Por vezes tenho a impressão que estamos em marcha batido de volta para o período da ditadura. Se não isso, pelo menos constato que ainda há um longo caminho para que a democracia brasileira se consolide e/ou que os entulhos autoritários herdados da ditadura militar sejam totalmente removidos.
Vejamos o caso do economista e especialista em educação em Direitos Humanos, Roberto Oliveira Monte, que está sendo processado pela Justiça Militar por causa de uma palestra proferida no I Congresso Norte-Nordeste de Direito Militar (em 2005) na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Roberto Monte foi fundador do Movimento Nacional dos Direitos Humanos e atualmente trabalha como consultor do Portal Nacional de Segurança Humana do Ministério da Justiça. Durante sua palestra, intitulada "Direitos Humanos – Coisa de Polícia" propôs às Forças Armadas a implantação de núcleos de direitos humanos e fez referência aos "exércitos” de Duque de Caxias, Marechal Rondon, Marighela, Gregório Bezerra, Prestes e outros.
Tais referências resultaram na instauração de um Inquérito Policial Militar (IPM) em que foram indiciados 11 militares e Monte, que é civil. O economista foi denunciado pelo Ministério Público Federal Militar com base nos artigos 155 (incitamento à desobediência) e 219 (ofensa às forças armadas) do Código Penal Militar Brasileiro, promulgado através do decreto-lei 1001 de 21 de outubro de 1969, ainda no regime militar, i.e., um instrumento da ditadura está sendo usado para processar um civil em tempos de democracia.
Os crimes imputados a Monte são puníveis com pena de reclusão de até quatro anos. Para os advogados de Monte, Marcelo Santa Cruz e Frederico Barbosa, a denúncia contraria o artigo 5º § 4º da Constituição Federal que assegura o direito à livre manifestação de pensamento e fere tratados internacionais de direitos humanos que o Brasil aderiu ou celebrou.
A questão repercute internacionalmente junto à entidades ligadas aos Direitos Humanos. O Lawyer's Right Watch Canada (LRWC), um comitê de advogados internacionais que apóia defensores de direitos humanos em risco, enviou um comunicado urgente ao governo brasileiro para expressar sua preocupação com relação ao caso. Para a LRWC, o Código Penal Militar não é uma estritamente democrática, pois foi feito e outorgada pelo regime militar, sem passar pelo crivo do parlamento. A LRWC alerta que um civil está sendo processado por um crime militar e que os fatos imputados a Monte não acorreram dentro de uma instituição militar e sim em um campus universitário que pertence a administração federal (civil).
Os advogados de Monte destacaram também que o Congresso de Direito Militar tinha um cunho eminentemente acadêmico-científico e que há um abuso de poder por parte dos militares ao imputar um crime, que é inaplicável aos próprios militares, a um civil. "Essa denúncia, emitida pelo Ministério Público Federal Militar e acatada pela auditoria da Justiça Militar, deixa o Exército Brasileiro com uma imagem ruim aqui e na comunidade internacional", declarou Frederico Barbosa. Afirmaram ainda que esse é um momento oportuno para que seja desencadeado pela Ordem dos Advogados do Brasil, Movimento Nacional de Direitos Humanos e demais entidades, um grande movimento pela revogação dessa legislação que, inclusive, confronta-se com a Constituição Federal.
A OAB-PE entrou no caso e promoveu uma audiência pública de desagravo referente ao processo. Para Jayme Afora, presidente da OAB-PE, é necessário pôr um fim a esse entulho autoritário que o País guarda como herança dos tempos da ditadura. "Estamos cumprindo o nosso papel como defensores do Estado Democrático de Direito e da Justiça", assegurou o presidente.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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