um enorme prazer, sempre revejo a obra de Chico Buarque. É pela sua obra que ele merece ser freqüentemente revisitado e é assim que eu recorro a ele: como um clássico, para me valer das “modas” do momento. É por isso tudo que eu “prescrevo” o clássico Chico Buarque como um remédio para a crise em que vivemos. Parodiando o próprio é que eu indico: beba Chico, cheire Chico, fume Chico, use Chico, injete Chico na veia; não tem contra indicação – pode se viciar nele, só vai fazer bem.
PS: Este artigo foi escrito e publicado a cerca de dois anos. Resolvi colocá-lo aqui como uma forma desabafo. É lamentável ser obrigado a ouvir cotidianamente essa debilidade chamada forró eletrônico, considerando que vivemos na terra do Maior São João do Mundo, berço da que há de melhor em termos de música regional. É realmente lamentável!!!!!
sexta-feira, 6 de junho de 2008
Que me valha Chico Buarque – Parte II
Talvez, já se tenha dito tudo sobre Chico. Talvez eu esteja sendo redundante. O fato é que escrevo para significar sua importância para a cultura nacional. Em um tempo de crise, em um momento em que a MPB conceitual é continuamente enxovalhada pelo lixo escatológico vindo das gravadoras – falo dos ritmos considerados “populares” como o sertanejo, o pagode, o axé music, o forró (aquele que considera a sanfona, a zabumba e o triângulo dispensáveis e que ignora Jackson do Pandeiro e Luís Gonzaga), o funk e o tal hip hop, enfim, tudo aquilo que dispensa talento para ser feito, a salvação é escutar e ler Chico Buarque em maciças doses.
É realmente um instante preocupante! Para cada Lenine, Zélia Duncan, Zeca Baleiro ou Ana Carolina que surgem, logo aparecem dez ou quinze bandas daquelas que poderiam muito bem colocar seus cantores e dançarinos para atuarem em filmes pornográficos.
Enfrentamos circunstâncias delicadas, em que outros da geração de Chico Buarque, como Caetano Veloso, metem os pés pelas mãos e, avaliando-se acima do bem e do mal, passam a chancelar os resíduos expelidos pela indústria fonográfica. Caetano Veloso cospe na sua história ao querer colocar-se como defensor daquele “estilo musical” pavoroso que vem das favelas cariocas. Pior, quer nos convencer de que aquilo é a pura expressão de uma coisa que ele (in) define como a “cultura dos oprimidos”. O autor de Sampa, Podres Poderes, Panis et Circenses, Baby, Trem das Cores, Terra, etc, não poderia cuspir assim em sua própria biografia.
Estamos em conjuntura tão difícil que, lamentável e paradoxalmente, me vi, dia desses, defendendo a censura. Isso mesmo, por um momento pensei que a única solução para me livrar da poluição sonora que infecta as ruas, com aqueles carrinhos legitimadores da pirataria, seria a censura. Refeito de meu lapso autoritário, questionei-me como alguém que depende de sua liberdade de expressão defende algo tão nefasto? Perguntei-me porque cai em brutal contradição? E a resposta foi: vi-me tão irritado com essa escatologia, que alguns denominam de “forró eletrônico”, que pensei que para o bem de nossos cérebros, ouvidos e corações fosse por bem censurá-lo.
Mas, sossegue caro leitor, ao contrário dos escatófagos “forrozeiros” ainda sou dotado de suficiente inteligência e sensibilidade para rever meu erro: não quero a censura! Ela é algo terrível, que o diga aqueles que já foram vítimas dela. Mas então o que fazer? Se não posso censurar, nem quero, estou condenado a ouvir esta música fecalóide, produzida e comercializada por pessoas versadas nos meandros da coprofagia?
É realmente um instante preocupante! Para cada Lenine, Zélia Duncan, Zeca Baleiro ou Ana Carolina que surgem, logo aparecem dez ou quinze bandas daquelas que poderiam muito bem colocar seus cantores e dançarinos para atuarem em filmes pornográficos.
Enfrentamos circunstâncias delicadas, em que outros da geração de Chico Buarque, como Caetano Veloso, metem os pés pelas mãos e, avaliando-se acima do bem e do mal, passam a chancelar os resíduos expelidos pela indústria fonográfica. Caetano Veloso cospe na sua história ao querer colocar-se como defensor daquele “estilo musical” pavoroso que vem das favelas cariocas. Pior, quer nos convencer de que aquilo é a pura expressão de uma coisa que ele (in) define como a “cultura dos oprimidos”. O autor de Sampa, Podres Poderes, Panis et Circenses, Baby, Trem das Cores, Terra, etc, não poderia cuspir assim em sua própria biografia.
Estamos em conjuntura tão difícil que, lamentável e paradoxalmente, me vi, dia desses, defendendo a censura. Isso mesmo, por um momento pensei que a única solução para me livrar da poluição sonora que infecta as ruas, com aqueles carrinhos legitimadores da pirataria, seria a censura. Refeito de meu lapso autoritário, questionei-me como alguém que depende de sua liberdade de expressão defende algo tão nefasto? Perguntei-me porque cai em brutal contradição? E a resposta foi: vi-me tão irritado com essa escatologia, que alguns denominam de “forró eletrônico”, que pensei que para o bem de nossos cérebros, ouvidos e corações fosse por bem censurá-lo.
Mas, sossegue caro leitor, ao contrário dos escatófagos “forrozeiros” ainda sou dotado de suficiente inteligência e sensibilidade para rever meu erro: não quero a censura! Ela é algo terrível, que o diga aqueles que já foram vítimas dela. Mas então o que fazer? Se não posso censurar, nem quero, estou condenado a ouvir esta música fecalóide, produzida e comercializada por pessoas versadas nos meandros da coprofagia?
quinta-feira, 5 de junho de 2008
Que me valha Chico Buarque – Parte I
Em um artigo, intitulado “Leitura dos clássicos é remédio contra crise”, publicado no Jornal O Estado de São Paulo no já distante 20 de Fevereiro de 1994, o historiador Carlos Guilherme Mota afirma que “ ... em tempos de crise, voltamo-nos para os clássicos, num recuo estratégico, em busca de perspectivas e alguma paz. Uma pausa para o reencontro de nossa temporalidade perdida ou, como por vezes acontece, nossa sensibilidade enfastiada”.
Mas, o que é um clássico? É um livro, um filme, uma pintura, uma música, enfim é aquilo que consegue ser atemporal, sem ser anacrônico, que consegue agradar várias gerações sem precisar mudar sua essência, que consegue pairar acima de várias opiniões; enfim, clássico é algo que fica. Clássico é aquilo que reencontramos depois de muito tempo para rever, reinterpretar e redimensionar para o momento em que vivemos. O clássico é aquele que cabe em muitos presentes e não só naquele em que foi feito. Em geral, buscamos os clássicos em momentos de crise (não importa de que tipo), e eles têm a capacidade de nos revelar outras dimensões de nossa existência coletiva e/ou individual.
O Clássico muda? Certamente que não! Mudamos nós, por isso a necessidade de voltarmos a eles sempre que necessário. Essa discussão justifica-se para que fale de um dos principais clássicos do Brasil: Chico Buarque de Holanda.
Chico reencarna Pixinguinha, Lupicínio Rodrigues, Nelson Cavaquinho, Cartola, Ari Barroso, Dorival Caymmi, etc, com todo o seu virtuosismo letrístico e musical. Ele soube recolher elementos no que de melhor tivemos na música, desde os chorões e Chiquinha Gonzaga, passando por Villa Lobos, até Vínicius de Morais e Tom Jobim e converter isso tudo numa produção inovadora e bem estruturada.
Chico é por tudo que consegue representar e por ele mesmo, o maior letrista da MPB. Diria que ele é um verdadeiro caçador de palavras, um arqueólogo dos grandes achados lingüísticos. Ninguém como ele para, com as palavras certas, dizer as coisas corretas. Quando ele diz: “ ... amo tanto e de tanto amar, acho que ela é bonita”, quer dizer que não importa o que seja a mulher, ele a ama e todas as questões se encerram. Quando ele diz “... desfruta do meu corpo, como se o meu corpo fosse a sua casa”, singulariza uma relação sexual! Ele foge do óbvio e nos força a buscar conhecer as coisas. Quem mais usaria gelosia ao invés de janela?
Chico Buarque consegue antever as conjunturas – antes de a ecologia virar moda e chavão na boca de nossa intelectualidade desavisada, ele já praticava o ativismo verde. Em “Os homens vão chegar” manda os passarinhos tomarem cuidado com os desatinos do homem em relação à natureza.
Mas, o que é um clássico? É um livro, um filme, uma pintura, uma música, enfim é aquilo que consegue ser atemporal, sem ser anacrônico, que consegue agradar várias gerações sem precisar mudar sua essência, que consegue pairar acima de várias opiniões; enfim, clássico é algo que fica. Clássico é aquilo que reencontramos depois de muito tempo para rever, reinterpretar e redimensionar para o momento em que vivemos. O clássico é aquele que cabe em muitos presentes e não só naquele em que foi feito. Em geral, buscamos os clássicos em momentos de crise (não importa de que tipo), e eles têm a capacidade de nos revelar outras dimensões de nossa existência coletiva e/ou individual.
O Clássico muda? Certamente que não! Mudamos nós, por isso a necessidade de voltarmos a eles sempre que necessário. Essa discussão justifica-se para que fale de um dos principais clássicos do Brasil: Chico Buarque de Holanda.
Chico reencarna Pixinguinha, Lupicínio Rodrigues, Nelson Cavaquinho, Cartola, Ari Barroso, Dorival Caymmi, etc, com todo o seu virtuosismo letrístico e musical. Ele soube recolher elementos no que de melhor tivemos na música, desde os chorões e Chiquinha Gonzaga, passando por Villa Lobos, até Vínicius de Morais e Tom Jobim e converter isso tudo numa produção inovadora e bem estruturada.
Chico é por tudo que consegue representar e por ele mesmo, o maior letrista da MPB. Diria que ele é um verdadeiro caçador de palavras, um arqueólogo dos grandes achados lingüísticos. Ninguém como ele para, com as palavras certas, dizer as coisas corretas. Quando ele diz: “ ... amo tanto e de tanto amar, acho que ela é bonita”, quer dizer que não importa o que seja a mulher, ele a ama e todas as questões se encerram. Quando ele diz “... desfruta do meu corpo, como se o meu corpo fosse a sua casa”, singulariza uma relação sexual! Ele foge do óbvio e nos força a buscar conhecer as coisas. Quem mais usaria gelosia ao invés de janela?
Chico Buarque consegue antever as conjunturas – antes de a ecologia virar moda e chavão na boca de nossa intelectualidade desavisada, ele já praticava o ativismo verde. Em “Os homens vão chegar” manda os passarinhos tomarem cuidado com os desatinos do homem em relação à natureza.
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