O estranhamento é geral. Enquanto alguns setores do governo querem que os torturadores do período militar sejam punidos, por entender que tortura é um crime contra a humanidade e não um crime político e por isso não deve ser passível de anistia, o Presidente Lula, escudado pelo Ministro da Defesa Nelson Jobim, manda que a AGU (Advocacia Geral da União) defenda Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Maciel (militares acusados de cometerem crimes de tortura).
A questão é: O QUE, OU QUEM, DETERMINOU QUE LULA JOGASSE DE VEZ SUA BIOGRAFIA NA LATA DO LIXO?
Abaixo, duas matérias sobre a questão.
FOLHA DE SÃO PAULO -02/11/2008.
JANIO DE FREITAS - Lugares muito especiais na história
Lula pôs um pedregulho sobre assuntos de tortura, desaparecimentos, Araguaia e os arquivos da ditadura. Lula e seu governo conquistam mais lugares na história do que a história esperaria.
O GOVERNO Lula deu dois passos de gigante, nos últimos dias, em direção aos postos mais destacados em duas galerias da história: uma, a das grandes fugas de governantes ao seu dever de justiça e compostura; outra, a das improbidades elaboradas no próprio cerne dos governos.
O Brasil é réu em processo na OEA (Organização dos Estados Americanos), em Washington, acusado de proteger praticantes de tortura, assassinatos e desaparecimentos de presos políticos, assim transgredindo convenção de que é signatário e a jurisprudência internacional que define tais práticas como crimes contra a humanidade e imprescritíveis.
Em todas as muitas oportunidades de assumir sua responsabilidade, a palavra pessoal dada e o dever de evitar que o Brasil figure como exceção desmoralizante, Lula pôs um pedregulho sobre os assuntos de tortura, desaparecimentos, Araguaia e arquivos da ditadura. O processo na OEA, portanto, não atinge só o país, alcança Lula e a desavisada imagem externa de que tanto cuida. É o que explica sua prometida ação, de volta do giro caribenho, de procurar uma "solução intermediária" no confronto, dentro do próprio governo, que consolidou a decisão de processo na OEA.
Não é caso de saída pela tangente, porém. A Advocacia Geral da União, inovando na sua finalidade, assumiu a defesa dos militares praticantes ou mandantes dos crimes da repressão ditatorial, dando a anistia como impeditiva de qualquer sentença contra os coronéis Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, em processo que lhes move o Ministério Público sobre indenização de vítimas. Já o secretário de Direitos Humanos, o determinado Paulo Vannuchi, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, defendem posição equivalente à do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil, na sigla em inglês), que na acusação ao Brasil sustenta não ser possível, pela jurisprudência e acordos internacionais, a prescrição dos crimes contra a humanidade, como o de tortura e suas conseqüências.
O advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, nomeado por Lula e dado como seu preferido para a próxima vaga no Supremo Tribunal Federal, torna-se merecedor do apoio militar para a possível nomeação. E, à margem dessa possibilidade, já a concordância dos que acham necessário evitar desagrado às Forças Armadas, como Lula mesmo tem evidenciado. O que leva a certas perguntas: se forem desagradados, neste ou em outro assunto, o que é imaginado que os militares façam em represália? Não são democratas? Não seriam inúteis algumas reflexões governamentais sobre tais questões, porque, se bem que a OEA deteste fazer mais do que política, a posição do Brasil não é tapeável com facilidade. Inclusive por força do valente depoimento de um procurador da República, Marlon Weichert, que não poupou verdades.
No ramo fértil das improbidades e sua galeria, cada centímetro que o governo avança, contra a proibição legal de compra da Brasil Telecom pela Oi/Telemar, expõe um grau de desfaçatez sem precedente. Se um ou outro já teve competidor, e não o conheço, a série por certo é única. Trata-se agora da integração de dois diretores da Brasil Telecom no Conselho Consultivo da Anatel, a Agência Nacional de Telecomunicações, que vota e processa as manobras, na área governamental, da transação que ficou proibida para evitar posições monopolistas e forçar a concorrência.
Lula e seu governo conquistam mais lugares na história do que a história esperaria.
31/10/2008 19:34:32
Redação CartaCapital
Esquentou a queda-de-braço dentro do governo em torno da responsabilização dos militares e policiais que assassinaram, torturaram e participaram do desaparecimento de presos políticos durante a ditadura. Na segunda-feira 27, o ministro Paulo de Tarso Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, ligada à Presidência da República, afirmou que voltará à “sociedade civil”, caso prevaleça no governo a posição da Advocacia-Geral da União (AGU) na ação que envolve os coronéis da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Maciel, comandantes do DOI-Codi no período de 1970 a 1976.
O Ministério Público Federal (MPF) aponta Ustra e Maciel como responsáveis pela tortura e morte de 64 presos políticos e pede que esses reembolsem a União pelas indenizações pagas às famílias das vítimas. O MPF também acusa o Estado de omissão por não buscar na Justiça o ressarcimento das indenizações pagas, uma atribuição constitucional da AGU.
Em sua contestação à ação do MPF, a Advocacia-Geral afirma que a Lei de Anistia, de 1979, isenta os militares de responsabilidade legal pelos crimes cometidos. E atribui a responsabilidade pelas indenizações ao Congresso, que aprovou a lei sobre o tema. Considera ainda que prescreveu, em 1996, o prazo para o ressarcimento à União. Por fim, a AGU acata a tese de que não existem mais os arquivos relativos à repressão. Deveriam tornar-se públicos, segundo o MPF.
Em linhas gerais, a contestação apresentada pela AGU abraça a tese defendida por setores das Forças Armadas, sob o comando do ministro da Defesa, Nelson Jobim, principal interlocutor, nos bastidores do Planalto, dos que preferem “passar uma borracha” no período da repressão. Procurada por CartaCapital, a AGU preferiu não se manifestar.
Em reunião extraordinária, realizada na quarta-feira 29, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, também ligada à Presidência, divulgou nota repudiando a iniciativa da AGU. “A comissão manifesta a sua indignação em relação às afirmações feitas pela Advocacia-Geral da União. Convidada a alinhar-se com o Ministério Público, a União preferiu assumir postura que beneficia os torturadores. Ao agir assim, a AGU procurou isentar aqueles que foram chefes do mais famoso centro de torturas do País de devolver à União as indenizações pagas às famílias dos que ali foram mortos sob tortura”, escrevem os integrantes da comissão.
A nota encerra-se com uma referência ao discurso do presidente Lula, em que ele afirma que o País “precisa dessa verdade”. A afirmação foi feita durante o lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, editado pela secretaria comandada por Vannuchi e lançado em agosto deste ano.
No mesmo dia em que a nota foi publicada, o Ministério da Justiça vazou à imprensa um relatório encaminhado à Casa Civil, em que critica a atuação da AGU, por ter “avançado” indevidamente no tema da prescrição dos crimes da ditadura. Militantes dos Direitos Humanos também saíram em defesa de Vannuchi. “A tradicional conciliação na política brasileira acaba de revelar sua face mais perversa e repulsiva. É eticamente inaceitável que a União venha a assumir a defesa destes e não da dignidade do povo brasileiro”, escreveram a socióloga Maria Victoria Benevides e o professor de Direito da USP Fábio Konder Comparato.
Em Washington, a atuação da AGU foi relatada à Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), durante uma audiência que ouviu o procurador da República Marlon Weichert, um dos autores da ação contra os militares, o governo brasileiro e a ONG Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil). A audiência buscou elementos para o relatório que será produzido pela comissão da OEA, a respeito das garantias dadas pelo Estado brasileiro aos direitos humanos.
“A posição da AGU está em desacordo com os tratados internacionais e com o que se passa nos demais países da região. A contestação é um ‘tiro no pé’, já que abre margem para o Brasil ser levado à Corte Internacional de Direitos Humanos da OEA, pois deixa claro que o Estado não cumpre com as suas obrigações”, afirma a socióloga Beatriz Affonso, da Cejil, uma das depoentes na audiência.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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