terça-feira, 4 de novembro de 2008

Explicando o sistema eleitoral norte-americano.

A depender das pesquisas e das torcidas, Obama vencerá a eleição nos EUA. De Fidel Castro a Nicolas Sarkozy, passando por Bono Vox (U2) e de amplos setores da imprensa, da economia e da política mundial, todos aderiram à onda Obama. Suscitam-se duas questões: entender o sistema eleitoral norte-americano e o que esperar do novo presidente.

Primeiro a explicação, depois o comentário.

Tomemos a Califórnia, que envia 55 delegados ao Colégio Eleitoral. Quem ganhar a eleição aí leva todos os 55 votos. Vencer em um estado significa ter a maioria simples dos votos. Não importa que se ganhe num estado com uma diferença de 100 ou 100.000 votos. O vencedor leva tudo. Ao final das apurações, por estado, somar-se-ão os números de delegados dos estados onde Obama ganhou, fazendo-se o mesmo com McCain. Quem primeiro atingir a quantia de 270 delegados (i.e., metade mais um do total de 538 delegados) vencerá.

O número de delegados que cada estado envia ao Colégio Eleitoral é o equivalente ao total de representantes de cada um no Congresso Nacional. Se um estado tem 13 deputados e 2 senadores, ele envia 15 delegados. Lembrando que é através das primárias, feitas nos 52 estados, que os partidos definem seus candidatos. Os americanos não são obrigados a votar, mas cerca de 130 milhões comparecerão as urnas – algo notável, considerando que os americanos não são muito afeitos a exercitarem o voto.

O sucessor de George Bush terá que lidar com a ampla desconfiança interna e externa em torno do Estado norte-americano. Terá que resolver em definitivo se retira ou não as tropas do Iraque e tomar medidas drásticas contra a recessão. Ainda, decidir se reverte ou não os enormes benefícios fiscais que Bush concedeu aos mais ricos e aplacar o déficit público recorde que certamente limitará projetos em áreas como saúde, educação e na busca por energias renováveis.

Obama pode se tornar o primeiro presidente negro dos EUA. As pesquisas indicam que ele deve ter uma margem confortável acima da metade dos 538 delegados do Colégio Eleitoral. McCain pode se tornar o presidente mais velho a assumir um primeiro mandato e sua vice, Sarah Palin, a primeira mulher vice-presidente. Isso tudo traz emblemas para a eleição. Mas, nada será mais significativo se em um dos países mais racista e conservador do mundo, for eleitor um negro. É como se os vascaínos elegessem um flamenguista para ser seu presidente.

Acertadamente, Obama diz que McCain representa o 3º mandato de Bush e a continuidade de uma perigosa política belicista. Já McCain diz que Obama não tem experiência com questões internacionais e com a administração pública. Ele, também, está certo. McCain representa mais do mesmo e Obama é bem mais a vontade dos americanos (e do mundo) de que as coisas melhorem. Ele é uma aposta de médio prazo e como tal pode ou não dar certo.

As conjunturas e os interesses econômicos sempre se sobrepõem à ideologia dos partidos. Os EUA possuem doutrinas que orientam sua política externa, em que pese existirem, também, os corolários que adéquam doutrinas às conjunturas. Foi o caso da Política da Boa Vizinhança (na 2ª Guerra Mundial) em relação à Doutrina Monroe (“a América para os americanos”).

Agora, temos um fator conjuntural preponderante - a crise financeira. O vencedor adequará sua ideologia para evitar que o país mergulhe numa crise só comparável a de 1929 e deve adotar uma agressiva política externa protecionista. Questões como imigração e relações comerciais com outros países devem ficar em segundo plano - a tônica será os problemas internos.

Quem torce por Obama, achando que ele fará uma política externa mais favorável aos países em desenvolvimento, não deve esquecer que a pressão interna é pelo fechamento do mercado americano e que provavelmente o novo presidente governará com um Congresso majoritariamente composto por democratas que, em geral, adotam posturas protecionistas.

O presidente Lula disse que acha extraordinário ter um negro presidente dos EUA. O Itamarati, óbvio, afirmou a neutralidade do governo brasileiro. Mas, Lula (visitando Cuba) destacou a “mensagem de mudança que Obama traz”. Ele deve ver em Obama algo próxima a si mesmo. Ambos, pela origem, contrariam regras e costumes e ocupam lugares historicamente reservados para a elite branca e conservadora.

Racionalmente, a postura de esperar o resultado é ainda a melhor. McCain e Obama podem tanto favorecer como contrariar a política externa brasileira. Sendo os republicanos, em geral, favoráveis ao livre mercado McCain poderia ser útil ao Brasil em relação ao comércio e à redução dos subsídios agrícolas nos EUA. Mas, Obama tem uma postura de respeito as causa ambientais e defende o desarmamento. Pontos que o Brasil tem defendido junto aos organismos internacionais.

Prudente, neste momento, é não aceitar a espetacularização da eleição promovida por alguns setores da imprensa dos EUA e alhures.

Esclarecimento:
Os americanos estão, também, elegendo o Congresso Nacional. Em disputa todas as 435 vagas da Câmara Federal e 35 das 100 cadeiras do Senado. Os democratas possuem, hoje, a maioria e esperam repetir a dose aproveitando-se dos índices de rejeição a Bush e da provável vitória de Obama.


Ter a maioria no Congresso significa facilidades para o presidente aprovar seus projetos. Se um dos dois partidos consegue ser majoritário pode impedir que o outro (minoritário) faça obstruções regimentais. Se o partido majoritário não é o do presidente, das duas uma: ou faz acordos com a Casa Branca ou enfrenta os vetos presidenciais. É o que tem acontecido no governo Bush em relação a impostos e guerras.

Os democratas ganharam o controle do Congresso na eleição de 2006, já sob os efeitos da impopularidade do presidente, mas os republicanos conseguem obstruir parte da pauta democrata. É o sistema denominado de pesos e contrapesos que garante uma efetiva separação dos poderes. Algo bastante diferente do Brasil, onde o presidente legisla, por meio de Medidas Provisórias, e o Judiciário faz o papel que deve ser feito pelo Congresso.

Novembro/2008.

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