terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Ainda bem que eu sou Flamengo


Hoje é um dia importante para os flamenguistas,
como eu, e é um dia importante pro futebol brasileiro. No dia 13 de dezembro de 1981, o Flamengo sagrava-se campeão do mundo no Japão. Mas, não fez isso com qualquer time, com um futebolzinho de resultados como aquele da década de 90 que Dunga e et caterva apresentava - o fez com um time que jogava lindamente.
Este Flamengo não tinha um Neymar apenas, tinha onze.
Do Goleiro Raul (a segurança em pessoa), passando pelos Zagueiros (nunca vi Mozer derrubar um atacante de forma desleal, só ia na bola e quase sempre desarmava), pelos laterais (Leandro e Júnior faziam de tudo um pouco, marcavam muito, apoiavam a descida do time ao ataque, batiam faltas e faziam gols) e chegando ao meio-campo, "onde ficavam os craques que levavam o time todo pro ataque", só tinha de Neymar e Messi para cima.
Aliás, um time que tinha Adílio, Andrade e ZICO - uma espécie de Pelé branco que o Flamengo legou para a humanidade - só podia ser muito bom. Zico não jogava apenas, ele regia o time, conduzia a bola e o time seguia ao seu lado em direção ao gol e que gols eles faziam!! Eu lembro que quando Adílio pegava a bola na intermediária do Flamengo, erguia o braço, cantando a jogada, passava para Zico, este para Andrade e eles seguiam trocando passes para fazer a bola chegar aos pés de Nunes e Tita (ou não, pois era muito comum eles próprios fazerem o gol), eu já sabia, era só correr para a galera. Bom, o time completo era: Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior / Andrade, Adílio e Zico / Tita, Nunes e Lico. Técnico: Paulo César Carpeggiani.
Assim como Socrátes, que transcendeu o "ser corinthiano", e fez a minha cabeça com aquela palavrinha impressa na camisa - DEMOCRACIA - e aquele calcanhar infernal, o "Flamengo de Zico" era elogiado até pelos torcedores de outros times. Aquele Flamengo era tudo, foi tudo, ganhou tudo que disputou - num espaço de um ano foi campeão Carioca, nacional, da Libertadores e do Mundo!!!! Como diria Djavan, AINDA BEM QUE EU SOU FLAMENGO!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Um papel ainda por definir ou muito bem definido


Neste artigo, publicado na Folha de São Paulo de ontem (20/11/2011), Janio de Freitas nos convoca a refletir sobre o papel desempenhado pelas Forças Armadas na recente ocupação das favelas do Rio de Janeiro. Ao afirmar que "não serve ao país a atual dubiedade sobre o papel das Forças Armadas em operações em favelas", Janio quer demonstrar que as prerrogativas que os militares federais possuíam no tempo da ditadura permanecem em nosso atual ordenamento jurídico, pelo menos parte delas. Seguimos perigosamente dúbios sobre o papel que aqueles que capitanearam uma ditadura
devem ter em tempos de procedimentos democráticos.



"O planejamento das invasões de Rocinha, Vidigal e Chácara do Céu agravou uma situação esdrúxula. E, por consequência, a necessidade de ser enfrentada a falta de uma doutrina sobre a função interna das Forças Armadas no país. A um só tempo, o Exército recusou-se a participar das operações, como força de apoio, e evidenciou o desejo de retirar-se do Complexo do Alemão, onde estava prevista sua colaboração até junho, como garantidor parcial da ocupação.

O argumento de que militares não são preparados para esse gênero de ação tem prevalecido, sendo dada como ato de boa vontade especial -e não de cumprimento de responsabilidades definidas- a relutante presença do Exército na tomada do Complexo do Alemão. Não faltam contra-argumentos.

Se não há um setor do Exército preparado para tal tipo de ação é porque não foi tomada a providência de organizá-lo. Mas já era tempo, muito tempo, de que isso estivesse feito, por ao menos três fortes motivos. Primeiro, o Exército foi a força cujo comando pressionou com energia, em 1988, para constar da Constituição a responsabilidade das Forças Armadas também pela ordem interna. Segundo, o Exército capaz tem preparo para todos os tipos de operações de terra. Terceiro, "ações de polícia" semelhantes às das favelas já foram feitas pelo Exército, sob a atual Constituição, numerosas vezes: contra contingentes de sem-terra, contra grevistas, contra manifestantes, contra posseiros.

A contradição vai mais longe. Se o Exército pode fazer (bem) no Haiti -e se orgulha disso- a mesma atividade requerida pela ocupação de favelas, por que não pela segurança de brasileiros em seu próprio país? Há muitas restrições possíveis à participação das Forças Armadas em quaisquer problemas internos. Sua finalidade é, por definição, a defesa do país contra a violação da soberania física. O que não serve ao Estado de Direito é a atual dubiedade, imposta aos acovardamentos remanescentes nos constituintes e depois utilizada, em uma ou em outra direção, sem critérios nítidos -como deve tê-los o regime democrático.

Inclusive por artigos na Folha, Fernando Henrique Cardoso foi, entre os políticos, o que mais se referiu, no governo Sarney (o primeiro civil), à necessidade de definição do papel das Forças Armadas. Nos seus oito anos de presidente, não tocou no assunto. Nem depois. Mas a necessidade continua, agrava-se em alguns aspectos e dela dependem muitas possíveis ocorrências e decisões futuras. Sem essa definição é difícil, por exemplo, que o Rio consiga manter por longo prazo o efeito pretendido das ocupações de favelas. O mesmo com outras cidades e Estados, na eventualidade de agravamento de suas más condições de segurança pública e sociais, menos ou mais escondidas hoje."

sábado, 10 de setembro de 2011

PROGRAMA "OPINIÃO" - TV BORBOREMA - 07/09/2011.



Esta foi uma situação muito interessante! Mesmo sendo históriador de formação e fazendo parte do Dept. de História da UEPB, é na Ciência Política que venho, a pelo menos 10 anos, desenvolvendo minhas atividades. Como professor venho lecionando sempre as coisas da política e meu foco tem sido a análise das conjunturas políticas, como se sabe.


Mas, a TV Borborema me convidou para participar do Programa "OPINIÃO", com o jornalista Polion Araújo, alusivo ao "Dia da Independência". Foi um momento bastante interessante, pois pude "exercitar" o metiê do historiador, com foco na política, claro. A história foi, é e continuará sendo um referencial importante para minhas atividades.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Sobre assertivas, asneiras e bufões.



Não que me anime, mas meu arquivo com asneiras de políticos aumentou graças ao governador do Ceará, Cid Gomes, que disse que "o professor trabalha por amor, não por dinheiro". Ele deve ter lembrado que é irmão de Ciro Gomes, famoso pelas asneiras e grosserias que distribui.

Segundo o portal iG Ceará, Cid falava aos professores da rede estadual em greve por melhores salários. Já havia dito que: “Quem quer ganhar melhor, vai para o ensino privado”. E não se diga que ele foi mal interpretado, pois a imprensa cearense pediu um “tira-teima” e Cid disparou: “funcionário público é motivado pelo amor e espírito público”.

Não vejo graça nas asneiras que bufões da política pronunciam. As assertivas têm um quê de ato falho, i.e., o lapso freudiano (parapraxia) pelo qual se expõem uma fixação do inconsciente através de um equívoco da fala. Exemplo? O marido que pronuncia o nome da amante para a própria esposa. O ato falho não se limita ao discurso, pode revelar desejos sexuais reprimidos e afetar à cognição, prejudicada por retenções do inconsciente. Erros triviais ou bizarros na aparência podem ter outro significado quando analisados. Senão vejamos

O deputado federal Jair Bolsonaro afirmou que “está se lixando para o movimento gay”. Pela contumácia com que ele expressa suas opiniões homofóbicas, pode-se imaginar o que está retido em seu inconsciente, pois a fala condena o que o desejo subconsciente aprova. Outro deputado, Júlio Campos, achando-se ponderado, referiu-se ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, como "ilustre ministro moreno escuro". Educado, porém racista.

Famoso é o dito do inefável Paulo Maluf na eleição para prefeito de São Paulo em 1992: “se está com desejo sexual, estupra, mas não mata”. O estupro seria uma forma de realizar desejos sexuais, não um crime. A personalidade difusa de Maluf manifestou uma possível perversão sexual.

Outro que parece ter dúvidas entre heterossexualidade e homossexualidade é Ciro Gomes que, como ministro, disse que quem defende o separatismo no Sul do país deve ter “um desvio homossexual”. O que a defesa de uma idéia política tem haver com condição sexual?

O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, é um prodígio no quesito asneiras com um portifólio que inveja os grandes bufões da política. Para provar que o aborto é tratado de forma hipócrita, ele disse: “quem não teve uma namoradinha que abortou”. Simples assim, não faz mal um abortinho, tão normal quanto um namorinho. Para ele, “alternativa a criminalidade é o reforço do aparato repressivo” e os bombeiros são “vândalos” por reivindicarem condições de trabalho. E teve seu momento medieval, quando defendeu “esterilizar pobres para combater a criminalidade”, e o momento piegas quando foi às lágrimas ao defender royalties do pré-sal para o Rio de Janeiro.

Na mesma linha, vem o deputado estadual, Antônio Salim Curiati, que ao ter sua casa invadida por bandidos foi à tribuna da Assembléia Legislativa paulista defender que “esterilizar mulheres pobres combate a criminalidade”. Só faltou defender a castração de homens pobres. O ato falho verbalizou o que é disseminado no inconsciente coletivo de nossa sociedade.

E tem os que deixam o animal político aristotélico de lado, para serem animais irracionais. Amazonino Mendes, prefeito de Manaus, disse para uma moradora de área de risco, que se recusava deixar sua casa: "minha filha, então, morra!". Ele apenas verbalizou o que traz em seu inconsciente. É esta a solução para os que insistem em sobreviver em seus locais de moradia?

O ex-senador do Amazonas, Arthur Virgílio, foi à tribuna do Senado Federal para dizer que daria “uma surra no Lula, pessoalmente”. Achava-se indignado por uma nunca comprovada perseguição. Viveríamos em uma República de bananas se um senador surrasse a instituição Presidência da República, configurada na pessoa do presidente.

O então vereador Agnaldo Timóteo, sobre um projeto do governo para combater o turismo sexual, disse: “as meninas de 16 anos botam silicone, ficam popozudas, põem saia curta e provocam, o cara se encanta, transa e vai preso”. Maluf acha que estupro não é crime e este que não há dolo em prostituir uma jovem de menor. Existe um quê de perversão na fala desses senhores.

O deputado gaúcho Sérgio Moraes, após um colega ter sido absolvido pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, deplorou que “estou me lixando para a opinião pública”. É óbvio que não está, do contrário não diria nada ou fingiria que se preocupa com o que o eleitor pensa.

Vejamos clássicos da estultice nacional. “Relaxa e goza. depois esquece os transtornos”. Como política, Marta Suplicy é trágica sexóloga. Ministra do Turismo, foi assim que quis acalmar os que enfrentavam longas filas devido ao caos aéreo de 2007. “Eu tenho aquilo roxo!”. Como candidato a presidente, foi assim que Collor de Mello intentou intimidar seus adversários. Muitos acreditaram e deu no que deu. “A cachorra é um ser humano, eu não hesitei”. Sem justificativa plausível, Rogério Magri (Ministro do Trabalho de Collor) usou do escárnio para explicar porque mandou sua cadela ao veterinário em um carro oficial.

E para que não se diga que só políticos de pindorama imitam os asnos, cito exemplares em nível internacional. Numa conferência sobre aquecimento global, Evo Morales, presidente da Bolívia, disse que “o frango tem hormônios femininos, os homens que o comem tem desvios no modo como são homens”. Explicado, então, porque existem homens afeminados. Em sua sana belicista, George W. Bush disse que: “Nossos inimigos são inovadores e engenhosos e nós também. Eles nunca param de pensar em novas maneiras de prejudicar nosso país, e nós também não”. Pensava Bush, somos iguais aos nossos inimigos. Numa visita aos EUA, Mahmoud Ahmadinejad disse que: “No Irã, não temos homossexuais como em seu país”. Pudera, os homossexuais iranianos são presos e condenados a morte! Além de negar o holocausto e defender o uso da energia nuclear para fins não pacíficos, ele manifesta aspectos do seu subconsciente via atos falhos.

Sugiro que, antes de rir de uma asneira dita por um político, o caro leitor reflita o que pode estar por trás daquele ato falho e que políticos são fruto de nosso entorno social, são eleitos, e a barbaridade que ele pronuncia pode ser uma opinião compartilhada por muitos.


Setembro/2011.

domingo, 28 de agosto de 2011

COMO É CHATO SER CHATO



Algum tempo cultivo, aqui mesmo no blog, uma “lista do bem”. São filmes, livros, músicas, i.e., tudo que me faz bem. Também criei um índex - uma lixeira virtual onde ponho o que faz com que acredite menos na humanidade. A “lista do mal” cresce, mas não ameaça qualitativamente a “lista do bem”. Porém, me agasta o fato de me desagradar com coisas de nosso tempo. Por vezes, me acho um chato que com tudo se aborrece.

Disseram-me que devo relaxar, pois não tem nada demais ver uma atração egressa da Boa Terra – é que queriam me levar a um show de Chiclete com Banana. Mas, o que posso fazer se acho esse negócio de “jogar a mãozinha pro céu” e “tirar o pezinho do chão” uma chateação? Argumentaram que não tem problema ir a um show de uma banda de pornô-forró, pois “é só para se divertir e tudo mundo gosta”. O fato, é que diversão é coisa séria e me apoquenta assistir ao show de horrores que essas bandas promovem. Irrita-me colocarem duas atrações de estilos diferentes num mesmo evento. Tivemos um show de Billy Paul em Campina Grande. Desisti de ir, pois para vê-lo teria que aturar a chateação do “pornô-music-regional”.

No índex aparecem coisas chatas relacionadas aos modismos de nosso tempo. Modismo é o que se faz e se defende sem um mínimo de senso crítico. É o que você tem que gostar sob pena de ser taxado de chato. Assim, surge aquela cantora, com uma “voz linda”, que cantou com Roberto Carlos e que Caetano Veloso disse que é boa. Pronto! Todos têm que gostar, mesmo que cante uma musiquinha chinfrim com sotaque de sertanejo. Nada pode ser mais chato!

Hoje, é moda ir para manifestações. Importa pouco se você vai para a marcha da maconha, das vagabundas, para o protesto contra Ricardo Teixeira ou para a parada gay. Importa ir e depois postar fotos em uma rede social. Não sei o que é mais chato, se o alienado individualista de direita ou o consciente social e politicamente correto de esquerda?

Outra chatice é o jantar inteligente, onde se demonstra o que se pensa saber, se bebe vinhos caros e se aprecia comida politicamente correta, além de se discutir a fome na África. Neles não podem faltar o eno-chato e o ex-guerrilheiro; socialites conscientes de seu papel social e eleitores “críticos” do PT, i.e., um monte de chatos! E tem que ter o que vai levantar a bandeira do “bom combate”: um protesto contra a poluição - todos irão de bicicleta para o trabalho. Uma chatice só!


Chatice incomensurável é ter a política como nefasta. Chatos de todos os matizes discursam enfurecidos, se pondo como apolíticos. São os “puros de alma” que esquecem que a dimensão política existe de fato. No entanto, temos os chatos politizados. Além do ecologista de gabinete e do esquerdista pós-neoliberalismo, existe o moderno reacionário, que quer ser novo conservando velharias. Rafinha Bastos disse que “para a mulher feia o estupro é uma benção”. Já o teólogo Luiz Felipe Pondé disse que “a mulher enruga se não tiver um homem que a trate como objeto”. Qual a diferença deles para Paulo “estupra, mas não mata” Maluf? São todos reacionários, sendo os dois primeiros modernos. E o que dizer da deputada Myriam Rios que fala de sexualidade como se estivesse na alta Idade Média? E o guru do obscurantismo nacional, o inquisidor-mor Jair Bolsonaro, racista e homofóbico a defender os “direitos da família brasileira”? São todos chatérrimos!

Marcelo Semer os definiu, no Terra Magazine, como os “quixotes sem utopias, denunciando quem contesta seu direito líquido a propagar preconceitos”. Sob a fajuta justificativa que é preciso tirar as pessoas da zona de conforto, essa gente desanca quem defende os valores universais da liberdade e da igualdade. Veja-se que nas eleições passadas o Estado laico foi destronado em nome de interesses obscuros, estultos, por modernos reacionários. A caixa de Pandora da intolerância foi aberta. Espero que seja fechada para as próximas eleições.

Sigo, assim, desgostando dessa chatice toda. Já senti culpa, ficando deslocado, por não gostar de algo que todos gostam. Aliás, escrever um artigo falando dessas coisas é uma grande chatice!


Agosto/2011.

sábado, 6 de agosto de 2011

É Chico na veia!



Comprei o disco novo de Chico Buarque, intitulado “Chico”, acabou de chegar, estou escutando! Já sei que vai ser um daqueles discos que vou ouvir várias vezes no mesmo dia, durante dias a fio, até que as pessoas reclamem que está demais. Acho que vai ser igual a quando comprei “Infinito Particular” de Marisa Monte.

Música, poesia, lirismo, arranjos muito bem cuidados, a voz de Chico está soando macia.
É a velha simplicidade sofisticada de Chico em ebulição!
Tudo muito bem equilibrado.

Tem uma música, chamada “Tipo um baião” (um baião bem light), onde ele homenageia Gonzagão.
Tem outra, “Barafunda”, que ele cita a Penha e a Glória (do Rio de Janeiro), fala de Garrincha, Pelé e Zizinho; fala de Cartola e Mandela, e diz que “... salve este samba antes que o esquecimento baixe seu manto”.

Em “Sem você 2”, Chico confessa (de peito aberto) o que todo homem que gosta de futebol sabe e quase nunca diz: “Pois sem você, o tempo é todo meu, posso até ver o futebol”.

Versos belíssimos, como, por exemplo, em “Querido Diário”:
“Hoje afinal conheci o amor
E era o amor uma obscura trama
Não bato nela nem com uma flor
Mas se ela chora, desejo me inflama”

É Chico em sua plenitude.
É Chico colorido como o encarte do Disco.
É Chico mostrando que “... já valeu a pena”.
É Chico na veia!!!!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Um epitáfio para Amy Winehouse



A primeira vez que escutei Amy Winehouse, no CD Back do Black, tive a impressão que estava surgindo uma nova Ella Fitzgerald. Pensei mesmo que poderia ser a reencarnação de Sarah Vaughan, ou quem sabe de Etta James? Na verdade, e com o passar do tempo, passei a tratá-la como uma Billie Holiday rediviva - pelo timbre vocal, pela sonoridade e pela atitude suicida. Por vezes, a comparava a Maysa, com aquele jeito sofrido, triste, de cantar e por essa busca incessante por algo que não se sabe bem o que é.

Não tento entender os motivos que a levaram buscar o suicídio lento e doloroso. Prefiro acreditar que Amy veio a este mundo para cumprir uma missão rápida e, convenhamos, ela conseguiu. Do jeito rock in roll (dira punk) dela, mas conseguiu.

Lembro do que diz Lobão e acho que serve bem como uma espécie de epitáfio para Amy: “Não é que os bons morram cedo. O problema é que TODOS os medíocres só vivem pra sobreviver .. covardia, não é? Os bons tendem a morrer mais porque se arriscam mais. Já os medíocres, em sua pusilânime sobrevivência, rezam para poder, algum dia, rir dos melhores onde justamente eles mais pecam: a falta de coragem”.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

O moderno reacionário é a porta de entrada do velho fascismo.



Publicado, no Site Terra Magazine de 20 de julho de 2011, o artigo abaixo descreve um novo (velho) fenômeno insuportavelmente na moda. Ele demonstra como a sociedade brasileira segue renitente e avessa ao progresso e a verdadeira modernização de seus hábitos, crenças, costumes e idéias.


O moderno reacionário é a porta de entrada do velho fascismo.



Marcelo Semer - De São Paulo

Se você não entendeu a piada de Rafinha Bastos afirmando que para a mulher feia o estupro é uma benção, tranquilize-se. O teólogo Luiz Felipe Pondé acaba de fornecer uma explicação recheada da mais alta filosofia: a mulher enruga como um pêssego seco se não encontra a tempo um homem capaz de tratá-la como objeto.

Se você também considerou a deputada-missionária-ex-atriz Myriam Rios obscurantista ao ouvi-la falando sobre homossexualidade e pedofilia, o que dizer do ilustrado João Pereira Coutinho que comparou a amamentação em público com o ato de defecar ou masturbar-se à vista de todos?

Nas bancas ou nas melhores casas do ramo, neo-machistas intelectuais estão aí para nos advertir que os direitos humanos nada mais são do que o triunfo do obtuso, a igualdade é uma balela do enfadonho politicamente correto e não há futuro digno fora da liberdade de cada um de expressar a seu modo, o mais profundo desrespeito ao próximo.

O moderno reacionário é um subproduto do alargamento da cidadania. São quixotes sem utopias, denunciando a patrulha de quem se atreve a contestar seu suposto direito líquido e certo a propagar um bom e velho preconceito.

Pondé já havia expressado a angústia de uma classe média ressentida, ao afirmar o asco pelos aeroportos-rodoviárias, repletos de gente diferenciada. Também dera razão em suas tortuosas linhas à xenofobia europeia. De modo que dizer que as mulheres - e só elas - precisam se sentir objeto, para não se tornarem lésbicas, nem devia chamar nossa atenção.

Mas chamar a atenção é justamente o mote dos ditos vanguardistas. Detonar o humanismo sem meias palavras e mandar a conta do atraso para aqueles que ainda não os alcançaram.

No eufemismo de seus entusiasmados editores, enfim, tirar o leitor da zona de conforto. É o que de melhor fazem, por exemplo, os colunistas do insulto, que recheiam as páginas das revistas de variedades, com competições semanais de ofensas.

O presidente é uma anta, passeatas são antros de maconheiros e vagabundos, criminosos defensores de ideais esquerdizóides anacrônicos e outros tantos palavrões de ordem que fariam os retrógrados do Tea Party corarem de constrangimento. Não é à toa que uma obscura figura política como Jair Bolsonaro foi trazida agora de volta à tona, estimulando racismo e homofobia como direitos naturais da tradicional família brasileira.

E na mesma toada, políticos de conhecida reputação republicana sucumbiram à instrumentalização do debate religioso, mandando às favas o estado laico e abrindo a caixa de Pandora da intolerância, que vem se espalhando como um rastilho de pólvora. A Idade Média, revisitada, agradece.

Com a agressividade típica de quem é dono da liberdade absoluta, e o descompromisso com valores éticos que consagra o "intelectual sem amarras", o cântico dos novos conservadores pode parecer sedutor. Um bad-boy destemido, um lacerdista animador de polêmicas, um livre-destruidor do senso comum. Nós já sabemos onde isto vai dar. O rebaixamento do debate, a política virulenta que se espelha no aniquilamento do outro, a banalização da violência e a criação de párias expelidos da tutela da dignidade humana. O reacionário moderno é apenas o ovo da serpente de um fascismo pra lá de ultrapassado.




Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo
Blog Sem Juízo.

segunda-feira, 20 de junho de 2011



Não que me surpreenda, mas não é que o tal do “Forró de Plástico” virou, literalmente, um caso de polícia? Ao ler a matéria abaixo fiquei imaginando se o tal Vicente Nery não seria um daqueles que pergunta se tem rapariga na platéia, antes de começar a cantar. Será que apela para o palavrão explícito e grita desesperadamente enquanto canta (canta?) suas músicas medonhas; aquelas mesmas onde as mulheres são tratadas como prostitutas vulgares, os homossexuais são fruto de todo tipo de chacota, as pessoas da raça negra são desrespeitadas torpemente, a relação sexual entre duas pessoas é mostrada de uma forma virulenta, etc, etc, etc...
Ora, o que este vocalista fez foi extamente aquilo que ele e seus colegas estão absolutamente acostumados a fazer – xingar aqueles que consciente ou inconscientemente se prestam a ouvi-los. Claro, não concordo que alguém suba no palco para agredir quem quer que seja, mas... quem com forró de plástico fere, com xingamentos será ferido.







Policial
Vocalista de banda de forró é detido após trocar ofensas com público, desacatar autoridades e resistir a prisão. Karoline Zilah




O vocalista da banda Cheiro de Menina, Vicente Nery, foi detido e levado para uma delegacia na madrugada do sábado (18), depois de se desentender com pessoas que assistiam ao show no município de Nova Olinda, no Sertão paraibano. De acordo com o delegado Cristiano Santana, a Polícia Militar acusa o artista de desacato, resistência à prisão e ato obsceno.
A confusão aconteceu em meio ao show da banda cearense. De acordo com a Polícia Militar, um homem apresentando sinais de embriaguez estaria próximo ao palco fazendo gestos obscenos e provocando o vocalista. Vicente Nery teria parado o show diversas vezes para responder às provocações.
Conforme o delegado, os policias militares disseram que retiraram o espectador da praça, mas ainda assim o artista teria continuado descontrolado. Ele recebeu ordem de prisão, mas resistiu à força policial.
O show foi interrompido e Vicente Nery foi levado para a delegacia de Polícia Civil de Itaporanga, onde assinou um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) se comprometendo a se apresentar à Justiça para esclarecer os fatos. Mesmo residindo em Fortaleza, ele deverá comparecer a uma audiência no fórum de Santana dos Garrotes.
O delegado Cristiano Santana explicou que a Polícia Civil ainda está em fase de diligências, à procura do homem que iniciou a confusão no público. "Ele gerou um tumulto, uma confusão generalizada. Portanto, estamos trabalhando no sentido de identificar as outras pessoas que estavam na plateia para intimá-las", comentou.

sábado, 18 de junho de 2011

SOBRE O 5º BEATLE.




Se não fosse cientista político e professor, gostaria de ser jornalista. Não é a toa que trabalho junto à imprensa fazendo minhas análises sobre a conjuntura político-eleitoral brasileira. Sendo assim, acompanho o trabalho de alguns jornalistas buscando informação, claro, e um pouco de inspiração. Um deles é Geneton Moraes Neto que com suas entrevistas e livros sempre me fornece material para meu trabalho e/ou diversão.
Esta matéria eu retirei do site dele: www.geneton.com.br



O DIA EM QUE O QUINTO BEATLE ME CONTOU UM "SEGREDO"



Como se dizia antigamente, "direto ao assunto": tive a chance de ouvir do "Quinto Beatle", o super-produtor George Martin, qual é o segredo que explica a imbatível performance da dupla de compositores Lennon-McCartney.




George Martin e a dupla - Aos fatos:


1) assim que começou a trabalhar com os Beatles, Martin descobriu que a melhor tática para garantir a qualidade das músicas seria incentivar ao máximo a competição - que já existia - entre Lennon e McCartney. O esquema "maquiavélico" deu certo. Certíssimo. Como George Martin aplicou esta tática? (Já,já, daqui a dois parágrafos, ele dirá).




2) meses antes de morrer, ao receber a visita de Martin em casa, no edifício Dakota, em Nova York, John Lennon fez a Martin uma confissão que resume a obsessão do ex-beatle com a qualidade musical - uma bela virtude num compositor pop.




A gravação completa do depoimento de Martin - colhido na igreja que ele transformou em estúdio, em Hampstead, no norte de Londres, em 1998, para o programa "Milênio"(Globonews) - repousa numa prateleira do Centro de Documentação da Rede Globo, o Cedoc. O repórter sai de cena. Passa a palavra para o Quinto Beatle, num depoimento agora publicado pela primeira vez:




"Os Beatles, no começo, não eram grandes artistas. Eram jovens muito inteligentes que, no entanto, não demonstravam sinal algum de que poderiam compor boa música. Não vi evidência alguma de que seriam bons compositores. A primeira vez que soube dos Beatles foi quando Brian Epstein, empresário do grupo, trouxe uma gravação para o meu escritório. Era horrível. Pude entender por que todos tinham dito "não" a eles. O melhor que poderiam me dar era "P.S.I Love You". Não era uma música muito boa. Copiaram o que ouviam dos Estados Unidos, mas também aprenderam o ofício bem depressa. A combinação entre John e Paul era bastante interessante, pelo seguinte: tínhamos, ali, dois jovens muito talentosos. Cada um de um jeito, os dois eram músicos e compositores muito bons - que trabalhavam juntos, numa espécie de competição: cada um tentava superar o outro. Um subia nas costas do outro o tempo todo. Quando comecei a trabalhar com os Beatles, logo no primeiro ano,depois que eles gravaram "Please, Please Me", eu disse: Senhores, este é o primeiro sucesso.. Propus um desafio: Agora, tragam-me algo melhor!. Os dois voltaram com "From Me To You" - que era boa. Depois, me trouxeram "She Loves You", melhor ainda. Em seguida, "I Wanna Hold Your Hand",fantástica! A cada vez, compunham algo diferente da anterior. Não era como "Guerra nas Estrelas I", "Guerra nas Estrelas II", "Guerra nas Estrelas III". Davam um tratamento original. Digo que esta curiosidade e este esforço para transpor o horizonte é que caracterizaram o pensamento de John e Paul. Isso é que os fez tão bons! Sempre tentavam melhorar, sempre tentavam ser mais originais. Perguntavam-me: "Que som podemos ter? O que é que você pode nos dar? O que é que não sabemos ainda? Ensine!".
Isso é que os tornou excelentes".


"O meu último encontro com John Lennon foi no Edifício Dakota, em Nova York, onde ele morava. Jantamos, meses antes de ele morrer. Yoko não interferiu. Ficou quieta a noite toda. John e eu ficamos, então, conversando sobre o nosso passado. Não tínhamos planos de trabalhar juntos. Eu tinha meus projetos, John tinha os seus. Eu não tinha intenção de voltar a trabalhar com ele. Mas falamos de nossas gravações. John se virou e me disse: "Quer saber? Se eu pudesse, gravaria de novo tudo o que fizemos!". Eu respondi: "Você não pode estar falando sério! Eu detestaria gravar tudo de novo, porque seria maçante". Mas John me disse que poderíamos fazer tudo ainda melhor. Isso foi extraordinário!"

Posted by geneton at julho 7, 2007 05:23 PM

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Esta foto foi feita nas proximidades do show do Paul McCartney, no Rio de Janeiro, no domingo passado.

Alguém viu e não se conteve diante da "criatividade" do Flanelinha. O show foi praticamente um ensaio para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, pois, sem ilusões, esses dois grandes eventos vão (vão?) acontecer com toda a nossa "inventividade".

A foto esta na coluna do Macaco Simão da Folha de São Paulo. Ele diz que "O Brasil é lúdico! Só no Brasil se escreve Paul assim. No Brasil todo mundo escreve errado, mas todo mundo se entende".


domingo, 22 de maio de 2011

Porno-Forró ou primitivismo estético....



Já utilizei este espaço para criticar o forró estilizado, e a música comercializável de nossos dias. Também, já utilizei minha coluna no http://www.paraibaonline.com.br/ para, pedagogicamente, mostrar os motivos pelos quais o tal "forró de plástico" é tão nocivo para a nosso cultura. Em um artigo em que falo de Chico Buarque (http://www.paraibaonline.com.br/coluna.php?id=62&nome=Que%20me%20valha%20Chico%20Buarque) aproveito para desabafar. Na verdade, não poupei palavras, pois achava (ainda acho) que se as tais bandas de forró podem usar toda sorte termos chulos em suas "músicas" eu posso utilizar termos, encontrados nos dicionários, para me referir a elas e ao lixo que elas depositam em meus ouvidos. Agora, me valho do jornalista de José Telles e de Ariano Suassuna para mais uma vez desabafar.




A música dos valores perdidos - Ariano Suassuna e o "Forró" atual.
JOSÉ TELES (crítico musical do Jornal do Commercio, de Recife-PE)

“Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!” e a maioria das moças levanta a mão.

Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas as bandas do gênero).

As outras são “gaia”, “cabaré”, e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

O secretário de cultura Ariano Suassuna foi bastante criticado, numa aula-espetáculo, no ano passado, por ter malhado uma música da Banda Calipso, que ele achava (deve continuar achando, claro) de mau gosto. Vai daí que mostraram a ele algumas letras das bandas de “forró”, e Ariano exclamou: “Eita que é pior do que eu pensava”. Do que ele, e muito mais gente jamais imaginou.

Pra uma matéria que escrevi no São João passado, baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá:
Calcinha no chão (Caviar com Rapadura)
Zé Priquito (Duquinha)
Fiel à putaria (Felipão Forró Moral)
Chefe do puteiro (Aviões do forró)
Mulher roleira (Saia Rodada)
Mulher roleira a resposta (Forró Real)
Chico Rola (Bonde do Forró)
Banho de língua (Solteirões do Forró)
Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal)
Dinheiro na mão, Calcinha no chão (Saia Rodada)
Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca)
Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró)
Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró)


Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas. Porém o culpado desta “desculhambação” não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo.

Faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de “forró”, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético. Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo.

Aqui o que se autodenomina “forró estilizado” continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção.

Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem “rapariga na platéia”, alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é “É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!”, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.

domingo, 15 de maio de 2011

REIS E DITADORES NÃO GOSTAM DE DEMOCRACIA.




A questão política no Oriente Médio é complexa o bastante para ser explicada brevemente. São as tentativas vãs de interpretá-la que dificulta e mistifica o entendimento. Interessa o essencial e das aparências só se pode mesmo esperar o que se mostra à primeira vista.

Verifiquemos se o que está acontecendo pode ser chamado de “onda de democracia” (usando o conceito do cientista político Samuel Huntington) ou o “esgarçamento de ditaduras renitentes”. Vejamos onde acontecem lutas em prol da democracia e onde se intenta mudanças pontuais para depor pervicazes ditadores.

Importa roborar o comportamento dos países desenvolvidos. Existe o propósito de defender a democracia e seus valores ou interessa apenas as tais “Razões de Estado” maquiavelianas? A mesma França que ajuda a bombardear a Líbia foi a que recebeu de braços abertos Muammar Kadafi dois anos atrás. Os EUA têm contumaz hábito de transformar aliados em inimigos, sendo a recíproca verdadeira. Fiquemos com dois exemplos: Osama Bin Laden e Saddam Hussein!

Tenho uma hipótese. Os protestos objetivam deter anacrônicos ditadores e não está claro se reivindicam um sistema democrático. Luta-se para que procedimentos democráticos (eleições, sim; liberdade de culto e expressão, não) se unam a regimes que mesclam, quando não sobrepõem, poder religioso e poder político. Conjecturo premido pelas asserções abaixo, que lastreiam o raciocínio.

(1) A democracia, como sistema e cultura política, é cara ao ocidente, e assim mesmo onde as revoluções burguesas vingaram e ditaduras totalitárias serviram como contraste. (2) A democracia tem valor universal, do contrário a luta pelos direitos humanos não se daria no Irã, por exemplo. (3) Cultura não é variável independente, com papel central no mapeamento de dois conjuntos, i.e., ela não explica (muito menos justifica) tudo – se assim fosse a democracia seria inviável, inclusive na Europa. (4) O arcabouço jurídico de um Estado pode afiançar ou cercear a lei que serve as democracias e as ditaduras. (5) Se no ocidente, liberdade é um conceito político-filosófico, no léxico árabe-islâmico ela é “a condição (econômica) de quem não é escravo”.

Ainda, precisamos de aporte teórico, pois se fala em democracia, mas não de seus significados, por isso se diz que ela está chegando ao Oriente Médio. Sem conceituar, apegamo-nos as aparências. Mas, democracia tem várias definições – façamos escolhas.

Ontologicamente, temos a elaboração de Tocqueville (“A democracia na América”) – que diz que democracia é o somatório (em doses iguais e sem hierarquias) de liberdade e igualdade.

Realisticamente, serve a descrição “minimalista procedural” do cientista político Scott Mainwaring que (“Classificando Regimes Políticos na América Latina”) diz que a democracia é o regime que (1) promove eleições competitivas, livres e limpas; (2) que pressupõe uma cidadania adulta e abrangente; (3) que protege liberdades civis e direitos políticos; (4) onde governos eleitos de fato governam e militares são controlados pelos civis.

Já para o cientista político Ian Shapiro (“Os fundamentos morais da política”) a democracia é um sistema onde a “... legitimidade dos Estados relaciona-se ao grau de preservação, ou enfraquecimento, das liberdades que eles podem (ou querem) promover.” Se um desses modelos (ou parte deles) for replicável às realidades que descreverei, então, sim, a democracia bate às portas do Oriente Médio. Do contrário, e isso não me enfatua, a hipótese se comprova.

A renúncia de Mubarak (Egito) e a queda de Ben Ali (Tunísia) fez a imprensa ocidental elucubrar se a democracia não estaria por lá aportando. A que se notar a mistura de governos autoritários e revoltas populares (gerando conflitos), a presença indelével do componente religioso, além do petróleo - que faz as potências intervirem nos conflitos. Mas, a natureza dos protestos me faz cético sobre uma onda democrática. Se não, vejamos.

* No Marrocos fala-se em “reformas democráticas”, mas, na prática, se reivindica menos poderes para o Rei Mohammed VI (12 anos no poder). A questão é que a democracia só convive com reis se eles tiverem reduzido ou nenhum poder.
* Na Argélia se quer a deposição do Presidente Abdelaziz Bouteflika (12 anos no poder) e reformas econômicas e sociais. Aqui temos um histórico de golpes e ditadura e uma dolorosa luta pela independência da França. Contentar-se-ão os manifestantes com a queda do presidente ou quererão ir adiante? Não se sabe e só o tempo dirá.
* Na Tunísia o presidente Zine Ben Ali (no poder por 24 anos) foi deposto. Um caso de esgarçamento de uma recalcitrante ditadura. Se isto redundará num sistema político democrático não se sabe, pois se pedia apenas a saída do ditador.
* Na Líbia protestos levaram a guerra civil para a deposição de Kadafi (no poder desde 1969). Mesmo com demandas por reformas democráticas, a Líbia está destruída institucionalmente. O judiciário é manietado por Kadafi, não existe parlamento ativo e imprensa livre. A única instituição forte é a guarda pessoal do ditador – por aí se vê o quão longe a Líbia está da democracia.
* No Egito lutava-se pela deposição de Hosni Mubarak (30 anos no poder) e por reformas democráticas. Mubarak deixou o poder, mas ficaram instituições fragilizadas. Hoje a grande (simples) questão é: quem governa o Egito?
* Na Jordânia fala-se em reformas e diminuição dos poderes do Rei Abdullah II (12 anos no poder). Interessa ver que houve uma onda (na década de 80) que levou parte destes ditadores ao poder, agora temos outra onda demandando que eles saiam ou que tenham seus poderes diminuídos. A democracia não aceita tergiversações ou meio-termos – um ditador não se torna bom governo com poderes reduzidos – e não convive com os entulhos do sistema autoritário que a precedeu.
* No Iêmen fala-se em reformas e na deposição do presidente Ali Abdullah Saleh (33 anos no poder). Mas existe uma demanda por secessionismo, algo que pode levar a uma guerra civil.
* No Bahrein luta-se pela deposição do rei Hamad al-Khalifa (oito anos no poder) e por reformas políticas. O Bahrein não chega a ser um Estado-nação, mais parece um sultanato, diria mesmo a propriedade do Rei Hamad e sua família.
* No Irã temos protestos contra o regime dos Aiatolás e de Mahmoud Ahmadinejad, mas o Estado é infenso a democracia e seus procedimentos. Houve uma recente eleição, mas, fraudada, tornou-se alvo de protestos. Muitos foram presos e sentenciados. A imagem do jovem, algemado e cabisbaixo, indo à forca, depois de condenado por participar de manifestações diz muito. Eis um sintoma da precária situação: tanto o seqüestro seguido de morte como crimes políticos são punidos com pena capital. A forma como a mulher é tratada lá é um traço de uma cultura política autoritária que mantém o chefe supremo religioso como chefe político.
* Em Omã se pede aumentos salariais e reformas democráticas. O presidente Qaboos bin Said (41 anos no poder) diz aceitar as reivindicações desde que permaneça no poder, i.e., ele aceita a democracia, desde que possa tutelá-la.

A democracia não é alternativa crível para os dilemas do mundo árabe-islâmico. Uma das possibilidades é a entronização da Irmandade Muçulmana no poder e assim teríamos mais alguns Estados teocráticos. Dá para conciliar um Estado religioso com a democracia? Um regime de liberdades só é possível se houver uma forte laicização da sociedade, como de fato ocorreu em muitos países do mundo ocidental e como, fato também, ainda não ocorre no Oriente Médio. Como em muitas revoluções, o povo foi às ruas sem bem saber o que quer (no Egito foi assim), mas sabendo o que não mais queria. A dúvida é: onde se encontra a democracia para estes povos, na lista de coisas que querem ou na das que não querem?

O historiador e islamólogo Bernard Lewis afirma que a importação de modelos eleitorais ocidentais pode levar ao poder movimentos islâmicos fundamentalistas, bem organizados e com forte inserção nas sociedades árabes. O que pode acontecer com países que, não tendo familiaridade com uma cultura política democrática, utilizem sazonalmente procedimentos democráticos como eleições? Um cenário não desprezível são os chefes religiosos sendo guindados ao poder político pela força do voto. No limite, podemos ver as urnas legitimando o terrorismo de Estado.

Vejamos o caso da Líbia. O que virá após a derrota de Kadafi? Ele é a personificação do Estado e sua queda diluirá o regime. Existe uma força política capaz de ocupar o vácuo de poder? E se existe, estará comprometida com a construção de um sistema político democrático?

Luiza Nagib Eluf, procuradora do Ministério Público de São Paulo, apontou a contradição de sociedades que falam em democracia e negam os direitos humanos. Diz ela que “... acharão normal que passada a revolução e atingido o objetivo de derrubar ditadores, as mulheres voltem para casa e se recolham ao cárcere domiciliar (...) com burcas não pode haver democracia”.

Postscriptum

Para além e acima das “comemorações” pelo aniquilamento de Osama Bin Laden, devemos ser realistas, pois importa mais o mundo como ele é e menos como gostaríamos que fosse. Num mundo maquiaveliano, os EUA passaram por cima do Direito Internacional para “chutar o cachorro morto”. Se até os bárbaros criminosos nazistas tiveram direito a um julgamento porque Bin Laden não haveria de também ter? Sem contar que as informações, para que se pudesse achá-lo, foram obtidas mediante tortura de presos, método execrável por qualquer sociedade e sob qualquer prisma. Deve-se mesmo questionar a legalidade da ação. O Comando Seal entrou no Paquistão, sem autorização, matou um terrorista e jogou o corpo no mar. Mas, leis internacionais definem prisão, processo, direito a defesa e pena ser aplicada. Agora mesmo, vejo notícias de um atentado terrorista, no Paquistão, que matou 80 pessoas. A milícia Talibã assumiu a responsabilidade e disse ser uma vingança pela morte de Bin Laden. O que é melhor? Oferecer ao fundamentalismo terrorista justificativas para que continue sua sanha assassina ou levar seus símbolos (Osama) para as barras da justiça e mostrar ao mundo o que ele realmente é? Fico com a segunda opção.




Maio/2011.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Licença para matar!

Para além e acima das “comemorações” idílicas pelo aniquilamento de Osama Bin Laden, é preciso encarar as coisas de forma realista. Maquiavel já nos ensinava que importa mais o mundo como ele é, e menos o mundo como gostaríamos que fosse. Num mundo maquiaveliano, os EUA passaram por cima do Direito Internacional para chutar o cachorro morto. Se até os bárbaros criminosos nazistas tiveram direito a um julgamento (em Nuremberg, no final da 2ª Guerra Mundial) porque o controverso Bin Laden não deveria ter também?
Ele encontrava-se desarmado, não usou nada como escudo, muito menos uma mulher, e as informações, para que se pudesse achá-lo, foram obtidas mediante a tortura de presos políticos, método que deve ser execrado por qualquer sociedade e sob qualquer prisma.O mundo democrático questiona a legalidade da ação. O tal comando Seal entrou no Paquistão, sem autorização do seu governo, matou um terrorista e jogou seu corpo no mar. Mas, leis internacionais definem prisão, processo, direito a defesa e, claro, a pena ser aplicada. É isso que Ricardo Melo discute neste preciso artigo publicado na Folha de São Paulo de hoje, 05 de maio de 2011.


Licença para matar - Ricardo Melo

Não será do dia para a noite que se terá acesso ao que realmente ocorreu no esconderijo do terrorista Osama bin Laden. Mas até a imprensa americana, que desde a Guerra do Golfo trocou o jornalismo pela "embedagem" ao governo, desconfiou do anúncio hollywoodiano da Casa Branca, versão democrata das "armas de destruição em massa" da era Bush.

Os lances épicos da violenta troca de tiros, da mulher usada como escudo, da resistência feroz deram lugar a um enredo bem mais prosaico. Provavelmente houve uma execução, e ponto. Tal descrição não comporta nenhum juízo de valor. Bin Laden e quem se engaja no terrorismo e no fanatismo religioso têm consciência que o risco de morrer faz parte do (mau) negócio. O prontuário de crimes do chefe da Al Qaeda apontava para este final.Mas incomoda, para dizer o menos, aceitar como natural a baboseira de Obama e dos europeus, para os quais a "justiça foi feita".

Como assim? Os EUA invadem um país, fuzilam um inimigo sem julgamento, jogam o corpo do sujeito no mar e estamos conversados. Tudo isso depois de se valerem de "técnicas coercitivas de interrogatório", eufemismo para tortura com afogamentos. E ainda vem a ONU, candidamente, dizer que "é preciso investigar" se o direito internacional foi desrespeitado. A lógica política da operação Geronimo é a mesma que preside a intervenção seletiva nos conflitos na África e no Oriente Médio. Gaddafi, o ex-amigo, agora é inimigo, então chumbo nele e na família. Já na Síria não é bem assim, tampouco no Iêmen e na Arábia Saudita -azar de quem nasceu rebelde por ali. Mais uma vez, os EUA tratam o planeta como quintal, e usam a ONU de plateia para as "rambolices".

Que Obama, um político comum, comemore o ganho de popularidade às vésperas da batalha pela reeleição, é compreensível. Já o resto do mundo dito civilizado assistir a tudo com tamanha complacência apenas sinaliza o que está por vir.

terça-feira, 26 de abril de 2011


Eis aqui a obra prima da música de todos os tempos. Não é apenas a obra mais importante do Rock in Roll. Este disco é um clássico. Daqui a 200 anos, The Beatles e sua obra serão tão presentes quanto foram na década de 60, é isso que faz deles um clássico.
Percebam a profundidade dos últimos versos de The End, que está no disco Abbey Road.
Abbey Road foi o 12° álbum lançado pelos Beatles. Foi lançado em 26 de setembro de 1969, e leva o mesmo nome da rua de Londres onde situa-se o estúdio Abbey Road. Foi produzido e orquestrado por George Martin para a Apple Records. Este álbum está na lista dos 200 álbuns definitivos no Rock and Roll Hall of Fame

The End

Oh yeah. Alright.
Are you gonna be in my dreams tonight.

Love you. Love you. Love you. Love you.

And in the end, the love you take
Is equal to the love you make.



O Fim

Ohh, sim. Tudo bem.
Você vai estar nos meus sonhos hoje à noite.

Amo você. Amo você. Amo você. Amo você.

E no final, o amor que você recebe,
É igual ao amor que você doa.

domingo, 10 de abril de 2011

O Oriente Médio e o Norte da África em questão

A Coordenação do Curso de Geografia, da Universidade Estadual da Paraíba, promoverá o Fórum de Debates sobre o Oriente Médio e o Norte da África, objetivando compreender diversas questões políticas e culturais sobre a região.

Ester evento será oportuno para discutirmos a questão atual do Oriente Médio e da África passando ao largo do sensacionalismo midiático, considerando que efetivamente a democracia ainda não é um interesse político naquela parte do mundo.



FORUM DE DEBATES: “O Oriente Médio e o Norte da África em Questão"



A Geografia e a Geopolítica: encruzilhada estratégica


(12/04 – 14:00 hs)


Profº Ms. FAUSTINO MOURA NETO (Geógrafo - UEPB)


Profº Ms. EDILSON NÓBREGA DE SOUZA (Geógrafo - UEPB)



História, cultura e religião


(13/04 - 14:00 hs)


Profº Ms. UELBA ALEXANDRE DO NASCIMENTO (Historiadora – UEPB)


Profª Drª CRISTIANE NEPOMUCENO (Antropóloga - UEPB)



O despertar dos povos árabes: a onda pró-democracia e a reação do Ocidente


(19/04 – 14:00 hs)


Profº Ms. GILBERGUES SANTOS SOARES (Cientista Político - UEPB)


Profº Ms. FÁBIO FERNANDO B. DE FREITAS (Cientista Político – UFCG)



O conflito árabe-israelense: Judeus x Palestinos, a paz difícil


(20/04 - 14:00 hs)


Prof. YNAKAN LUIS DE V. LEAL (Geógrafo - ensino médio)


Prof. JOÃO CLlMÁCO X. NETO (Prof. Geógrafo - ensino médio)



Local dos debates: AUDITÓRIO DO CEDUC I - UEPB (Catolé)


Inscrições: COORDENAÇÃO DO CURSO DE GEOGRAFIA - Fone: 3310-7117


Coord. do evento: Profº FAUSTINO MOURA NETO

sábado, 19 de março de 2011

Projeto obriga os eleitos a matricularem seus filhos em escolas públicas.

O Senador Cristovam Buarque teve uma idéia relevante, diria mesmo fantástica. Ele apresentou um Projeto de Lei que propõem que todos os políticos eleitos (vereadores, prefeitos, deputados estaduais e federais, governadores, senador, etc.) sejam obrigados a matricularem seus filhos em escolas públicas.

As conseqüências, além de um tanto quanto óbvias, seriam as melhores possíveis. Ao se virem obrigados a colocar seus filhos em escolas públicas, eles, os políticos, iriam cuidar de melhorar a qualidade do ensino público brasileiro. Todos sabemos as implicações decorrentes do ensino público que temos no Brasil e bem sabemos que podemos tirar proveito do “modus operandis” de nossos políticos que, em geral , privilegiam seus interesses mais comezinhos.

SE VOCÊ CONCORDA COM A IDEIA DO SENADOR, DIVULGUE ESTE TEXTO, POIS ESTE PROJETO PODE CONTRIBUIR PARA MUDAR A REALIDADE DA EDUCAÇÃO EM
NOSSO PAÍS. CLARO, O PROJETO SÓ PASSARÁ SE HOUVER A PRESSÃO DA OPINIÃO PÚBLICA!!!

Seria bom tomar como exemplo o Projeto do "Ficha Limpa" que só se tornou realidade por uma iniciativa da sociedade civil organizada. O projeto chegou ao Congresso Nacional através de uma Emenda Popular. Portanto, não é impossível. É difícil, mas não é impossível.
Link para acessa a página do senado onde se encontra o Projeto:


http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=82166
PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 480, DE 2007 - Determina a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matricularem seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Deus como coisa útil


“Acreditar é mais fácil do que pensar.
Daí, existirem mais crentes do que pensadores”


A sociedade da informação requer espaços para anunciar suas novidades, curiosidades e produtos. As redes sociais, os blogs e os sites são os outdoors virtuais onde se diz o que bem quer. Mas, parece pouco, pois vemos automóveis anunciando de tudo.

Vemos pára-brisas declarando que o casal proprietário do carro está “CASADO PARA SEMPRE”. Desconhecem que relações, assim como carros, se sujeitam as ações corrosivas do tempo. E tem os que trazem os nomes de sua prole. Então, vemos as Danniellys, Thaysis, Davysons, Francyellys - grafados ao bel prazer e a revelia da nossa detratada língua portuguesa.

Têm autos com frases jocosas: “ANDO NESTE CARRO, MAS DEUS ME DARÁ UM CROSS FOX NOVO.” Além do bom humor, ela transparece que a pessoa só se vê feliz em um carro novo e que espera que Deus lhe dê um. Nunca vi um adesivo com o desejo de se ter um carro pela via do trabalho. Não entendo por quais motivos e mecanismo Deus daria um Cross Fox a seja lá quem for. Se pudesse pedir um carro a Ele quereria um Aston Martin (igual ao de 007). Duvido que Ele atenda logo quem tem lá suas reservas para com as religiões que falam em Seu nome.

Eis o problema: esperamos que Deus e/ou o Estado nos dê aquilo que bem poderíamos obter através do trabalho. Formados pela égide do escravismo, encaramos o trabalho como um pesado fardo a carregar. Assim, esperamos de outrem aquilo que podemos (e devemos) conseguir pelo esforço próprio. Em artigo, na Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman, trata o Brasil como o “país da boquinha” e demonstra como as pessoas, categorias profissionais e empresas tentam “sequestrar a autoridade do Estado para impor-se a todos e garantir ‘o seu”. Aqui virou hábito não buscar se firmar pela excelência do trabalho e/ou pelo mérito. Vemos o Estado como um butim a se conquistar e Deus seria uma “coisa útil” da qual se aproxima para tirar proveito.

Vejo, também, frases que exprimem da repulsa aos políticos, passando pelas locuções subliminares que lançam candidaturas em períodos não eleitorais, até os desejos de “PAZ PARA O MUNDO”. E temos as assertivas emprestadas dos pára-choques de caminhões: “SUA INVEJA É A VELOCIDADE DO MEU SUCESSO”.

Mas, nada se iguala aos dizeres em que crenças são proclamadas. Temos menos a convicção de cada um e mais, muito mais, o fenômeno em que a fé, a religião e Deus são tratados de forma utilitária. As pessoas vão abraçando ramos do cristianismo para obter benesses. Vamos aos exemplos recolhidos, por mim e por prestativos colaboradores, em carros.

A mais vista das frases é a que atribui a Jesus Cristo uma fidelidade a toda prova – “JESUS É FIÉL”. Mas, a quê ou a quem Jesus é fiel? Não seriam os seguidores de Jesus que restituiriam lealdade a Ele e a seus ensinamentos? Mas, sendo justo, vi uma frase em que se estabelece uma via de mão dupla para com Ele: “JESUS É FIEL... E VOCÊ?”.

No entanto, temos aquela que recupera a via de mão única - “ATÉ AQUI NOS AJUDOU O SENHOR”, i.e., Jesus tem como função única ajudar seus seguidores. E os prosélitos de Jesus auxiliam em quê ou a quem? Nesta mesma linha temos: “DEUS CUIDA DE MIM”, onde Ele é privatizado e tem a função de tratar de uma só pessoa. Vi uma frase que é o cúmulo da prepotência: “TODOS ME SEGUEM, SÓ DEUS ME ACOMPANHA”. O indivíduo se vê como o centro, todos o seguem e Deus o acompanha por onde quer que vá. Mas, segundo o Dicionário Aurélio, “ir em companhia de” é a mesma coisa de seguir. Assim, até mesmo Deus marcha, caminha, persegue este motorista encarcerado em seu complexo de superioridade.

E existem as simplificações conformistas: “ORA QUE MELHORA”. Simples assim! Não precisa fazer mais nada. Basta orar e ficar sentado (ou ajoelhado) que tudo vai melhorar. O bom emprego (público, de preferência), o carro novo, a casa própria, o consumismo desenfreado, numa palavra a boa vida, acontecerão para o devotado crente automaticamente. Quisera fosse assim!

Mas, é bom não esquecer, as benesses divinas só são alcançadas mediante pagamento do dízimo, pois, segundo interpretações e/ou deturpações as “graças” só são alcançadas mediante pagamento, i.e., é dando que se recebe! E quem se utilizar de tal frase pode, constatando que a vida melhorou, afixar o seguinte em seu possante: “COM DEUS SOMOS MAIS QUE VENCEDOR”. Não deveria ser vencedores? Até nessa hora a língua portuguesa é achincalhada.

Em outra frase a preocupação gira em torno do eu: “SE JESUS VOLTASSE HOJE COMO EU ESTARIA?”. Não importa a volta Dele e sim como estará o fiel, pois o retorno de Jesus só deve significar algo para ele próprio. Sem contar que sendo Ele onipotente, onipresente e onisciente tornar-se-á desnecessário Seu regresso.

E vamos às frases onde Deus é mero instrumento para saciar interesses materiais. As mais famosas são: “PRESENTE DE DEUS”; “ESSE FOI JESUS QUE ME DEU”; “PROPRIEDADE EXCLUSIVA DE DEUS”. Por que Deus ou Jesus sairiam por aí distribuindo carros? Com que fins Eles seriam felizes proprietários de um veículo? Imaginemos quanto inverossímil é um deus que se preocupa em dar carros para seus seguidores.

A racionalização disso mostra que se adere a esta ou aquela Igreja para poder “ganhar” um carro, numa relação mercantil. É isso que se coloca para os futuros crentes – venha para nossa Igreja e terás tudo o que quiseres Você quer um carro novo? Assim seja! Mas, não esqueça, se deixar de pagar o dízimo estarás cometendo o maior de todos os pecados.

Uma abnegada colaboradora recolheu a seguinte frase: “RASTREADO POR JESUS”. Teria Ele um GPS para rastrear seus fiéis mais fiéis? Também me brindou com a pérola: “DEUS QUANDO QUER FAZ ASSIM”. Assim? Como? A frase tenta, implicitamente, provar que Deus só faz maravilhas para alguns poucos iluminados que crêem cegamente nele.

Li certa vez, não lembro onde e nem o autor, que “acreditar é mais fácil do que pensar. Daí, existirem mais crentes do que pensadores”. Eis outra mensagem subliminar, não pense, não reflita, apenas creia cegamente e você será “divinamente” recompensado.

Vão longe os tempos em que os fiéis queriam “apenas” o reino dos céus. Hoje, eles se “contentam” com um carro novo. Todos querem o reino de Deus, a salvação e seja lá mais o que for, mas é preciso lembrar que antes existe um período probatório aqui mesmo na terra. No dia do “juízo final” não importará ter um Cross Fox vermelho, mesmo que tenha sido dado por Deus. Na hora de “acertar as contas” com o Todo Poderoso serão os atos e as palavras distribuídos aqui na Terra que vão definir quem vai para o “Nosso Lar” e quem vai para o “Umbral”.

Fevereiro/2011.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O país da "boquinha"...

Neste artigo, "Tiradentes e as boquinhas", publicado na Folha de São Paulo de hoje (26/01/2011) Hélio Schwartsman acerta no diagnóstico. Somo mesmo o "país da boquinha", onde a Lei de Gérson continua vigente e sendo alargamente utilizada. É assim que seguimos: acusando os políticos de todos os males, como se fóssemos diferentes.


Agora são duas tetranetas de Tiradentes que estão pleiteando uma pensãozinha, pelos serviços prestados por seu antepassado. Faz sentido. Se a filha do Hercílio Luz, que foi eleito governador de Santa Catarina no século 19, faz jus a R$ 15 mil, por que as descendentes do herói do século 18 não teriam direito a modestos R$ R$ 727? Nesse ritmo, logo chegaremos ao Pero Vaz de Caminha. Chegaremos? Talvez seja mais exato dizer que foi dali que partimos. É sempre bom lembrar que o escrivão real termina sua Carta do Achamento do Brasil intercedendo diante de Sua Majestade por um genro.

Com tantos antecedentes, não é difícil explicar coisas como superpassaportes, superaposentadorias etc. Na verdade, é fácil e gostoso atacar políticos e seus apaniguados, mas será que nosso comportamento privado é muito melhor? Tramitam no Congresso dezenas de projetos de "regulamentação profissional", ou seja, para tornar uma determinada atividade exclusiva para os que já a praticam e de preferência obrigatória para a população. Todo sindicato, no fundo, almeja tornar-se uma OAB.

Na indústria, a situação não é diferente. A troca das tomadas, por exemplo, foi um golpe de mestre. Numa única canetada os fabricantes de plugues e adaptadores criaram "ex nihilo" um novo mercado de quase 200 milhões de usuários. No mesmo nível de genialidade só me lembro da regra que, alguns anos atrás, obrigou todos os motoristas a adquirir e a carregar um pedaço de gaze, um rolo de esparadrapo e um par de luvas de látex. Era para garantir atendimento médico em emergências viárias.

O Brasil se tornou uma espécie de país da boquinha. Indivíduos, categorias profissionais e empresas, em vez de firmar-se pela excelência de seu trabalho, serviços ou produtos, tentam sequestrar a autoridade do Estado para impor-se a todos e garantir "o seu". É um jogo no qual os bem relacionados ganham e a maioria perde.