Em mais um bom artigo Clóvis Rossi trata do falso dilema imposto à sociedade brasileira pelos que, por motivos diversos, querem colocar a questão da revisão da lei da Anistia e da punição aos torturadores na vala comum do que é ou não terrorismo. Enquanto os arquivos da ditadura não forem abertos, para que se saiba bem quem cometeu determinados crimes, ficaremos discutindo em circulos sobre o que é ou não terrorismo.
CLÓVIS ROSSI e "As feridas imprescritíveis"
FOLHA DE SÃO PAULO 16/11/2008 - No aparente afã de contraditar a ministra Dilma Rousseff, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, acabou é reforçando a argumentação de Dilma, para quem tortura é crime imprescritível.
Diz Mendes que terrorismo também é crime imprescritível. Se é assim, terrorismo de Estado é igualmente crime imprescritível -e o que aconteceu no Brasil nos anos 60 e 70 foram os dois tipos de terrorismo, o da luta armada e o do aparelho repressivo.
Se alguém tem dúvida, basta ler os indispensáveis livros de Elio Gaspari sobre o período militar. Ou interpretar a atitude da Advocacia Geral da União de assumir a defesa de dois oficiais do Exército acusados de praticar torturas. Se assumiu a defesa, a AGU está dizendo implicitamente que ambos agiram de acordo com uma política de Estado e, portanto, não tem como omitir-se na defesa.
Não fosse política de Estado e, sim, desvio de conduto funcional, a AGU teria recusado a causa.
Teorias e interpretações à parte, há fatos concretos ultra-conhecidos: se é terrorismo -e é- matar um soldado (Mário Kozel Filho) que estava de guarda à porta do então 2º Exército, também é terrorismo matar um preso sob guarda do Estado (caso do jornalista Vladimir Herzog, um entre muitíssimos).
Portanto, se crime de terrorismo é imprescritível, cabe punir os casos de terrorismo de Estado, até porque há uma nítida diferença entre um terrorismo e outro: boa parte dos que praticaram terrorismo contra o regime já foi punida -às vezes dentro da lei, não raro à margem dela (caso Herzog, para citar de novo apenas um deles).
Já os que praticaram terrorismo de Estado não tiveram punição. Pode-se até discutir a conveniência político-institucional de salgar feridas a esta altura. O que não se pode é insinuar reabrir algumas, sem reabrir também as outras.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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