Em 1976 o governo militar permitiu eleições para lastrear sua abertura lenta e gradual. Por isso alterou a propaganda eleitoral na televisão. Se antes o candidato tinha 01 minuto para verbalizar sua mensagem, com a “Lei Falcão” só podia mostrar fotografias e uma voz lacônica cantilenava o currículo do postulante. Eram campanhas enfadonhas, sem forma e conteúdo. Finda a ditadura, a legislação eleitoral e as campanhas mudaram de formato, em que pese estas continuarem pobres de conteúdo. Tornaram-se grandes espetáculos e isso merece ser analisado.
Veja-se que o promotor eleitoral de mídia em Campina Grande, Herbert Targino, propôs o fim das carreatas, pois (SIC) “causam turbulências no tecido social”. Tateando o humor partidário, sugeriu uma reflexão sobre a possibilidade de suprimir as carreatas. Os atores políticos se posicionaram. O deputado Ruy Carneiro defendeu o fim delas devido aos acidentes causados e aos altos custos. Para o deputado Vital Filho elas mostram o engajamento e sentimento popular e devem ser reguladas e fiscalizadas. E algumas coligações não aceitam o seu fim.
Usará a Justiça Eleitoral de suas prerrogativas legais e proibirá esses eventos ou pelo menos os regularizará e fiscalizará para impedir que o tecido social se esgarce?
As eleições são tidas como a “festa da democracia”. Temos comícios, passeatas, carretas, corpo-a-corpo, etc. Os candidatos são acompanhados de músicas, fogos, bandas, artistas, trios elétricos, etc, i.e., tudo para chamar a atenção do eleitor. Um atento observador terá dificuldades de ver e ouvir o candidato, pois o que está em seu entorno causa tumulto, desordem e alvoroço.
Estranha-me que os debates, na televisão principalmente, sejam hermeticamente controlados, com regras muito bem definidas pela Justiça Eleitoral, pelos candidatos e por quem os promove. Já assisti a um debate em que os candidatos tinham (pasme!) 15 segundos para responder a uma pergunta feita durante 01m30s. Eles não podiam nem se referir diretamente um ao outro, sob argumento de manter o nível da discussão e o respeito ao telespectador. Neste momento, a imprensa e os analistas políticos, inclusive este escriba, pisam em ovos ao se referirem aos candidatos e as questões político-eleitorais, pois tudo parece ser passível de reprimendas e processos.
Os debates são ideais para os candidatos se mostrarem por inteiro aos eleitores. Na Paraíba, um pífio desempenho na altercação já, por vezes, contribui para que se perdesse uma eleição. Deve-se desconfiar do candidato inseguro, que não é objetivo nas respostas, que gagueja e lancina impiedosamente a língua portuguesa, que foge dos temas espinhosos e que, de tão maquiado, mais parece um ator de novelas. Imagem é importante, mas sem conteúdo, não passa de dissimulação.
Se os debates têm tantas regras, porque os momentos em que o candidato aparece para sorrir, acenar, abraçar e beijar, também não? Porque permitir as passeatas e carreatas, que transtornam nossas vidas, pelas principais ruas da cidade nos horários onde o trânsito já é normalmente complicado? Porque uma campanha eleitoral tem de virar um espetáculo?
Porque seguir em uma imensa fila de carros, por horas a fio, num barulho ensurdecedor? Seriam os “bônus” distribuídos para que se preencha o tanque do carro, em geral no posto de combustíveis de um aliado do candidato? Por suposto. Mas, isso é pouco atrativo, pois boa parte do combustível ganho se esvai na própria carreata. Existe sim a contribuição para a campanha, pois sempre há um pouco de altruísmo. Mas, existem trocas de favores e a imposição a muitos de irem às atividades de campanha sobre pena de perderem benesses dadas e/ou prometidas.
As carreatas são, ainda, uma opção de lazer aos domingos para os que não se entregam ao salutar ócio domingueiro. É um passatempo, uma festa que embriaga e alivia dos estresses semanais. Os próprios eleitores exigem dos seus candidatos que façam as carreatas, e estes não seriam insanos de negarem. Afinal, os políticos só dão pão e circo porque tem quem receba.
Renato Russo já lembrava que comemoramos como idiotas a cada fevereiro e feriado. As carreatas são eventos que nada dizem do candidato que as promove. Elas não aferem engajamento ou popularidade do candidato, pois ele é apenas um das atrações, quando o é. Com elas multiplicam-se os acidentes e tantos outros problemas advindos do uso indiscriminado de bebidas alcoólicas. A poluição sonora campeia através dos trios elétricos e dos carros que, com suas malas abertas, conspurcam a cidade. Carreatas permitem tão somente uma fugidia alegria que quando a realidade da segunda-feira se apresenta logo acaba.
Muitos não entendem que eleição é um contrato em que poucos representam muitos. Os contratantes (eleitores) devem fiscalizar os atos dos contratados (eleitos) após estes tomarem posse em seus cargos. Transformar uma eleição em uma festa só contribui para mascarar os problemas e deficiências de um candidato. Se ele dispõem de meios que permitem que sorria muito e pouco fale, poderá vender seu produto adulterado que depois tantos problemas causará.
Professor do Curso de História da Univ. Estadual da Paraíba desde 1993. Mestre em Ciência Política-UFPE e Doutorando em Ciência da Informação-UFPB. Especialista em História do Brasil, com ênfase na Era Vargas e na Ditadura Militar, na democracia e no autoritarismo. Autor dos livros "Heróis de uma revolução anunciada ou aventureiros de um tempo perdido" (2015) e “Do que ainda posso falar e outros ensaios - Ou quanto de verdade ainda se pode aceitar” (2024), ambos lançados pela Editora da UEPB.
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2 comentários:
Oi Gilbergues
Excelente reflexão, colega. É pena que suas idéias não cheguem ao povão que precisa ser instruído para ver com outros olhos as artimanhas que existem por trás da espetaculirazão da política. Valeu!
Um abração
Divanira Arcoverde
O pior é que idéias como essas até chegam ao grande público, no entanto este não parece estar preparado para recebê-las. Nossa cultura política antidemocrática ainda é um grande entrave para uma série de mudanças.
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