Em 03 de Dezembro o ex-ministro LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA publicou este artigo onde sustenta que, em que pese a personalidade autoritária de Hugo Chávez, o regime político existente na Venezuela é democrático.
"NÃO ESTOU seguro se Hugo Chávez será afinal um bom ou um mau presidente da Venezuela. Político de esquerda e nacionalista dotado de personalidade forte, foi fortalecido pelo alto preço do petróleo e por várias eleições.
Indignado com a participação do governo dos Estados Unidos na tentativa de golpe que sofreu em 2002, vem fazendo críticas duras e desabridas ao presidente George W. Bush. Seus excessos de fala e seus grandes gastos em armamentos são boas razões para que muitos brasileiros discordem dele, como também seu nacionalismo, os grandes gastos que vem realizando na área social e sua coragem são razões para outros brasileiros o apoiarem.
Respeito as duas posições, mas considero absurdo o que vem fazendo a direita brasileira em relação à Venezuela e à sua candidatura ao Mercosul. Ao procurar rejeitá-la no Congresso porque a Venezuela não seria uma democracia, está confundindo personalidade autoritária com instituições autoritárias. Chávez tem uma personalidade autoritária, mas, segundo a definição que hoje existe em qualquer bom livro de teoria política, o regime político existente na Venezuela é democrático. Ali há o Estado de Direito, a liberdade de pensamento e de imprensa e eleições livres -os três requisitos essenciais de uma democracia.
Se a permissão constitucional para disputar eleições sucessivas fosse incompatível com a democracia, os Estados Unidos teriam sido uma ditadura até a Segunda Guerra Mundial. Estou escrevendo este artigo sem saber se Chávez venceu ou perdeu o referendo de ontem sobre a mudança da Constituição, mas o respectivo noticiário foi mais uma indicação de que a Venezuela é um país democrático ao mostrar a forte oposição da imprensa venezuelana conservadora.
Depois da transição democrática, a qualidade da democracia de cada país corresponde aproximadamente a seu grau de desenvolvimento econômico e social. A democracia existente na Venezuela está longe de ser a democracia ideal, como é possível ver pelas contínuas tentativas de golpe de uma oposição corrupta e aliada aos Estados Unidos que não promoveu o desenvolvimento do país e só se interessou pelas rendas do petróleo. Não é certamente uma democracia consolidada como é a brasileira, porque aqui já realizamos nossa Revolução Capitalista e contamos com uma grande classe média para garanti-la, enquanto a Venezuela, apesar de sua retórica bolivariana, talvez esteja agora realizando a sua: será bem-sucedida se neutralizar sua grave doença holandesa, industrializar o país e promover o surgimento de uma classe média.
A tese de que a Venezuela não é uma democracia porque lhe falta qualidade para tal é uma tese autoritária de direita muito semelhante à tese autoritária que a esquerda latino-americana usava nos anos 1950 e 1960 para desclassificar as democracias então existentes no continente.
Essas democracias seriam, segundo essa tese autoritária, democracias "formais", não substantivas. Argumentar contra essa tese foi fundamental na luta pela redemocratização depois de 1964. Agora, é a direita latino-americana que adota tese semelhante sob inspiração da grande imprensa do Norte -desse Norte rico que Chávez está incomodando. Ao Brasil não interessa hostilizar esse Norte, mas não interessa também a ele se subordinar."
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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