domingo, 22 de junho de 2008

O braço armado da obra

Folha de São Paulo de hoje (22/06) traz este artigo de Clóvis Rossi. Com poucas palavras e sem rodeios, ele diz a verdade cristalina: a fragilidade de nossa democracia é tão grande que a Instituição responsável pela segurança de nossas fronteiras foi tragada pelo pragmatismo eleitoral que contagia a elite política brasileira.
Resta-nos questionar o que o Exército ganha aceitando fazer o papel de segurança privada dos interesses eleitoreiros do senador Crivella e seus aliados - aumento salarial, diferenciado dos civis, como sempre? Investimentos tecnológicos? Promessas de verbas polpudas para desenvolver projetos bélicos? Manutenção de todas as suas prerrogativas herdadas dos tempos da ditadura militar? Ou todas as alternativas juntas?
O precedente aberto é assustador! Se o Exército vai mesmo transformar-se no fiador das obras públicas de governos municipais, estaduais e federal contra o crime organizado é bom irmos nos acostumando em ver com freqüência cenas e fatos como aqueles ocorridos no Morro da Providência recentemente.A democracia brasileira continuará sendo meramente de procedimentos e com o agravante de termos as Forças Armadas desenvolvendo as mesmas atividades de quando vivíamos sobre a ditadura militar. Desse jeito vamos mal, muito mal obrigado!



Durante o regime militar, setores da esquerda acusavam as Forças Armadas de serem "a guarda pretoriana da burguesia" (ou da oligarquia, ao gosto do freguês). Diga-se, aliás, que essa acusação era generalizada na América Latina, quase toda ela tomada por governos militares.

É chocante que, na democracia, a frase (ou ao menos uma adaptação dela) perca o seu caráter de propaganda ideológica para se converter em mera descrição de um fato real. O Exército, ainda por cima com aval da Justiça, transformou-se em guarda pretoriana de uma obra, no Rio de Janeiro, de indiscutível cunho eleitoral e partidário (em benefício do senador Marcelo Crivella, candidato à Prefeitura do Rio).

Duplamente chocante, aliás. Primeiro, há o fato de que o poder público assume explicitamente que é incapaz de realizar uma obra em um ponto central da cidade-vitrina do Brasil sem precisar recorrer a uma força armada que, ademais, não é a força armada que constitucionalmente responde pela segurança dos cidadão.

Entre parêntesis: se a entrevista de Marta Suplicy à Folha foi considerada pelos procuradores uma violação da "igualdade de oportunidades" que deveria primar em campanhas eleitorais, por que outros procuradores não representam contra o Exército por violar idêntica norma, ao proteger obras de um único candidato?

Fecha parêntesis para passar ao segundo aspecto chocante: a entrada do Exército como protetor de uma obra se dá em um governo, o de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual abundam ex-esquerdistas, muitos dos quais abusavam da frase citada no primeiro parágrafo.

Alguma surpresa, ante a metamorfose ambulante dessa gente, que o noticiário político tenha virado noticiário policial, envolvendo quase sempre partidos da base aliada ao governo, como, de resto, no caso da obra no Rio?

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